O futuro chegou: Continente abre loja sem caixas de pagamento

Vai ser possível, a partir de hoje, em Portugal, fazer compras numa loja sem registo de produtos ou pontos de pagamento. No centro de Lisboa (mais concretamente na Rua D. Filipa de Vilhena, junto ao Jardim do Arco do Cego) abre o Continente Labs, uma loja que recorre a tecnologia de machine vision da startup portuguesa Sensei para evitar filas, caixas ou qualquer registo/scan de produtos. Basta pegar e levar.

O espaço está equipado com 230 câmaras e 400 sensores que associam os produtos recolhidos (e devolvidos) das prateleiras por cada cliente, criando carrinhos de compras virtuais. O pagamento é processado automaticamente através do cartão associado.

Aberta diariamente das 12h00 às 21h00, a nova loja tem uma área de venda de 150m2. Para entrar, é necessário descarregar a app Continente Labs (disponível para Android e iOS) e ser utilizador da app Cartão Continente com Continente Pay e factura electrónica activos. À entrada, basta passar o código QR gerado pela app Continente Labs no leitor, recolher das prateleiras os produtos que quiser – em sacos, nos bolsos ou na mão – e sair. O telemóvel encarrega-se do pagamento e a factura fica disponível posteriormente na app.

A loja Continente Labs disponibiliza uma gama constituída por mais de mil produtos, incluindo frescos como frutas e legumes, carne e peixe.

Acompanhe a conversa da Marketeer com Frederico Santos, director de Inovação e Transformação Digital da Sonae MC, sobre esta nova aposta do Continente.

Quando começaram a trabalhar com a Sensei nesta loja?

Temos uma parceria com a Sensei há dois anos. A decisão de abrir a loja, a procura de loja, as obras e por aí fora levaram dois anos. A Sensei está a desenvolver a tecnologia há quatro ou cinco anos. É um processo moroso.

Em que consiste o Continente Labs?

O Continente Labs é uma loja, mas também um laboratório. A ideia é ser um local onde os nossos clientes obviamente podem suprir as necessidades de consumo diárias que têm, mas ao mesmo tempo em que possamos expor a esses clientes um conjunto de evoluções à experiência de compra e perceber se esses clientes sentem, de facto, esse impacto positivos, se gostam, se não gostam, que sugestões têm para nos fazer evoluir. É um laboratório de evolução da experiência de compra do cliente. Naturalmente, nesta primeira fase, aquilo que se destaca é o facto de ser a primeira loja de uma marca europeia sem caixas. Não tem, de facto, qualquer processo de check-out.

labsOs clientes quando chegam têm de ter a app instalada?

É uma loja que exige um registo prévio ao cliente. Porque exactamente por não ter caixas, temos de saber como é que cobramos a compra. Temos de saber como é que emitimos a factura que é obrigatória. Para isso o cliente faz um registo prévio. Já agora, saliento que muitos clientes já o têm porque é o mesmo da app do Cartão Continente, que já pode ser usada em todas as nossas lojas. Na aplicação do Continente já temos o Continente Pay (que permite associar cartões de débito ou de crédito) e a factura electrónica que podem ser usados em todas as lojas. Para os clientes que já tiverem essas duas coisas configuradas na aplicação do Cartão já não há nada a fazer além de baixar a aplicação nova (que é específica para esta loja), introduzir o número de telefone que já têm na aplicação do cartão e está feito. Esta app utiliza a mesma base da app do Cartão Continente. Vamos usar essa informação para deixar o cliente entrar. Existe esse pré-requisito de registo porque de outra forma não conseguimos cobrar as compras ao cliente.

O cliente pode entrar acompanhado?

