«O desafio é encontrar um equilíbrio entre automatização e humanidade»
Conceitos como marketing analytics ou Big Data já não são estranhos, mas poderão ser aplicados a todo o tipo de áreas de actividade? No caso no marketing, os dados podem ser aliados cruciais na identificação de tendências e na análise de resultados. Já na publicidade, constituem uma ferramenta útil para criar estratégias úteis e personalizadas, tal como explica Chiara Biasi, directora de Marketing da Le Wagon Portugal – escola especializada em formação nos ramos da programação e data science.
De acordo com a responsável, em entrevista à Marketeer, a aplicação deste tipo de soluções implica, porém, competências que antes não eram necessárias numa equipa de comunicação. Upskilling será, por isso, palavra a manter em mente, mas não só. «Em relação ao caminho que Portugal deve percorrer na digitalização, acredito que recapacitar os próprios funcionários, importar talento estrangeiro com maior know-how e repensar a estrutura e cooperação interna dos departamentos de empresas e agências é meio caminho andado para ajudar o ecossistema português a competir com outros países», frisa Chiara Biasi.
A directora de Marketing explica ainda como é necessário encontrar um equilíbrio entre automatização e humanidade, para que profissionais de carne e osso e robôs possam trabalhar lado a lado sem atropelos. «As máquinas ajudam a analisar e prever cenários, bem como optimizar comunicações», lembra, acrescentando, porém, que a viralidade das campanhas de sucesso tem por base a espontaneidade e a humanidade. Por isso mesmo, fica a dúvida: «Será que as máquinas podem impor limites à criatividade?»
Como podem os conceitos de analytics e Big Data ser aplicados à comunicação e à publicidade?
O uso e interpretação de Big Data para a comunicação e publicidade, diria eu, tem um impacto, principalmente, na criação de estratégias eficientes mas, sobretudo, personalizadas, uma exigência que já se tornou imprescindível – 71% dos consumidores espera que as empresas proporcionem interacções personalizadas e 76% fica frustrado quando isto não acontece (McKinsey, 2021).
Se há matéria-prima abundante são os dados. Com uma dinâmica de interacções quase exclusivamente online, a quantidade de dados gerada actualmente é imensa: mais de 2,5 exabytes são criados diariamente, um número que tem vindo a duplicar de 3 em 3 anos desde os anos 80.
E o que podemos fazer com esta quantidade de informação? Sem dúvida, há vários âmbitos e aplicações. Desde a segmentação comportamental, combinar o melhor produto ou oferta com um determinado segmento, até construir modelos de previsão da procura para reter clientes e evitar abandonos no longo prazo.
Quem somos, como funcionaremos e como cresceremos são alguns dos objectivos que a análise, interpretação e previsão dos dados nos ajudam a alcançar. Toda a informação recolhida ajuda-nos a adaptar as campanhas de modo a serem consistentes com o comportamento e hábito das audiências e clientes. Acredito que a combinação de uma definição clara de objectivos e do alinhamento da estratégia global das marcas e empresas são a chave para uma boa aplicação de ciência de dados ao mundo do marketing e da comunicação.
Em que fase de adopção estão estas tecnologias em Portugal? Há sectores com maior abertura ou que poderão beneficiar mais de um investimento nestas áreas?
Acredito que ainda estamos na fase inicial deste processo em Portugal. No meu trabalho na Le Wagon, como directora de Marketing, e na relação que estabeleço com o tecido empresarial que quer apostar no nosso talento tech, tenho observado que poucas empresas têm departamentos estruturados de data science. Em relação a este fenémeno, surge uma grande quantidade de empresas de consultoria de diferente escala, desde a Capgemini Engineering até à Dare Data, que prestam serviços neste campo a outras empresas e marcas.
O benefício é claro e aplicável a todo o tipo de negócio. Mais do que apenas sectores com mais ou menos abertura à aplicação de ciência de dados ao marketing, penso que seja importante falarmos em tamanhos e estruturas de negócios. Implementar campanhas guiadas por analytics e Big Data é de certeza um instrumento rápido e eficaz, principalmente para startups e PMEs. Ao começar com uma boa infra-estrutura de dados, existe uma clara vantagem competitiva.
Em relação ao caminho que Portugal deve percorrer na digitalização, acredito que recapacitar os próprios funcionários, importar talento estrangeiro com maior know-how e repensar a estrutura e cooperação interna dos departamentos de empresas e agências é meio caminho andado para ajudar o ecossistema português a competir com outros países.
