O consumo histérico e acéfalo das modas virais

Por Pedro Lourenço, CEO do Portal da Queixa, fundador da Consumers Trust e embaixador da Comissão Europeia para os Direitos do Consumidor

Embora não tenha por hábito vestir pijama ou qualquer roupa específica para estar no recato do meu lar – pois sou um fervoroso adepto daquela velha t-shirt que nos oferecem em eventos desportivos ou nas arruadas partidárias -, reconheço a alta qualidade da indumentária para circular pelos corredores da casa. Contudo, não contemplo a ideia de sair à rua empenhando o logótipo da meia maratona, repleta de patrocínios como se de uma “griffe” se tratasse, mesmo na eventualidade de existir uma tendência de moda viral, que me incentive a fazer um TikTok com a camisola das tintas CIN, que por sinal já está bastante gasta, mas continua a ser confortável para estar no sofá aos fins de semana. Talvez por já estar nos quarentas, não nutro muita apetência para ser influencer de moda nas redes sociais, no entanto, não consigo concordar que tudo deve valer para ter mais reacções, gostos ou seguidores, mesmo colocando de parte aquilo que mais nos define entre os seres humanos, o carácter.

Na sequência da campanha de moda lançada pela marca Lidl, que começou como uma mera brincadeira do Dia das Mentiras na Alemanha, passando a ser produzida em massa devido ao enorme impacto que teve principalmente junto dos consumidores europeus, não seria de esperar outra coisa dos seguidores das figuras públicas portuguesas. Foram às centenas os influencers que ergueram fileiras junto dos supermercados da marca para registarem aquele momento que os garantia estar “na moda”, não desiludindo os seus fãs. Sim, porque este comportamento é meramente irracional e desprovido de reflexão sobre se devem ou não gostar do produto, sem pensarem na mensagem que estão a partilhar com os seguidores.

O que importa é que “na moda um dia estás in, no outro dia estás out”, já dizia a modelo Heidi Klum e foi isso que motivou, por exemplo, publicações como a da comentadora Ana Garcia Martins (“A Pipoca mais Doce”) referindo que quando recebeu a “oferta” do Lidl com a tão afamada moda da logomania, teve como primeira reacção proferir o acrónimo “WTF”, espantando-se com a parolice com que sempre foi associado o vestuário com logótipos de marcas que não são moda. Mas, para sua admiração – após uma pesquisa no Google -, o seguidismo pela tendência é um must have e, sendo assim, já é motivo de influência e aplauso de pé pela iniciativa da marca. Creio que agora entendem o meu ponto de vista.

Incentivar o consumo desenfreado, irreflectido e sem consequência é um péssimo passo para uma sociedade consumista, nomeadamente alimentada por influenciadores que visam o lucro fácil, sem responsabilidade pelos maus exemplos que partilham com as suas redes de seguidores, na sua maioria jovens que ainda procuram um role model para definir o seu carácter como indivíduos. Por sua vez, as marcas devem fomentar boas práticas de consumo, fazendo o seu papel na sociedade, evitando campanhas sensacionalistas e tendo a coragem para assumir repúdio pela especulação de preços, como se verificou no eBay, com as sapatilhas da colecção “Lidl Fan” a serem anunciadas por dois mil euros o par. Este é apenas um exemplo do aproveitamento da extrapolação do vale tudo, na sequência da guerra da viralidade das campanhas de marketing das marcas no mercado global.

Desta vez, os itens mais cobiçados não foram os peluches dirigidos ao público-alvo infantil, mas aos mais jovens, alavancados por um desejo de aquisição – não por necessidade, mas por afirmação social. Numa conjectura de tantas incertezas para o futuro, com uma potencial crise económica a pairar sobre a carteira dos portugueses, é tempo de contribuir com iniciativas que promovam o consumo equilibrado e consciente.

Artigos relacionados