«O que fica, no final de tudo isto, é o nosso insaciável apetite por tudo o que é novo»

Que impacto teve, ou está a ter, a pandemia de Covid-19 na comunicação? À semelhança das restantes áreas da sociedade, a digitalização estará entre as principais consequências da crise sanitária em virtude da necessidade de distanciamento e confinamento. E, assim sendo, neste contexto, que papel podem ter as agências na construção de novas estratégias para as marcas?

Rodolfo Oliveira, managing partner da Bloomcast Consulting, considera que «o digital criou um novo desafio às empresas que, na sua grande maioria, ou abraçam o desafio de comunicar mais e melhor, dando-lhes mais visibilidade e notoriedade, ou soçobram na miríade de ofertas e de presenças digitais da sua concorrência». A agência de comunicação poderá contribuir para garantir que cada organização tira o melhor partido possível das ferramentas à disposição, com o máximo de eficácia e coerência nas abordagens.

Em entrevista à Marketeer, o responsável sublinha ainda que «o que fica seguramente, no final de tudo isto, é o nosso insaciável apetite por tudo o que é novo, que nos permite ligar-nos uns aos outros». Segundo Rodolfo Oliveira, não será possível garantir já se as novas formas de comunicação – como webinares ou transmissões em directo – chegaram para ficar, mas é claro que a tecnologia continuará a ser um elemento fundamental.

Acompanhe a entrevista na íntegra:

A pandemia veio acelerar a digitalização dos negócios. Quais são as ferramentas ou áreas digitais em que as empresas portuguesas mais estão a apostar?

A digitalização dos negócios é uma tendência global, a que as empresas nacionais não podem estar alheias. Uma vez que muitas empresas ainda não têm uma presença online que lhes proporcione a notoriedade e visibilidade que necessitam para este novo mundo em que vivemos, a criação ou renovação da presença online com um site que seja moderno e facilmente lido em qualquer dispositivo, com uma adequada e regular gestão de SEO, etc., será seguramente uma primeira área prioritária. Essa presença não se irá circunscrever ao estabelecimento de um site com as características referidas, mas também à criação de canais de atendimento e gestão da interacção, seja com operadores humanos ou electrónicos e a incorporação de funcionalidades de comércio electrónico.

O outro pilar essencial passa pela criação de conteúdos diversificados e actuais, que incorporem imagens, vídeo, áudio e texto de forma a proporcionar informações úteis e assegurar a recorrência na visita ao site. E que implica um conhecimento e identificação dos perfis dos clientes, que torne possível a adequação da comunicação para que seja útil no conteúdo e pertinente no seu timing.

Um outro aspecto essencial passa por assegurar que a experiência proporcionada aos utilizadores é de excelência e coerente, independentemente do ponto de entrada na interacção com as empresas. Do ponto de vista do negócio, e criando novas oportunidades para as organizações que queiram inovar e transformar os seus modelos de negócio, há uma nova realidade em que a capacidade de estabelecer e gerir ligações entre vários interlocutores na cadeia de valor permite criar produtos e serviços diferenciados sem a necessidade de integrar todos os processos, o que proporciona índices de flexibilidade sem paralelo.

Por outro lado, quais são as áreas que ainda faltam explorar ou em que se verificam maiores dificuldades?

A questão da experiência, referida anteriormente, é cada vez mais um tema essencial para as empresas porque, quer seja ao nível das empresas que vendem para outros negócios quer seja nas que falam para consumidores, os canais de comunicação digitais evoluíram de forma acelerada nestes dois anos, amadureceram na sua qualidade e eficiência e forçaram novos hábitos. Será inevitável que, mal seja possível, muitos dos hábitos de trabalho feitos presencialmente regressem, mas seria pouco avisado considerar que iremos regressar à situação anterior.

As mudanças que sentimos neste ano são profundas e irão perdurar, seja nos modelos de trabalho seja nos modelos de negócio. Transversais a todas estas mudanças, as tecnologias de informação são o tecido que as une e que lhes dá sustentação, seja na criação de sites, em soluções de mobilidade, ou na informação do comportamento e preferências dos consumidores. Conforme a conhecida citação de Bill Gates, nós sobrestimamos o impacto de uma mudança a dois anos, mas subestimamos o seu impacto numa década. Aconteceu com a Internet e irá acontecer também agora.

Há sectores mais abertos a estas novas formas de comunicação do que outros?

Todas as empresas que operam digitalmente já nascem com estes pressupostos, sejam fintech, insurteh, plataformas agregadoras de produtores de energia, comércio electrónico, entre muitos outros – já nasceram nesta nova realidade, são organizações nativas digitais. No que diz respeito a sectores, diria que, por razões evidentes, o retalho, o sector financeiro, os serviços de forma genérica, a saúde, estão todos muito permeáveis a estas novas formas de comunicação. E tudo o que sejam serviços de conveniência, seja para refeições, encomendas de produtos ou livros, roupa, etc. A conjugação das tecnologias irá permitir criar experiências até há pouco difíceis de conceber, como a experiência digital de roupa e a personalização crescente dos produtos. O one-size-fits-all é cada vez mais uma coisa do passado. Queremos cada vez mais o mesmo, mas com diferenças que o permitam identificar como nosso, seja ao nível da marca seja ao nível do próprio produto ou serviço.

