O cabrão mais perto da porta

Por Marcelo Lourenço, fundador e director Criativo da Coming Soon

Na última quarta-feira faleceu o grande Michael Collins, um dos três astronautas que estavam a bordo da Apollo 11 e pisaram na Lua em 1969. Correcção: o senhor Collins era, sim, um dos três astronautas que estava na nave, mas foi o único a não pisar na Lua. Segundo a história (e a NASA), Collins era o piloto mais qualificado e por isso ficou em órbita dando voltas ao quarteirão enquanto Neil Armstrong e Buzz Aldrin deixavam as suas pegadas na superfície lunar.

Adoro a história de que como o senhor Collins passou o resto da vida a explicar para toda a gente porque que é que ele não pisou na Lua. O que convenhamos, é uma pergunta justa: como é que o sujeito vai para Lua e não pisa na Lua?

Lembrei-me dessa história em 2014 no dia em que a Fuel foi à RTP (Rádio e Televisão de Portugal) apresentar a campanha para o novo serviço 5i – a primeira App de “second screen” do país, que permitia a quem estava a ver TV em casa participar em tempo real com perguntas e comentários e assim, interagir com os apresentadores.

A RTP era o primeiro canal de TV a lançar um serviço assim.

Hoje parece banal mas naquela galáxia distante chamada 2014, era um pequeno passo para a RTP mas um passo gigantesco em relação à concorrência.

A campanha que eu e o Bexiga criámos dizia justamente isso: a RTP estava a fazer história a ser a primeira estação de TV a ter um serviço assim.

Hora de apresentar a campanha e estamos todos numa enorme sala de reuniões no topo da RTP – móveis de luxo, obras de arte, tapetes persas no chão, uma vista espectacular sobre a cidade de Lisboa. Como se a sala não fosse solene o suficiente, lá estava o saudoso doutor Alberto da Ponte, uma das figuras mais carismáticas da publicidade portuguesa e que, depois de estar a frente da Central de Cervejas, era agora o homem forte da RTP.

A agência apresenta a estratégia, o design e chega a hora da campanha.

Eu me levanto e começo:

“Vindo para cá estava a pensar no senhor Michael Collins, o único astronauta que subiu na Apollo 11 e não pisou na lua” – e conto um pouco sobre a história, como ele era o mais qualificado e coisa e tal – e como todos os repórteres, em todas as entrevistas perguntavam a mesma coisa “mas porque é que foi o Neil Armstrong e não o senhor Collins a pisar na Lua?”.

“Dez, vinte, trinta anos a responder a mesma pergunta até que um dia, o Michael Collins perdeu a paciência e respondeu furioso – porque é que o Neil Armstrong foi o primeiro a pisar na lua?”

“PORQUE ELE ERA O CABRÃO MAIS PERTO DA PORTA.”

Silêncio na sala de reuniões. Posso ouvir várias pessoas (agência incluída) a perguntar-se mentalmente – será mesmo que ele acabou de dizer “cabrão” à frente de todo o board da RTP?

Hora de concluir o raciocínio – “Pois, neste exacto momento, a RTP é o ‘cabrão mais perto da porta’ e temos a oportunidade para entrar para a história como o Neil Armstrong das estações de TV e sermos os primeiros a lançar um serviço do género.”

Acabei de apresentar o resto da campanha. Toda a gente em silêncio.

No final, o doutor Alberto da Ponte levanta-se e diz: “É isso mesmo. Temos mesmo que ser os ´cabrões mais perto da porta´. A campanha está aprovada!”

Hoje se me perguntarem como era a campanha (que foi produzida e veiculada), tenho que ser sincero: não faço a menor ideia, não lembro dos filmes, das peças, dos spots, de nada.

Mas até hoje sempre que encontro uma pessoa que estava naquela reunião escuto a mesma coisa: “Olha, olha, se não é o cabrão mais perto da porta.”

Obrigado por isso, mister Collins. E descanse em paz.

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