O Impacto da Criatividade no Negócio com a APAP

Por Clube de Criativos de Portugal

Fotografias de Francisco Melim

A APAP tem vindo a estimular a conversa sobre como melhorar o produto criativo e qual o impacto que isso pode ter no negócio – um factor que é importante tanto para as equipas de marketing como para as equipas criativas. A importância da criatividade a favor do negócio foi o ponto de partida de mais uma Tertúlia CCP Trabalho e Conhaque em parceria com a APAP, no âmbito do 25º Festival CCP, que juntou marketeers e profissionais de agências.

Toda a gente gosta de uma boa história

Após a introdução feita pela Presidente do CCP, Susana Albuquerque, e por António Roquette, Presidente da APAP – onde foi frisada a importância desta conversa, que agregou anunciantes e agências motivados por tornar o mercado melhor e mais sólido – iniciou-se a apresentação da oradora convidada Filipa Appleton, à data Global Head of Brand & Marketing da Galp. Antes de partir para a análise sobre o impacto que a criatividade pode ter no negócio, Filipa Appleton salientou que, antes de mais, as empresas têm que ser transparentes e honestas, «aquilo que fazem deve ser efectivamente aquilo que dizem que fazem, e aquilo que dizem tem que ser efectivamente aquilo que fazem». Reforçou também a importância da análise do propósito e da individualidade de cada marca, que se traduz tanto na sua relação com o consumidor como no impacto do negócio, sobretudo em sectores de actividade onde é difícil que haja diferenciação entre marcas.

Para que a criatividade traga valor acrescentado ao negócio, Filipa Appleton considera importante juntar dois ingredientes: transparência e propósito, «escolher caminhos que possam ser proprietários e que não possam ser apropriados por outras marcas». Aliado a isso, acrescenta: «Toda a gente gosta de uma boa história.»

Segue-se a análise de três projectos diferentes: dois deles onde a criatividade actuou positivamente em prol do negócio, trazendo-lhe valor acrescentado, e outro que teve o efeito contrário.

O primeiro é a campanha “Pensar Fora do Carro” da Galp, um de 45 segundos desenvolvido com o objectivo de reforçar o posicionamento da marca além dos combustíveis fósseis. O segundo, a história da alface do Lidl. “Vive como se fosse uma
alface do Lidl” foi uma campanha desenvolvida pela marca de retalho, com o propósito de se posicionar como um supermercado forte em frescos . O brieing focou-se na reposição diária como o elemento diferenciador da marca, e foi esse o gancho para esta campanha.

Nestes dois cases verificou-se que a criatividade teve um impacto muito positivo no negócio. Na Galp, o grande desafio passou por posicionar a marca num novo território, o da electricidade e da mobilidade eléctrica, e conseguir comunicar tudo isso «de forma a que as pessoas conversassem sobre isso em casa ou com um amigo». O uso do humor aproxima as pessoas, foi uma das conclusões da oradora, e isso conseguiu-se colocando uma família a movimentar-se entre os vários décors na posição dos lugares do carro, para passar a ideia de «pôr as pessoas a pensar fora do carro». O sucesso da campanha reflectiu-se na subida de vários indicadores. No caso do Lidl, a Alface foi uma campanha arriscada e «completamente diferente de tudo o que mercado tinha feito», ao propor falar de frescos com um surfista em alto mar a gritar “eu sou uma alface do Lidl” – uma expressão que acabou por se tornar numa frase motivacional e integrar o léxico do País. Também pautada pelo humor, a campanha não só fez aumentar a venda de alfaces e de frescos, como «criou uma comunidade de fãs e de pessoas que gostam e confiam no Lidl, não só pelo que dizem, mas pelo que fazem em loja». Complementa: «A criatividade é tão importante, mas ao serviço do negócio. Não pode ser overpromising.»

Filipa Appleton prossegue com um exemplo onde a criatividade não esteve ao serviço do negócio, com uma campanha que não chegou a estar no ar 24 horas. Através da ironia e humor, o anúncio queria mostrar que o factor diferencial da carne do Lidl era o seu rastreamento desde a origem. A resposta ao briefing foi de novo arriscada mas, desta vez, não foi bem recebida pelo público: «O risco tanto pode correr muito bem, como muito mal.» Mas Filipa refere também que por vezes é no que correu mal que se aprende mais e onde as equipas são desafiadas a reagir e a dar a volta.

«Quando o consumidor acha que isto é mau e é ofensivo, se calhar fui eu que não medi exactamente a consequência. Não há respostas certas, o arriscar faz parte, o errar faz parte», remata. Em tom de conclusão, acrescenta: «É no arriscar em contar boas histórias e em contar histórias diferentes que o nosso trabalho é tão bom.»

