O Custo da Personalização
Por Melissa Rodrigues, Lead Content Manager na Guest Centric
Seja para reservar uma viagem ou apenas para fazer compras online, no mundo acelerado em que vivemos, a maioria de nós quer encontrar e obter exactamente o que procura, da forma mais rápida e fácil possível. Ao mesmo tempo, muitos de nós também nos sentimos algo desconfortáveis ao sermos confrontados com conteúdos, anúncios ou mensagens, vindos de perfeitos desconhecidos, com base naquilo que procuramos online, destinos que visitamos ou assuntos que discutimos com amigos ou familiares.
Nestes últimos anos, a personalização tornou-se um tema premente para muitas indústrias, incluindo o turismo, as viagens e a hotelaria. Tem havido inúmeros especialistas e artigos a destacar a importância de oferecer experiências personalizadas e “dar aos consumidores aquilo que querem – antes mesmo de o pedirem.”
No entanto, a questão de fundo é: quando se trata de personalização versus privacidade, o que será que os consumidores realmente preferem?
Vamos dar aos clientes o que eles querem – mas a que custo?
Graças à tecnologia, as empresas podem hoje utilizar os dados do cliente para criar experiências adaptadas às preferências e necessidades, que são únicas a cada pessoa. No sector hoteleiro, o hóspede pode fazer o seu check-in num hotel totalmente online e, desde o início, o hotel sabe exactamente aquilo de que o cliente gosta – desde os artigos e “amenities” que quer no quarto, até ao estilo de restaurantes que prefere.
É óbvio que o facto de oferecer experiências personalizadas aos clientes os deixa bastante mais satisfeitos com a sua estadia. Também os torna mais fiéis à marca do hotel, que assim se destaca da sua concorrência. Mas tudo isto tem um custo: os dados do cliente.
Alguma vez lhe aconteceu regressar a casa do supermercado e encontrar anúncios no Instagram sobre o liquidificador que viu na secção de utensílios de cozinha? Já desabafou com alguém sobre um cantor que detesta e, pouco depois, ser interrompido durante seu podcast preferido, com anúncios irritantes sobre o próximo concerto desse mesmo cantor, na sua cidade? Acontecimentos destes são banais nos dias de hoje, mantendo viva e cada vez mais relevante a discussão sobre privacidade e protecção de dados. E isto apesar do entusiasmo com que se discute a personalização.
De acordo com o Pew Research Center, 81% dos entrevistados nos EUA consideram que os riscos potenciais que enfrentam, resultantes da captação de dados pelas empresas, são maiores do que os benefícios. Por outro lado, os resultados do inquérito Fundamental Rights Survey sobre direitos fundamentais na Europa revelam que 55% dos entrevistados temem que os seus dados pessoais sejam usados para fins criminosos ou fraudulentos. Mais, cerca de 30% dos inquiridos estão preocupados com o acesso de anunciantes, empresas ou governos estrangeiros aos seus dados, sem o seu conhecimento.
Portanto, o uso dos dados dos clientes para criar experiências personalizadas pode mesmo gerar preocupações para algumas pessoas. As empresas devem, por isso, ser especialmente prudentes e garantir que usam as informações pessoais que lhes são fornecidas, com o máximo de cuidado e toda a transparência.
Porque… os consumidores também valorizam a personalização!
Acontece que muitos consumidores realmente apreciam serviços e ofertas personalizados, conforme atesta um relatório da Epsilon, onde 80% dos inquiridos diz ter mais probabilidade de fazer uma compra quando as marcas lhes oferecem uma experiência personalizada. Mais, de acordo com estudos da Adobe, 67% dos consumidores acreditam que é importante as marcas ajustarem automaticamente o seu conteúdo com base no contexto do momento.