Qual é o papel de uma agência de comunicação nesta transformação?

A pandemia trouxe muitas mudanças e também ao nível do consumo de informação. Os utilizadores estão mais disponíveis e interessados em receber informação que os ajude a desconstruir a crescente complexidade do mundo de hoje. Fenómenos globais, como as alterações climáticas e o seu potencial devastador, as notícias falsas e as teorias de conspiração alimentadas pela ignorância e medo criaram um enquadramento para que os meios tradicionais, a análise científica, a explicação desassombrada ganhassem espaço. E criam novas oportunidades porque tudo isto é uma realidade potenciada pelo digital.

O digital criou um novo desafio às empresas que, na sua grande maioria, ou abraçam o desafio de comunicar mais e melhor, dando-lhes mais visibilidade e notoriedade, ou soçobram na miríade de ofertas e de presenças digitais da sua concorrência. O papel das agências é, neste contexto, fundamental para uma bem-sucedida transição digital, assegurando que a marca potencia ao máximo os canais digitais à sua disposição e com o máximo de eficácia e coerência nas mensagens e abordagens. Podem ainda, e fazem-no regularmente, aconselhar a gestão na comunicação dos temas que são o core da empresa.

À agência cabe ainda a veiculação do que é o posicionamento da empresa e da(s) sua(s) marca(s) e identificar a melhor forma de chegar aos interlocutores da organização em cada momento recorrendo aos canais ao dispor, que poderão ir dos órgãos de comunicação social aos canais próprios, ao conteúdo branded ou às redes sociais. Conhecer as melhores práticas, analisar melhores abordagens, criar os conteúdos mais adequados, delinear iniciativas transversais de mudança de percepção da organização, tudo isto está dentro do âmbito das coisas que as agências de comunicação podem efectuar para os seus clientes. Mas também assegurar que as mensagens chegam aos colaboradores da organização.

Como tem sido a reacção do público a estas novas formas de comunicação?

Esta é uma questão que não pode ser analisada sem ter em perspeptiva o contexto geracional. Naturalmente que os nativos digitais irão abraçar muitas das novas modalidades de comunicação de forma mais rápida e eficiente do que os restantes e também é verdade que alguns sectores serão mais permeáveis à mudança e ao digital. O factor comodidade e a facilidade são essenciais na compreensão deste fenómeno. A forma como recebemos e gerimos a comunicação que recebemos é limitada apenas pela nossa capacidade de ler e apreender. As marcas e empresas têm de ser úteis, relevantes, e a sua informação deverá ser apresentada no timing certo aos seus clientes.

Estas novas ferramentas digitais permanecerão pós-pandemia? O que fica e o que desaparece?

Esse é um exercício de adivinhação e, como no futebol, arrisco-me a dizer que prognósticos só no fim do jogo. Há uma coisa que é evidente: o ritmo de inovação nunca foi tão grande e a possibilidade de criar e inovar juntando conhecimentos e talento das mais diversas fontes irá trazer-nos mudanças profundas na forma como fazemos tudo e também na forma como as plataformas tecnológicas nos irão proporcionar novas ferramentas personalizadas.

Ou seja, as ferramentas actuais que utilizamos, sejam redes sociais, ferramentas de comunicação e colaboração, marketing automation, social listening, etc., irão também evoluir e, de forma crescente, juntar-se para agregar valor. Por outro lado, temos também o claro exemplo dos eventos híbridos, que tiveram, durante o ano passado, um crescimento exponencial e que serão, certamente, uma tendência que se manterá para o futuro, até pelas oportunidades que criam às organizações, assim como a comodidade que representam para os seus utilizadores, fruto da evolução das tecnologias subjacentes.

É também evidente que a pressão crescente dos consumidores, da percepção da forma como os seus dados são utilizados e do seu consentimento para a utilização, da privacidade, dos próprios governos e regulação, irão forçar mudanças nesta área que podem acelerar a aceitação de novas plataformas, a evolução das actuais e a inovação.

Que outras tendências poderão surgir no pós-pandemia?

Enquanto consumidores, temos tendência a olhar para a nossa realidade actual e imaginar evoluções incrementais – uma nova funcionalidade de comunicação instantânea, plataformas de vídeo e áudio melhoradas, realidade aumentada, etc. – mas as organizações e os inovadores irão olhar para a tecnologia, perceber o espaço de criação de algo que ainda não existe e surpreender-nos. O que fica seguramente, no final de tudo isto, é o nosso insaciável apetite por tudo o que é novo, que nos permite ligar-nos uns aos outros de formas diversas, seja através da realidade aumentada, realidade virtual, ou qualquer outro meio que venha a surgir.

Texto de Filipa Almeida

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