Mesa redonda: tem início a conversa

A apresentação foi bem acolhida pela plateia de profissionais da indústria, que ocupou o restaurante A Praça do Hub Criativo do Beato, em Lisboa. À oradora convidada, juntaram-se Alberto Rui Pereira, Vice-presidente da APAP e CEO da IPG  Mediabrands, Nuno Cardoso, Fundador e Director Criativo da NOSSA, e Paula Lopes, Vogal da Direcção da APAP e responsável pelas agências criativas do Grupo Publicis em Portugal. A mesa redonda foi moderada por Anselmo Crespo, Director de Novos Conteúdos na CNN Portugal, que introduziu algumas questões, seguindo-se a apresentação de três cases trazidos pelos convidados.

O debate arranca com algumas questões do moderador: As empresas valorizam a criatividade? Quais são as métricas utilizadas para calcular o impacto de uma ideia? As marcas sabem o que procuram?

Filipa Appleton frisa a importância de se analisar caso-a-caso, pois as empresas têm posições muito diferentes em diferentes mercados. No entanto, é evidente que «o budget do marketing é dos mais fáceis de cortar, porque nem sempre é mensurável a mais-valia de uma campanha». Reforça também que é necessário ter coerência, resiliência e paciência para ver resultados, assim como é importante ter sensibilidade para questões que não são directamente mensuráveis, tais como a reputação, a confiança ou o goodwill.

Para Alberto Rui Pereira, a publicidade deve ser vista como um investimento e não como um custo. «Não é expectável que um investimento gere resultados de curto prazo, mas sim de médio/longo prazo. É preciso investir para medir. As marcas sabem o que andam a fazer se andarem a medir o que andam a fazer.» Reforça também que em épocas onde os orçamentos estão apertados e os ciclos económicos são mais complexos, antes de se desinvestir em publicidade, tendencialmente corta-se na investigação e nos estudos de mercado.

Paula Lopes acrescenta a necessidade de haver um objectivo claro para cada campanha pois «se tivermos bem claro o objectivo é mais fácil perceber se ele foi cumprido ou não». Também ter um bom briefing por parte da marca é fundamental para que a equipa criativa responda da melhor forma possível, sendo que «pode haver indicações a apontar numa direcção e a marca precisar de algo na outra direcção».

Nuno Cardoso reintroduz o tema do risco, referindo que Portugal ainda é um País muito conservador e avesso ao risco, com medo do ridículo. Para a criatividade impactar o negócio é necessário arriscar. «Dificilmente uma campanha que quer ser disruptiva não pisa o risco.» Alberto Rui Pereira, no seguimento e em concordância com o Director Criativo da NOSSA, traz mais um case para cima da mesa. A campanha “True Name” da Mastercard, criada para dar a possibilidade às comunidades trans e não binárias de usarem um nome próprio à sua escolha no seu cartão de crédito, foi um exemplo onde a criatividade fortaleceu a marca. Pegando na premissa de que os cartões de crédito devem permitir fazer pagamentos de forma segura, a campanha afirma que a segurança vai para lá da protecção financeira, ela deve defender a integridade do portador: “If you’re transgender, a secure payment means paying for something without being judge”. Lançada durante a presidência de Trump, em 2020, esta foi uma campanha que o CEO da IPG Mediabrands considera muito arriscada, «criou um buzz enorme, o sentimento positivo pela marca triplicou e inovaram o segmento». E conclui: «Os produtos mais inovadores têm um maior grau de risco. É preciso arriscar.»

Antes da abertura do debate para toda a plateia, seguiu-se a projecção de mais dois cases, introduzidos pelos restantes convidados. Paula Lopes trouxe a campanha “Missing Chapter” da Whisper, que parte do tabu da menstruação na Índia e o impacto que isso tem na desistência de raparigas adolescentes da escola – um assunto que não é ensinado nas aulas e que é silenciado pela sociedade. Este case, como a CEO da Publicis refere, «é um exemplo para pensar do ponto de vista do propósito e impacto que a criatividade pode ter numa marca quando, de facto, ela tem propriedade para falar sobre um assunto». Pegando num grupo de jovens raparigas rebeldes que começa a espalhar em segredo pela escola o capítulo vermelho que falta nos seus livros escolares, este é um caso bem sucedido onde a marca percepcionou o seu espaço de actuação para «resolver um problema ou contribuir para falar de um problema que existe na sociedade de alguma forma». Sob o slogan “Keep girls in school”, por cada pack de três produtos whisper, uma rapariga indiana obteria educação menstrual e produtos de higiene, aliando assim o negócio a uma causa maior.

Acerca da associação de uma marca a uma causa, Filipa Appleton acrescenta que é importante as empresas e as marcas não se demitirem do impacto que têm no quotidiano: «Se temos objectivos comerciais, não nos podemos demitir do impacto que temos na vida das pessoas.» A criatividade aqui é também fundamental para dar esse passo extra e aliar a marca a todo o contexto social e responsabilidade que daí advém. O moderador Anselmo Crespo intervém com uma questão: Qual é o espaço de oportunidade para uma marca se diferenciar ou como consegue criar esse espaço? «A marca tem de ter legitimidade e propriedade para falar, e não deve ter medo», conclui a à data directora de marca e marketing da Galp.