No entanto, a falta de conexão entre as opiniões e os comportamentos das pessoas, relativamente à personalização versus a privacidade de dados é muito desconcertante. Por um lado, os clientes querem proteger a sua privacidade online; por outro lado, levam eles próprios a cabo acções que a comprometem. Quantas vezes leu com atenção a política de privacidade de uma marca ou impediu um site de seguir os seus movimentos online? Provavelmente, muito poucas. Para não falar de todo o conteúdo que publicamos voluntariamente em plataformas públicas como o Facebook, o Instagram, etc…
Este é o paradoxo que as empresas enfrentam. Embora os consumidores desejem experiências personalizadas – e até digam que abandonariam as marcas que não adaptam o seu produto e serviço às suas preferências – não deixam de ter preocupações sobre a forma como as empresas processam e usam os seus dados. Sendo assim, naturalmente que a pergunta seguinte é: como podem as empresas oferecer experiências personalizadas aos seus clientes, respeitando a sua privacidade e assegurando-lhes segurança online?
Como Implementar a Personalização – Mantendo a Confiança dos Seus Hóspedes
Face ao acima mencionado, parece que muitos consumidores não se importam de partilhar os seus dados, desde que tenham a certeza de que é para o seu benefício e – igualmente importante – que confiem nas empresas para utilizarem os dados que lhes fornecem, da forma mais adequada.
As marcas têm que encontrar um ponto de equilíbrio, entre manter a confiança do consumidor e oferecer-lhe uma experiência personalizada. No que se refere ao sector hoteleiro, detalhamos aqui os primeiros passos:
1. Mantenha o equilíbrio entre a Personalização e a Privacidade
Para alcançar esse equilíbrio, os hotéis podem focar-se em recolher apenas os dados essenciais dos hóspedes. Por exemplo, se um hóspede se mostrar desconfortável com o hotel a recolher e a armazenar os seus dados mais sensíveis (como o nome, números de telefone e endereço, etc.), pode dar prioridade à recolha de dados menos sensíveis, como o histórico de reservas e as preferências do hóspede.
Os hotéis também podem combinar a personalização e a customização. A personalização deve ocorrer nos bastidores, enquanto a customização pode ser impulsionada pelo hóspede. Dependendo das políticas do seu hotel, considere permitir que os hóspedes escolham qual o seu grau de personalização e de partilha de dados, de forma a que possam moldar a sua própria estadia e as experiências.
Acima de tudo, assegure-se de que a tecnologia do seu hotel privilegia a privacidade e segurança dos dados dos hóspedes. Uma única violação de dados pode prejudicar gravemente a confiança na sua marca. Implemente protocolos de segurança robustos, ofereça opções de login seguras, realce os símbolos distintivos de segurança do seu site e adopte medidas adicionais para proteger os dados dos hóspedes durante toda a sua estadia. Ao fazer isso, o seu hotel fortalece a sua reputação em termos de satisfação do hóspede e protecção dos seus dados.
2. Alavanque os Dados Anónimos dos Hóspedes
Os dados anónimos são informações do cliente que o hotel recolhe e que foram desprovidas de detalhes identificativos, justamente para proteger a privacidade do hóspede. Embora de âmbito mais vasto, esses dados também podem servir para o hotel compreender as opções e preferências dos hóspedes. Com isso, também aumentará a sua capacidade de fornecer serviços, produtos e recomendações personalizados.
Detalhamos aqui alguns exemplos mais específicos de dados anónimos de hóspedes:
Preferências em termos de quarto – O hotel pode usar dados anónimos de hóspedes para entender as preferências em termos de quartos, tais como o tipo de cama preferido, a temperatura do quarto ou a vista que este oferece. Esses dados podem ser usados para atribuir quartos ao hóspede, com base nas preferências nas estadias anteriores, garantindo uma experiência mais personalizada desde o momento do check-in.
Recomendações adaptadas – Ao analisar as informações de estadias anteriores, o hotel pode fazer recomendações mais personalizadas para lugares de interesse nas proximidades, para restaurantes ou outras actividades, que se alinhem com os interesses e comportamentos manifestados pelo hóspede, no passado. Isso pode ser feito usando mensagens direccionadas ao cliente ou com guias de informações no quarto.
