O cavalo de Tróia para a mudança

Forum Retail MediaNotícias
Marketeer
15/10/2025
21:15
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Colin Lewis, keynote speaker do Fórum Retail Media, explicou como este fenómeno está a criar oportunidades inéditas para marcas e retalhistas, redefinindo relações num ecossistema em mutação.

O fundador e CEO da Retail Media Works começou por desmistificar um conceito ainda abstracto para muitos: «Retail media é on-site, off-site e in-store. É segmentação, insights e dados, tudo construído sobre a informação que vem do retalho». Na prática, trata-se de publicidade baseada em dados recolhidos directamente pelos retalhistas, permitindo segmentação precisa e métricas robustas.

Colin Lewis explicou como cada dimensão do retail media funciona: on-site inclui pesquisa e produtos patrocinados, como banners no website de um hipermercado ou vídeos na Amazon; off-site estende-se a redes sociais e marketing programático, alimentados por audiências das retalhistas, embora com menor peso na Europa. Já o in-store é o ponto diferenciador europeu: apps de quick commerce e ecrãs digitais invadem o ponto de venda físico, transformando a loja num meio de comunicação dinâmico. «Todos dizem que o seu mercado é diferente, mas em muitos aspectos é o mesmo», observou Colin Lewis.

A vantagem competitiva dos retalhistas está nos dados valiosos que possuem: informação sobre intenção de compra e hábitos de consumo, algo que nunca tinha sido captado com a mesma profundidade. O programa de fidelização da Tesco no Reino Unido exemplifica bem o potencial: 23 milhões de agregados familiares. «Eles sabem tanto sobre os cidadãos como o censo», afirmou.

Porquê agora?

A pressão sobre margens reduzidas é um factor determinante. «Mesmo organizações como a Walmart operam com margens de 3%», lembrou Colin Lewis. «Retail media, se for bem feito, pode acrescentar melhoria de margem.» Não é por acaso que o tema entrou nas conversas com investidores. «E não vai desaparecer. O retail media veio para ficar», confirmou.

Mas a transformação vai muito além da monetização. «Trata-se de um negócio de media, e isso é muito diferente do negócio de retalho», explicou. Equipas habituadas a logística e trade marketing têm agora de lidar com audiências, métricas e vendas publicitárias. «Há tensões naturais entre quem faz retalho e quem tenta construir uma rede de media», reconheceu Colin Lewis.

A chave está em tratar o retail media como uma nova linha de negócio, com equipas próprias, processos claros e visão integrada de marketing e vendas. O quick commerce, com empresas que perdem dinheiro, é um exemplo: «Os entregadores de moto estão em todo o lado, de Santiago a Auckland, e o retail media é o caminho para rentabilizá-las.»

O in-store como nova televisão

Nos EUA, o e-commerce domina. Na Europa, a digitalização do ponto de venda físico é o próximo passo. «O in-store é a nova TV do retalho», afirmou Colin Lewis, citando Andrew Lipsman. Com a queda da audiência da televisão linear, os pontos de venda recuperam relevância como meios de alcance massivo. Análises no Reino Unido mostram que o número de pessoas que entram nas lojas de retalhistas como a Fraser’s rivaliza com a audiência de canais de TV.

Ecrãs digitais em corredores, áreas de checkout ou zonas de espera transformam-se em espaços premium de comunicação, combinando presença física, contexto e impacto emocional. «A única limitação é a imaginação», disse Colin Lewis, enquanto mostrava exemplos na Turquia, Nova Zelândia e Chile. Além de reduzir desperdício — substituindo publicidade em cartão — permitem mensagens dinâmicas e adaptadas ao momento da decisão de compra, com machine learning para insights preditivos.

Um exemplo prático: «Num corredor cheio de gins no Chile, um ecrã com elementos de marca ajudou-me a decidir. É disso que estamos a falar: influenciar no ponto de venda, no instante certo.» Para os marketeers, isso significa repensar o in-store: 85% das vendas vêm daí, mas historicamente não era responsabilidade directa das equipas de marca. O retail media quebra essas barreiras, entregando awareness, consideração e conversão no mesmo espaço.

Da notoriedade à fidelização

Do lado das marcas, a tendência é clara. «As grandes marcas já aderiram em força», garantiu Colin Lewis, citando reuniões que teve com clientes como a Unilever, Ferrero e outras multinacionais. «Não disseram ‘quero fazer mais anúncios’. Disseram ‘quero aprender mais sobre as pessoas na categoria’», sublinhou.

O retail media cobre hoje todo o funil: off-site e in-store para awareness; produtos patrocinados e cupões digitais para conversão; retargeting para fidelização. Tudo dentro de um ecossistema onde o consumidor já está predisposto à compra. O modelo recomendado por Colin Lewis inclui quatro passos: definir objectivos claros, encontrar orçamento e um parceiro retalhista, escolher activações pelo funil e medir resultados.

«Muita gente salta directamente para a activação e depois pergunta: ‘Por que não está a funcionar?’. Os objectivos guiam o orçamento e as activações.»

Os desafios persistem. Silos entre equipas de marca, shopper, digital e trade podem criar barreiras. Colin Lewis revelou que, numa reunião em Paris, a equipa de marca saiu ao fim de trinta minutos: «Disseram que o impacto na loja não era responsabilidade deles.» A solução: envolver todos, criando planos conjuntos de negócio e novas fontes de receita.

A próxima vaga

O keynote speaker terminou com uma provocação: «A TikTokificação vai chegar às lojas.» Conteúdos curtos, dinâmicos e interactivos migrarão para os ecrãs in-store, acompanhados por influenciadores e formatos sociais. «Não é bom nem mau. É inevitável», afirmou Colin Lewis, dando como exemplos de inovação os ecrãs 4K nas montras de uma farmácia de Belgrado, captando a atenção de transeuntes. «A inovação em ecrãs digitais in-store está a mudar tão depressa que nem consigo acompanhar», admitiu.

Colin Lewis resumiu o impacto do retail media: «É o cavalo de Tróia para a mudança.» Uma mudança tecnológica, cultural e organizacional, capaz de transformar a indústria de serviços de marketing e o papel das agências. «Durante décadas, o poder esteve do lado dos meios tradicionais. Agora, os retalhistas estão a assumir o controlo da audiência, dos dados e da experiência de compra. É uma reconfiguração completa do ecossistema.»

Para quem ainda vê o retail media como tendência passageira, o aviso soa como profecia: esta transformação veio para ficar.

Texto de Hugo Vinagre

Foto de Paulo Alexandrino

*O jornalista escreve segundo o Antigo Acordo Ortográfico




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