O crescimento do mercado de jogos na pandemia e a contribuição dos jogos electrónicos para a saúde mental
Texto de Beto Vides, sócio fundador e director executivo da eBrainz (consultora brasileira especializada em jogos e eSports)
O mercado dos jogos e jogos electrónicos tem-se destacado como um dos poucos no mundo com bons resultados, apesar da pandemia de Covid-19. Enquanto diversos outros segmentos estão a padecer com os efeitos do novo Coronavírus (alguns do ecossistema da própria indústria de entretenimento, que têm demandado socorro financeiro por parte de governos), o sector de jogos digitais vivencia o oposto.
A razão é evidente: com os protocolos de distanciamento social recomendados pelas autoridades de saúde, mais e mais pessoas têm buscado alternativas caseiras para divertimento. Os jogos estão a oferecer uma distracção atraente para quem está isolado e procura alguma forma de passatempo, diversão ou mesmo de interacção social remota – já que é possível, literalmente, interagir com quem está do outro lado do mundo. Os jogos têm contribuído para a saúde mental das pessoas.
Segundo o relatório “2020 Global Games Market Report”, divulgado pela consultora de inteligência Newzoo, o mercado mundial de jogos deverá gerar 159 mil milhões de dólares até o final de 2020. A previsão é de um aumento de aproximadamente 9,3% nas receitas do sector, em relação a 2019, mesmo diante da delicada situação sanitária que o mundo atravessa. O número de jogadores também deverá crescer até o final deste ano, chegando à gigantesca marca de 2.7 mil milhões de pessoas.
Apenas para fins de comparação: o montante de 159 mil milhões dos jogos representa cerca de quatro vezes a receita do mercado global de bilheteiras (43 mil milhões, em 2019), e quase três vezes a arrecadação do segmento de música no mundo (57 mil milhões no ano anterior).
Os jogos são mesmo um “case” excepcional no âmbito da indústria de entretenimento, historicamente beneficiada em momentos de crises, quando cresce procura por escapismo e por experiências imersivas. Desta vez, no entanto, está a ser diferente: com alguns segmentos entre os mais afectados pela pandemia do novo Coronavírus, como o cinema, a indústria tomou um verdadeiro knockout. Nunca, na História, ela foi tão afectada como na crise actual.
Na esfera da mão-de-obra, grandes, médios e pequenos players, dos mais variados nichos e países, passaram a enfrentar as duras consequências da crise sanitária. De uma hora para outra, literalmente, produtores, directores, músicos, actores, técnicos, carregadores e mais uma infinidade de profissionais que dão suporte ao trade ficaram sem os seus trabalhos. No Brasil, por exemplo, os trabalhadores da indústria de entretenimento, segundo dados oficiais, representam 6% da mão-de-obra activa do País, ocupando cerca de 25 milhões de empregos directos e indirectos em TVs, agências, eventos, teatros e cinemas.
O buraco, contudo, é mais profundo. Além da operação primária de bilheteiras, o sector abarca também a comercialização secundária de alimentos, bebidas e adereços, a operação de casas de espectáculos e eventos, a venda de patrocínios, além de serviços da cadeia do turismo, como hotéis, transportes e vagas de estacionamento. Tudo parado em virtude da pandemia. O streaming, porém, tem dado algum alento. Durante a quarentena, houve um aumento significativo de novas assinaturas de serviços on-demand, proporcionando esperança a alguns segmentos da indústria em vários países.
No caso do mercado mundial de jogos e jogos electrónicos, como já destaquei, a realidade é outra. Ainda segundo o estudo “2020 Global Games Market Report”, a Ásia é a região que permanece no topo dos indicadores. O mercado de jogos no continente possui 1.4 mil milhões de jogadores e corresponde a 49% de toda a receita global, um equivalente a 78.4 mil milhões de dólares. Números bastante expressivos.
África e Médio Oriente, por sua vez, detêm um público de 377 milhões de jogadores, porém representam somente 3% da receita do mercado mundial de jogos. O mesmo foi evidenciado em relação à América Latina, que conta com 266 milhões de jogadores, respondendo pela fatia de 4% da receita total.
O relatório apontou também que os mercados emergentes do Médio Oriente e de África ultrapassaram a América do Norte e a Europa em termos de crescimento de jogadores. No entanto, considerando especificamente o poder financeiro, os continentes europeu e norte-americano ainda estão à frente de ambas as regiões. É que os mercados da Europa e da América do Norte possuem, respectivamente, uma audiência de jogadores de 368 e 210 milhões. Os europeus, porém, geram 30 mil milhões, ao passo em que os norte-americanos somam mais de 40 mil milhões de dólares.
As medidas de isolamento social em virtude da pandemia, adoptadas em boa parte do mundo, aceleraram mudanças de comportamento que já vinham a acontecer. Como bem destaca o relatório da Newzoo, há dez anos, as gerações mais jovens estavam a “migrar” dos media tradicionais para as redes sociais. Hoje, porém, estão a deixar para trás as redes sociais pelas experiências mais interactivas que os jogos proporcionam.
Faz tempo que os jogos electrónicos se democratizaram. A ideia de que são restritos, “coisa de nerd”, está completamente caduca. Os jogos estão mais e mais conectados ao quotidiano das pessoas. Num momento de excepção, como o que atravessamos agora, eles têm mostrado o seu real valor, extrapolando as “meras” funções de entretenimento e contribuindo para a sanidade das pessoas.
Vida longa aos videojogos.