O embaraço de comprar roupa em segunda mão
Por Susana Costa e Silva, docente da Católica Porto Business School
A indústria conhecida como fast fashion é normalmente caracterizada pela existência de produtos de baixa qualidade, com colecções lançadas de forma frequente acompanhando as últimas tendências da moda, com design apelativo e cujo o preço é relativamente baixo. A maior crítica endereçada a esta indústria, e que tem começado a ser considerada com veemência por parte dos produtores, tem a ver com as preocupações ambientais. De acordo com a Greenpeace, a produção de uma t-shirt é responsável pelo consumo de 2700 litros de água, podendo a produção de uns jeans chegar a gastar 10 mil litros. Num ranking de países com roupas por usar nos guarda-roupas, segundo a Vogue, Portugal está no 11.º lugar, com uma cultura de tratar roupas usadas como lixo. Aparentemente, Portugal lança para o lixo todos os anos mais de 200 mil toneladas de produtos têxteis.
Face a estas preocupações, muitos consumidores vêm procurando soluções baseadas na economia circular, onde se insere o mercado dos produtos de moda de 2.ª mão. Este mercado era, até há relativamente pouco tempo, realizado unicamente no âmbito de feiras locais como o flea martket e as suas vendas eram sobretudo realizadas consumidor-a-consumidor, quer no mercado físico quer no mercado online. No online, tínhamos ainda os receios acrescidos da ausência de toque, da fraude associada aos meios de pagamento, envio sem o respectivo recebimento (e vice-versa), do risco associado a receber um produto em piores condições do que o indicado, num tamanho ou cor diferentes, etc. Mas também havia o risco associado à devolução, ou outras condições relacionadas com a logística e distribuição. Porém, apesar dos riscos associados a esta forma de comércio, nomeadamente através dos canais digitais, parece não restar dúvida de que a tendência da compra de produtos em 2.ª mão veio para ficar, com o aparecimento de plataformas que surgiram neste mercado, intermediando a relação directa entre compradores e vendedores.
Assim, apesar desta ligação directa continuar a existir, a verdade é que a procura cresceu maioritariamente com novos players que se instalaram na indústria intermediando agora a relação entre quem compra e vende. Com plataformas como o marketplace do Facebook, a Thread Up e a Vinted (o primeiro unicórnio lituano, nascido em 2018), o mercado de retalho de moda em 2.ª mão continua a crescer e assim deverá continuar nos próximos anos, havendo estimativas que o posicionam em mais de 50 mil milhões de euros já no próximo ano.
Todavia, para que estas expectativas se concretizem, ainda há um longo caminho a percorrer e muito passará sem dúvida por esforços conjuntos de empresas e governos no sentido de alterar o actual mindset dos consumidores. Será necessário, antes de mais, compreender o que leva os consumidores a optar por produtos em 2.ª mão,« e o que os impede de avançarem, pelo menos para já, com esta opção. Um dos aspectos que maior obstáculo parece levantar é a falta de experiência em relação a este tipo de compra. De facto, vemos muitos jovens já experientes, mas fora desse grupo etário, a história é outra… Num estudo conduzido em Portugal em 2020, e publicado em 2021, no International Journal of Retail and Distribution Management, Portugal apresentou-se como um país onde assumir que as roupas adquiridas já pertenceram a outras pessoas é um dos principais obstáculos à compra destes produtos.
Paralelamente, questões higiénicas e a apresentação dos produtos no espaço (no caso das lojas físicas) também se apresentam como factores contra, sendo ainda de destacar o embaraço social que se afigura como um dos maiores entraves: os portugueses não só não gostam de saber que estão a comprar um produto que já foi usado por outra pessoa (ainda por cima desconhecida, dado que nalguns contextos – no máximo – admite-se a passagem de roupa entre irmãos ou entre primos), como morrem de vergonha de serem vistos numa loja de produtos de 2.ª mão, sobretudo numa loja física.
Os casos de lojas físicas mais conhecidas em Portugal são as lojas “Humana”, que contam já com 15 unidades em Lisboa e Porto. Claro que a procura por um bom negócio, uma peça única, um artigo vintage, uma raridade que assenta perfeitamente e faz brilhar, ou uma bagatela como um casaco de pele da Timberland por 30 euros ou uma sweatshirt da Hollister por 5 euros, continuam a ser as principais motivações para a compra, segundo os mais habitués. Mas o preço ou as motivações económicas jamais serão evocadas por quem ainda faz do embaraço um travão à procura pelas opções mais sustentáveis, num planeta que precisaria actualmente de 1,7 vezes mais recursos para ser capaz de regenerar aquilo que consumimos.
Enquanto continuarmos vergados ao embaraço, caminhamos alegremente a achar que as alterações climáticas são coisas para os cientistas resolverem e que não há nada sobre isso que possamos fazer.