Sim. Utiliza a aplicação para fazer o scan e deixa entrar a pessoa que vem com ele. Depois faz scan outra vez e entra. Tudo aquilo que aquelas duas pessoas tirarem vai ser pago pela pessoa que tem o registo na aplicação que foi usada. Mas isso está explicado quando se instala a aplicação. Explica-se também que não devem tirar um artigo da prateleira e dá-lo a outra pessoa porque ao tirá-lo da prateleira ele fica no carrinho de quem o retira da prateleira e não no carrinho da outra pessoa. Se alguém me pedir ajuda para retirar um artigo, não convém ajudar… porque na prática está-se a oferecer o produto à pessoa.

Depois de abrir a aplicação e de passar com o QR Code no scan, o torniquete de entrada abre-se e entra na loja. A partir daí não precisa mais do telefone que pode até ficar sem bateria. O cliente recolhe os artigos da prateleira, se mudar de ideias devolve artigos à prateleira (que a app retira-os do carrinho, não tendo de ser obrigatoriamente devolvido na mesma prateleira), pode retirar bebidas quentes (que são adicionadas ao carrinho). Mas se precisar de bebidas alcoólicas tem de pedir ajuda a um colaborador porque estão fechadas – o controlo de vendas a menores de idade ou outras pessoas que não podem consumir é, normalmente, feito nas caixas – e este, com um comando, desbloqueia as portas.

Depois de retirar todos os artigos desejados a única coisa que o cliente tem de fazer é ir-se embora. Não tem de parar em lado nenhum, não tem de mostrar o telefone. Nada. É ir embora. Há um torniquete para sair, que abre por aproximação e só lá está para que as pessoas não entrem por lá. Porque se não, nem precisávamos dela, na realidade.

Quantos colaboradores há em loja?

A loja terá uma equipa de seis pessoas mais o segurança, numa fase inicial. Nesta fase para suportar os clientes no processo de configuração poderá haver um elemento extra.

labsQue critérios foram tidos em conta para definir o sortido da loja?

Obviamente que queremos que a loja seja um Continente em ponto pequeno. Portanto tem uma variedade que nos parece razoável para o espaço em causa. Naturalmente que – por ser uma loja sem caixas e a localização em que está apela a isso – temos algum reforço nas componentes de take away, de bebidas refrigeradas, bebidas quentes. Estas coisas aparecem porque temos a expectativa de que a loja venha a ser utilizada pelos clientes de uma forma ligeiramente diferente daquela que utilizam as lojas normais. Se me apetecer uma água, em vez de ir ao café buscar, venho aqui, pego nela e saio mais depressa do que em qualquer supermercado ou café porque não há aquela fase final do pagamento. É entrar, pegar na garrafa e sair. Posso levar, literalmente, sete segundos a entrar e sair da loja.

Quem esperam que sejam os clientes?

Temos a ambição de que sejam todos. Ou seja, pessoas com diferentes tipos de necessidade, diferentes perfis, diferentes idades. Naturalmente sabemos que as pessoas que estão mais à vontade com a tecnologia, que são mais maduras com a utilização de tecnologia estarão mais à vontade para utilizar a loja, tendencialmente isso coincide com serem pessoas mais novas. Além disso temos aqui perto o Instituto Superior Técnico com uma massa de estudantes, temos muitos escritórios com muitos profissionais e acreditamos que essas pessoas vão utilizar a loja para as compras rápidas ao final do dia para complementar algumas coisas que lhes falta em casa.

O nosso verdadeiro desafio são as pessoas que residem aqui à volta, nomeadamente pessoas de mais idade.

Porquê?

Parece-me que passado aquele processo inicial de set-up que é necessário (com o Continente Pay e a factura electrónica) é provavelmente para essas pessoas que esta loja tem um conceito de maior valor acrescentado porque é realmente muito simples. As pessoas muitas vezes trazem já o seu carrinho ou saco, arrumam directamente os produtos sem terem de ir à caixa e colocar no tapete para voltar a arrumar. Trago um carrinho de casa, ponho os artigos logo arrumados e vou-me embora. Isso é uma conveniência que não existe hoje em dia.

