O Luxo do Futuro

Por Rosana de Moraes, autora e mestre em Marketing, especialista em Produtos e Serviços de Luxo, directora da RM Lux Consultoria

O consumo fala muito sobre uma sociedade e também, de forma inversa, reflecte nele as mudanças sociais. Nesse contexto, o luxo, ainda que seja fundamentalmente o mesmo ao longo da história, está sempre a evoluir, renovar-se, a reinventar-se, através das marcas que o representam.

É o que acontece agora, face a tantas transformações vividas nos últimos tempos. Algumas já eram previstas e foram apenas antecipadas pela pandemia. Outras representam novidades mais profundas, relacionadas com novos posicionamentos do consumidor.­­

Em primeiro lugar, o luxo dos novos tempos é digital, com vendas que migraram fortemente para o ambiente online, num movimento que se desenhava há tempos, mas que se acelerou devido ao confinamento. Depois do salto de 50% entre 2019 e 2020, novo aumento de 27% levou o volume de transacções comerciais digitais a 62 biliões de euros em 2021. E, até 2025, o online será o principal canal do sector, segundo previsões da consultoria Bain & Co.

Porém, o luxo do futuro (e já do presente) não se mostra digital apenas no que se refere às vendas. O relacionamento entre consumidores e empresas e o próprio consumo do luxo estão a expandir-se do ambiente físico para o virtual, agora repleto de influenciadores artificiais, de avatares que representam as marcas e seus designers, que participam no atendimento ao cliente ou que o reproduzem para facilitar a experimentação de roupas. Consumidores já podem ver-se fisicamente representados em jogos, vestindo colecções das suas marcas predilectas.

Os NFTs alcançam cifras extraordinárias a reproduzir produtos icónicos ou em novas formas de arte, a conquistar novos consumidores, especialmente os homens mais jovens, ávidos por novidades e tecnologia e na mira das marcas (70% dos compradores de NFTs são homens, contra 30% no luxo tradicional, e as gerações Y e Z somarão 70% das compras globais de luxo já em 2025). Junto aos jogos online, os NFTs representarão 10% do mercado de luxo em 2030, com receita de 50 biliões de euros, segundo o banco Morgan Stanley.

Embora essa realidade possa surpreender no princípio, uma análise mais aprofundada pode dar-lhe mais sentido. É bom lembrar que o consumo de alto padrão não tem como motivações centrais os aspectos funcionais dos objectos. Nesse universo, são os valores intangíveis que comandam as escolhas e eles podem estar igualmente presentes nos NFTs que representam esses produtos: raridade, exclusividade, inovação, status, design cuidado, preços altos…

Na esteira da digitalização, até as Fashion Weeks ganharam versão inteiramente realizada no ambiente do Metaverso, com desfiles de colecções virtuais, espaços para compras de itens digitais e físicos, apresentações e instalações de marcas como Paco Rabanne, Dolce & Gabbana, Etro, Tommy Hilfiger, Dundas, Cavalli, Nicholas Kirkwood e Elie Saab.

As possibilidades do luxo no Metaverso ainda estão a ser descortinadas: as marcas tanto podem estender a experiência proporcionada aos consumidores do mundo real para o virtual ao anexar NFTs aos produtos físicos, como podem comercializar produtos puramente virtuais, além de oferecer novos serviços, como anuidades em imóveis virtuais. Podem ainda criar mecanismos que geram oportunidades de novas receitas sobre um NFT a cada revenda. Enfim, há um universo totalmente novo a ser desvendado.

Mas o novo luxo é também circular, novamente como reflexo das mudanças e demandas da sociedade. Temos consumidores mais preocupados com os impactos causados pelo seu próprio consumo e pela actuação das empresas sobre o meio ambiente (especialmente a Geração Z). Reutilizar itens já existentes pode ser uma forma de evitar novas produções, atitude especialmente relevante quando se fala da indústria da moda, uma das mais poluentes no mundo. Adicionalmente, deve-se lembrar que os produtos de luxo têm como uma das suas características principais a alta qualidade e durabilidade, o que dá ainda mais sentido à sua reutilização. Além da preocupação com o meio ambiente, os preços mais reduzidos em relação aos produtos novos são outra motivação para a compra de itens usados.

