O ChatGPT é meu “dupla”, mas eu não sei quem ele é

Por Max Leal, Strategic Planner na Lift 

O Felipe entra calmamente num supermercado. Seu bebé, recém-nascido, não consegue amamentar. Ele vai directo à secção de leites infantis e compra duas latas de “Nan”, de Nestlé. Sequer lê o rótulo, tampouco compara preços.

Corta para Andrea. Que acordou inspirada. Ela precisa de um lugar que a estimule a escrever. Quer assistir às pessoas entrarem e saírem e sentir-se à vontade. Vai directa ao Starbucks do El Corte Inglés. Não importa quanto custa o café, ou se é saboroso ou não.

Corta para Max, eu mesmo, um dia desses, a precisar ter ideias para um desafio aqui na agência. Recorro ao meu “dupla” – aquela pessoa ao lado de quem gostas de criar – mais recente, que não se chama Nelson, Rui, Paulo, Mateus, Ana, Joana ou Marta. Chama-se ChatGPT. Ele (curioso… se calhar, é ela) ajuda-me, sugere títulos, parágrafos, abordagens. Agradeço-lhe, ele diz-me que, com ele, posso sempre contar.

Na sua opinião, os três acontecimentos acima têm muito ou pouco em comum? Eles têm muito em comum. O que conecta Felipe à Nestlé é o mesmo benefício emocional que, por outras razões, conecta Andrea ao Starbucks.

No entanto, o que me leva ao ChatGPT é o que ele me pode entregar, que está circunscrito, pelo menos por enquanto, às suas funcionalidades. Ou seja, actualmente, as ferramentas de Inteligência Artificial como o ChatGPT, o Midjourney, etc., assemelham-se a um quilo de soja. Os benefícios que delas extraio são unicamente funcionais. Pode não parecer pouco. Mas é. Eu, você e todos os oito biliões de seres humanos preferimos ter envolvimento emocional e tomamos as nossas decisões fortemente influenciados pelo que sentimos.

Repare, há uma lista enorme de receios que rondam a AI neste momento: acabará com os empregos, controlará os humanos, tornar-nos-á em estúpidos dependentes de máquinas para pensar, só para falar nos mais óbvios.

Receios humanos inspiram marcas e produtos a criar novas abordagens e estratégias de posicionamento. E isto, quando levado a sério pelas empresas, gera relacionamentos de longo prazo, mais resistentes às promessas de preço baixo da concorrência.

Eu gostaria bastante de saber o que pensa este meu novo “dupla”, o ChatGPT. Gostava de saber a sua visão de mundo, aquilo que o mobiliza, que o tira da cama. Quererá ele que as crianças se sujem, que as mulheres se amem do jeito que são, que experimentemos a liberdade nas estradas, que desafiemos os cafonas do mundo? Eu não sei.

Quando eu trabalhava com o Dinho Lima, eu já sabia que, num dia, ele entraria na agência vestido de ciclista, com capacete e tudo, porque decidiu ir de bicicleta para o trabalho; e, no outro, surgiria qual um Babalorixá, só porque sim. Aquela cabeça rodara o mundo e, até hoje, contém um outro mundo de boas ideias, de convivência harmónica entre os diferentes e um amor intenso pela África, o seu lugar preferido na Terra, ao qual voltaria inevitavelmente pouco tempo depois. Mas esse era o Dinho. O ChatGPT eu ainda não sei quem é. E é isso o que frustra. Se soubesse, ele poderia ser insubstituível. Do jeito que estamos, posso ser conquistado por qualquer concorrente seu, num piscar de olhos.

As ferramentas de AI têm uma oportunidade estratégica neste momento: dedicarem-se a amplificar a inteligência e o talento humanos. Sou capaz de apostar que a primeira marca de AI que se posicionar como uma expansão das nossas capacidades criativas poderá cobrar mais caro, desde que seja capaz de fazer-nos sentir assim, além de entregar as suas impressionantes funcionalidades, as suas meras impressionantes funcionalidades.

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