Vai existir mais alguma loja com este conceito ou funcionará como laboratório?

Não temos qualquer plano, neste momento, para replicar. O nosso plano é que esta mesma loja daqui a três meses seja diferente do que é hoje, daqui a seis seja diferente do que será daqui a três, daqui a nove seja diferente e por aí fora. Ela tem que evoluir. Há muitas coisas que vemos nesta loja que já estamos a trabalhar com a própria Sensei para evoluir e tornar ainda mais útil e mais simples de utilizar para os nossos clientes. O plano é esse: aprender muito. Quando começarmos a chegar a um ponto em que sentimos que a adesão e a reacção dos clientes à tecnologia, juntamente com o ponto de maturidade da própria tecnologia na sua evolução (até para compatibilizar com outras experiências) se equilibram e nos fizer sentido, podemos tomar decisões no sentido de abrir outras lojas desta dimensão neste estilo ou compatibilizar a tecnologia com as nossas lojas maiores do que esta (se calhar não vamos logo para supermercados) e ter a mesma tecnologia num Continente Bom Dia. Essas opções estão todas em aberto e só vamos aprender à medida a que virmos como é que isto vai evoluir.

Qual é o investimento feito nesta loja?

O investimento global nesta loja, desde obra, equipamento, tempo das pessoas que cá trabalharam e obviamente a tecnologia, ultrapassou já um milhão de euros.

Isso comparado com uma loja normal é muito mais?

É bastante mais. Não é quatro vezes por metro quadrado. É um investimento incremental, mas não é tão grande que seja incomportável imaginar um cenário em que conseguimos por isto de forma mais standard noutras lojas. Até porque depois há a escala, os custos da tecnologia tendem a diminuir, a própria quantidade e densidade da tecnologia, com a aprendizagem que fazemos nesta loja pode vir a diminuir. Se calhar em vez das 230 câmaras que temos podemos passar a ter 170, em vez de ter 400 sensores de prateleira podem ter menos… tudo isso vai fazendo com que seja mais enquadrável e comprável com uma loja normal. Mas sem dúvida que é um custo incremental que não existe numa loja normal e que é muito superior ao custo de ter caixas.

Não estamos focados no tema do custo, neste momento, mas sim no tema da experiência do cliente. Esse é que é o ponto. Os clientes podem-nos dizer que não estão confortáveis com isto, que não gostam, que ficam desconfortáveis por não saber se vão sair de uma loja a pagar por um artigo que não levaram.

Abre esta tarde ao público. E a partir daí é começar a analisar dados?

Mais ou menos. Os dados a que nós, Continente, temos acesso são os mesmos que já temos noutra loja: quando é que o cliente entrou, quando é que saiu, que produtos comprou. Temos uma muralha de dados entre nós e a Sensei até para protecção da confidencialidade do cliente. Temos contratos para garantir que nem a Sensei sabe quem é o cliente, nem nós temos acesso ao comportamento das pessoas que a Sensei não sabe quem são.

O que o Continente sabe é existe uma pessoa que disse que se chamava X (pode-se chamar ou não), que tem acesso ao número de telefone 9zzzzzzzz, que adicionou o cartão de crédito 123456789 e que tem o nif 999999999 (que espera-se que seja dela). Depois sabemos o comportamento transaccional, ou seja, entrou, saiu e levou os artigos W, Y e Z. A Sensei o que sabe é que houve uma pessoa que entrou na loja e pode saber o trajecto que fez e as indecisões que teve. Não utiliza reconhecimento facial, todas as imagens que são gravadas para efeitos de suporte a cliente durante 15 dias são desfocadas na cara. Todo o sistema foi desenhado para garantir a confidencialidade dos dados do cliente. Nem nós nem eles, por processo e contratualmente, temos acesso a esse tipo de informação.

Veja aqui como é a experiência em loja.

E conheça o processo de construção do Continente Labs.

Texto de Maria João Lima

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