Como resultado dessas mudanças no comportamento do consumidor, o mercado de itens de luxo de segunda mão alcançou os 33 biliões de euros em 2021 e ganha importância também o aluguer de peças de vestuário, relógios e móveis, em plataformas que também actuam na sua venda, como Thred Up ou The Real Real.

De olho nessa movimentação, marcas poderosas preferem incorporar elas mesmas a tendência, ao invés de confrontá-la como potencial concorrente dos seus produtos novos. O Grupo Kering (terceiro conglomerado de luxo do mundo e detentor de marcas como Alexander McQueen e Gucci) firmou parcerias com plataformas de venda de itens usados, que incluem créditos para gastar na própria plataforma e nas lojas de suas marcas. Por sua vez, a Ralph Lauren oferece The Lauren Look, aluguer por assinatura de peças femininas, assim como já fazem as lojas de departamentos Macys e Bloomingdale’s. O estilista Jean Paul Gaultier também aluga roupas de antigas colecções e o grupo brasileiro de shopping centres Iguatemi adquiriu 23% do outlet de luxo Etiqueta Única, também brasileiro.

Regista-se aqui uma mudança expressiva no comportamento do consumidor que vai além da decisão de compra: se antes os itens usados eram adquiridos de forma discreta e até com certo constrangimento, temos agora consumidores que demonstram orgulho nessa prática, a sinalizar que abraçam a causa da sustentabilidade. Não por acaso, há boutiques de bens de segunda mão a fazer o caminho inverso ao da digitalização: ampliar sua actuação do mundo virtual para o mundo real. É o caso do Gringa, site brasileiro de itens usados de luxo que agora tem loja física num shopping center de alto padrão e grande movimento. Nada mais do que compras de usados às escondidas.

O luxo do futuro também é sustentável (não só através da economia circular). As mudanças estão também no conceito e em toda a cadeia de produção dos bens e serviços comercializados: carros mais verdes, hotéis a gerir melhor resíduos e água, joalharias a utilizar crescentemente ouro e gemas rastreáveis ou diamantes cultivados, moda a utilizar matérias-primas mais ecológicas, marcas de diversos segmentos a utilizar a blockchain para atestar a origem dos seus materiais.

Finalmente, o luxo do futuro é também engajado. Consumidores mais conscientes da sua importância vêm exigindo posicionamentos mais efectivos das marcas e preferindo aquelas cujos propósitos se alinhem aos seus próprios. Exigem das empresas de luxo a expansão de sua missão na direcção do fomento ao crescimento económico, do desenvolvimento cultural e do progresso social. Em resumo, eles preferem empresas movidas por valores maiores, que superem a disponibilização de produtos e serviços de excelência. Os propósitos valorizados podem ser diversos: responsabilidade socioambiental, pluralidade e inclusão, respeito aos animais, equidade…

As marcas estão a ouvir esses recados e a implementar mudanças como banir testes em animais na indústria de cosméticos, excluir peles naturais nas colecções de marcas e também nos espaços editoriais e publicitários de alguns veículos de comunicação de alto padrão, exigir comportamentos éticos dos fornecedores de materiais pelas empresas, procurar alternativas a ingredientes que penalizam os animais na alta gastronomia, entre outras. É possível também ver o esforço de marcas por acolher a diversidade, seja de género, de raça, de padrões físicos menos tradicionais.

O movimento já vê a contrapartida do mercado, com resultados como o crescimento das vendas de joias e relógios sem género. E a segmentação de mercado pelas marcas baseada em preços mostra-se menos relevante, com a oferta de itens de várias faixas para responder a diferentes grupos e necessidades de clientes.

Digital, como exige o momento. Circular, sustentável e engajado, como exige o consumidor – e o bom senso. Marcas tradicionais a buscar a adaptação e a renovação.

Que se faça o luxo dos novos tempos. O futuro se constrói todos os dias!

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