Serviços personalizados – Com base nos dados anónimos de hóspedes, o hotel consegue antecipar as necessidades do cliente e fornecer produtos mais personalizados, antes mesmo de este os solicitar. Por exemplo, se um hóspede solicitou frequentemente toalhas extras ou produtos de higiene específicos no passado, o hotel pode preparar e colocar esses itens no quarto, no momento da sua chegada.
Ofertas de Marketing personalizadas – Com recurso aos dados anónimos dos hóspedes, o hotel pode enviar ofertas de marketing e promoções personalizadas por e-mail ou por aplicações móveis. As ofertas podem incluir descontos nos tipos de quartos preferidos, tratamentos de spa ou experiências gastronómicas – tudo para incentivar o cliente a voltar ao hotel para outra estadia.
Check-in e check-out simplificados – Usando os dados anónimos do hóspede, o hotel pode simplificar o processo de check-in e check-out, tornando-o mais eficiente e personalizado. O hóspede pode optar pelo check-in digital, com base nas suas preferências e receber a factura final por e-mail, para maior conveniência e personalização.
No fundo, tudo se resume a encontrar o ponto ideal entre a personalização e a salvaguarda da confiança do cliente. Pode trabalhar sobre os dados de que dispõe, para melhorar os seus serviços e recomendações, personalizando a estadia dos clientes, mas sem fazer os seus clientes sentirem-se observados de perto, como se de um microscópio se tratasse.
Evite formas de personalização que incomodam ou assustam o seu Hóspede
Em tempos, uma amiga partilhou comigo, via WhatsApp, as suas lutas com a alopecia. Pouco tempo depois, comecei a receber anúncios para implantes capilares – coisa que eu nem precisava, nem queria. Em vez de ter vontade de comprar o produto, esta história assustou-me e irritou-me profundamente. Infelizmente, parece que estas tentativas falhadas de personalização são bastante frequentes e que afastam o cliente, em vez de o atrair.
É fundamental que os hotéis atinjam o ponto certo de personalização, pois o rastrear excessivo das preferências do hóspede pode gerar efeitos negativos: pese embora muitos clientes apreciem uma estadia personalizada, também tendem a rejeitar determinadas práticas – já para não falar quando estas não reflectem as suas preferências. Um estudo da Accenture realça que o facto de usar a localização do consumidor para lhe enviar recomendações pode ser visto como “assustador”. Mais, as notificações de tipo push são consideradas invasivas por 74% dos consumidores.
É, pois, essencial compreender o hóspede, já que as opiniões sobre o que constitui a personalização podem variar, consoante o grupo demográfico. Ouvir o cliente, procurar obter o seu feedback e medir os resultados das várias abordagens de personalização pode contribuir para assegurar que os serviços personalizados do seu hotel estão alinhados com as verdadeiras preferências do hóspede.
Conclusão
A personalização pode ser muito benéfica para o hotel, aumentando tanto a satisfação do cliente, como a receita gerada e, até, as reservas directas. Num mundo altamente competitivo, as ofertas e experiências verdadeiramente personalizadas podem diferenciar o hotel da concorrência. Ao impactar directamente a satisfação do hóspede, aumentam a sua fidelidade à marca e, portanto, estadias subsequentes. É mais provável que um cliente satisfeito partilhe a avaliação positiva que faz da sua estadia aos outros, o que só pode beneficiar a reputação da marca do hotel.
No entanto, as preocupações com a privacidade são reais. O uso dos dados pessoais do hóspede para personalizar a sua estadia, exige um equilíbrio delicado. O hotel deve ser transparente no que se refere à recolha de dados e garantir que a privacidade do hóspede é respeitada e protegida, em todos os momentos. Mais, nem todos os hotéis podem oferecer uma vasta gama de opções de personalização – recomendamos começar com pequenos passos e expandir gradualmente os esforços de personalização, à medida que cresce o negócio.
Ao adoptar uma estratégia de personalização ponderada e centrada no hóspede e na sua privacidade, estará a antecipar-se à sua concorrência e a colocar o seu hotel no caminho para o sucesso, neste mundo competitivo da hotelaria e viagens.