Com uma dimensão mais pequena, Nuno Cardoso trouxe o último case para a discussão: a campanha do Dott “Cu de Judas”. Tendo sido desenvolvida pela sua agência, a NOSSA, fala aqui na primeira pessoa deste projecto que esteve dois anos na gaveta e que considera um caso bem sucedido. O marketplace Dott foi criado pelos CTT e Sonae, pertencendo actualmente à Worten. Com esta campanha, pretendia-se mostrar que as entregas eram feitas para qualquer lado, incluindo para o Cu de Judas. Esta expressão da linguagem portuguesa, que significa que algo está muito distante, é também o nome de uma localidade nos Açores, até então desconhecida, e este foi o gancho para a campanha: voltar a pôr o Cu de Judas no mapa, com placa e atribuição de código postal, e fazer a primeira entrega naquela localidade com a Dott. Apesar do investimento financeiro ser muito baixo, foi possível ter muitos bons resultados através da criatividade.

Tem a palavra o público

Após o debate assegurado pelos convidados e pelo moderador, a conversa estendeu-se para a plateia.

Protagonismo do risco face à marca

Rodrigo Freixo, CEO da VML Y&R Portugal, introduz a primeira questão, dirigindo-se ao último case apresentado: Quando é que a vontade de arriscar se sobrepõe à comunicação da marca em si?

Nuno Cardoso reforça que o objectivo principal da campanha foi ganhar notoriedade: «Ninguém conhecia o Dott e, de repente, como o Cu de Judas ficou no mapa, também o Dott ficou no mapa mental das pessoas.» Compara também esta questão com o uso de figuras públicas para a promoção de marcas: «Até que ponto uma figura pública não ofusca uma marca? É sempre um trade-off difícil de avaliar à partida.» Conclui que é o risco e o dramatismo que hoje em dia geram audiência, clicks, e gera impacto. «Nós lembramo-nos das campanhas que são muito boas e das que são muito más. Tudo o que fica no meio, indiferenciado, é completamente irrelevante.»

Só vencem as campanhas que arriscam

O Director da Unidade de Patrocínios da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Nuno Pires, concorda com a necessidade de arriscar mais e de que o conservadorismo é notório nos departamentos de marketing e de comunicação. «Só vencem as campanhas que são arriscadas, mas arriscar num país com uma dimensão tão pequena e com pouco investimento para a investigação e desenvolvimento é extremamente difícil.» Frisa a importância de investir no know how em publicidade e lança mais questões para o debate: Como combatemos este conservadorismo a não ser com o lançamento de campanhas totalmente disruptivas? Como se convence as pessoas a arriscar?

Filipa Appleton, reforça a importância de utilizar formas de mitigar a sensação de precipício e de tornar o trabalho mais profissional. Da parte dos clientes, é necessário investir em bons briefings, em boas análises de consumidor e análises de empresa. Sublinha também que «o risco, a piada e o humor têm que servir um propósito. Não ser a piada pela piada, ou o  risco pelo risco». O risco não é tão grande quando se está a responder a um bom briefing.

Rodrigo Freixo volta a intervir, acrescentando que o risco deve ser assumido em parceria e que são necessárias mais equipas de trabalho conjunto entre os clientes e as agências.

A criatividade pode fazer milagres

Graça Magalhães, Client Services Director da Wunderman Thompson Lisboa, refere que «falar do risco é também falar da coragem de persistir na construção e estratégia de uma marca, e não ficar refém das redes sociais». Uma das coisas que considera aflitiva são as decisões de curto prazo, pois podem comprometer a estratégia das marcas no longo prazo, e reforça
que é preciso ser corajoso para dar tempo. «Correr riscos significa também tentar fazer o que ainda não foi feito. O que ainda não foi feito, ainda não foi medido, e é preciso às vezes saltar no escuro.»

Concorda com Filipa Appleton, na medida em que o risco é menor «quando as marcas estão bem construídas, têm um ADN de verdade e comunicam aquilo que são». Garante ainda que a criatividade faz milagres, mas que «não há milagres que existam permanentemente sem uma estratégia bem delineada e corajosa na vontade de persistir».

Tiago Simões, Director de Marketing do Continente, complementa a perspectiva de Graça Magalhães: «Para quem decide campanhas, todas são um risco. Nunca se sabe o que vai acontecer.» E traz o exemplo da Vodafone, enquanto marca que tem arriscado nos últimos anos ao tocar em temas fraturantes, demonstrando criatividade, coragem e a capacidade de ser arrojada.

Joana Alfieri, Senior Brand Manager da Vodafone, reforça que, neste tipo de campanhas, quando se aborda temas tão sensíveis, há sempre a hipótese de ter o efeito contrário àquele pretendido. É necessário «estar muito bem preparado para responder a qualquer eventualidade», conclui.

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