Quais são os resultados/benefícios deste investimento?
Diria que a keyword a nível de benefícios é optimização. Num mundo quase exclusivamente digitalizado, excluir a componente data science de um departamento de marketing é uma decisão dispendiosa. Apesar dos elevados custos de formação e implementação, os benefícios ultrapassam rapidamente os impasses iniciais.
Se numa visão de receita a utilização das ciências de dados ajuda a maximizar a quantidade de oportunidades comerciais, numa visão de marketing utilizar algoritmos específicos de machine learning ajuda a determinar tanto o valor potencial de cada grupo de clientes, como quais são os produtos que mais lhes atraem. Deste modo, é possível dar logo uma nova direcção à estratégia de conteúdo, escolha de canais, e ao direccionamento de campanhas orgânicas e paid.
Por outro lado, há riscos a ter em consideração? As “máquinas” podem errar?
Na minha opinião, o desafio principal está em encontrar um equilíbrio entre automatização e humanidade. As máquinas ajudam a analisar e prever cenários, bem como optimizar comunicações, copies e visuais para novas estratégias. Mas se a viralidade de campanhas de sucesso vem da sua espontaneidade e humanidade, surge uma dúvida: será que as máquinas podem impor limites à criatividade?
A análise de dados deveria ser uma componente potenciadora e não limitadora do marketing, este é o mindset que tenho observado nos alunos marketers do nosso bootcamp de data science, que decidem inscrever-se num curso deste género para adicionar mais um layer de conhecimento, sem se esquecerem do próprio background criativo e humano.
Acho que outro impasse reside na qualidade dos dados recolhidos e analisados. Hoje, lamentavelmente, uma boa parte dos dados das organizações não está a ser utilizada, mas apenas recolhida e armazenada para efeitos de compliance. Com equipas de marketing não devidamente formadas, corre-se o risco de não termos resultados suficientes e satisfatórios para tomar decisões. Utilizar parte destas informações e, sobretudo, capacitar mais marketers para limpar, analisar e interpretar dados de forma independente é fundamental para criar novas campanhas mais robustas e o crescimento das marcas.
Quais são os principais entraves à adopção e implementação?
A escassez de uma oferta formativa focalizada é, de certeza, um dos obstáculos principais neste processo. Basta pensar que, em 2021, Portugal só chegou a ocupar o 19.º lugar no Índice de Digitalidade da Economia e da Sociedade (IDES).
A capacidade do ensino tradicional, quer pelo público-alvo dos seus cursos, a duração ou a metodologia, é insuficiente para capacitar talento na quantidade e qualidade requerida pelo mercado.
Para uma economia digital sustentável é necessário empoderar as competências individuais e colectivas, promovendo novas formas de aprendizagem e oportunidades de upskill através de disciplinas complementares ao marketing como data science.
Como?
Precisamos de criar condições ideais para reskill e upskill de talento. No curto prazo, em complemento à formação mais tradicional. No futuro, será importante valorizar e impulsionar novos formatos de formação que permitam, de forma rápida e eficaz, abrir novos cenários profissionais ou proporcionar os instrumentos para melhorar e adaptar o próprio trabalho à nova economia digital.
Por exemplo, na Le Wagon, somos especialistas em cursos intensivos em data science que permitem a pessoas de qualquer perfil, desde growth marketers até digital strategist ou social media managers com a motivação certa, formar-se nessa área, através de uma abordagem altamente prática focada nas necessidades reais do mercado.
Quais são as principais tendências neste campo para este ano? E a médio prazo?
Diria que os elementos chave neste contexto são automatização, acessibilidade e previsão. Entre os nossos alunos mais orientados para a aplicação da data science ao marketing, temos observado um interesse particular por tópicos como machine e deep learning, que muitas empresas aplicam através de recursos in-house ou externos.
Na Le Wagon, os nossos cursos têm como objectivo fundamental, mais do que quaisquer noções teóricas por si só, que os nossos alunos aprendam a criar produtos e modelos concretos, desde a sua conceptualização à aplicação, podendo rapidamente impactar os resultados das suas futuras empresas.
De acordo com este modelo e a confirmar a tendência mencionada, os nossos alunos do bootcamp intensivo em data science têm desenvolvido projectos focalizados nesta visão. Por exemplo, entre os mais recentes, o “Small Business Success Predictor” que ajuda a prever a pontuação de reviews de novos restaurantes ainda não abertos na cidade de Lisboa com base em factores demográficos, localização, tipologia de cozinha e clientes.
Texto de Filipa Almeida