Nova SBE: Era uma vez um mundo digital

Os últimos anos têm sido absolutamente decisivos para o fomento de negócios 100% digitais. Quem o afirma é Lénia Mestrinho, directora executiva do Nova SBE Data Science Knowledge Center e também directora executiva da Pós-Graduação em Data for Business da Nova SBE. Com a penetração crescente da internet em todo o lado, assim como os incríveis avanços a que a sociedade tem assistido ao nível tecnológico – IA, Internet das Coisas (IoT), Cloud, entre outros –, o terreno tornou-se bastante fértil e propício a que as empresas concebam tarefas mais automatizadas, criem produtos e serviços inovadores baseados em tecnologia, ou tenham mais e melhor informação para uma tomada de decisão mais eficiente. «Adicionalmente, este tipo de negócio é muitas vezes mais escalável que os negócios tradicionais, sem tantas barreiras físicas ou obstáculos operacionais. Os casos de sucesso atraem naturalmente a atenção de investidores, pelo que o investimento em tecnologia, inclusive de capital de risco, também se tornou mais amplamente disponível », refere Lénia Mestrinho, chamando, ainda, a atenção para o papel fundamental do consumidor que, nos últimos anos, já nasceu na era digital e para o qual todo o universo gira em torno desta dimensão, reunindo-se, desta forma, todos os ingredientes necessários para uma progressiva digitalização.

Actualmente, a Inteligência Artificial e a forte utilização de dados no contexto organizacional aceleram de forma indiscutível os negócios. Através desta inovação tecnológica, as empresas podem identificar, com maior precisão e rapidez, potenciais clientes ou segmentar estes clientes para determinadas ofertas. Como refere Lénia Mestrinho, e a título de exemplo, «um supermercado já não necessita de lançar uma promoção para todos os seus clientes, mas pode fazê-lo apenas para aqueles com maior probabilidade de maximizar o sucesso da campanha». A mesma responsável sugere, ainda, outro exemplo, como a análise de dados em tempo real, «que permite às empresas decidirem com mais informação, neste caso extremamente actualizada e de forma mais eficiente». É o caso da aplicação Waze, baseada na navegação por GPS, que recolhe informação em tempo real, nomeadamente por parte de todos os utilizadores e, nesse sentido, tem a capacidade de indicar, a cada segundo, qual a rota mais eficiente para levar os utilizadores do ponto A ao ponto B.

PONTO DE VIRAGEM

O mundo mudou, a tecnologia avançou e a sociedade passou a comunicar, a comprar e a relacionar-se com as marcas de outra forma. Mas como é que, efectivamente, os negócios digitais estão a mudar a forma como trabalhamos e colaboramos? A directora executiva do Nova SBE Data Science Knowledge Center refere, nesse contexto, uma das previsões da Gartner, que indica que, até 2025, 30% das mensagens de marketing outbound enviadas pelas grandes empresas serão geradas de forma sintética. «Recentemente, e aproveitando todo o potencial das actuais ferramentas de IA generativa, a Microsoft apresentou um produto que “tira cafés” a qualquer gestor – o Microsoft Copilot –, que será integrado com os principais produtos da Microsoft, que milhões de pessoas em todo o mundo utilizam diariamente, e que nos permitirá, em segundos, e de forma automática, realizar tarefas, como solicitar uma apresentação Power Point, com x slides, com base no ficheiro y; propor uma resposta completa a um email; criar diferentes gráficos e visualizações com base numa folha de Excel, entre muitas outras tarefas ainda inimagináveis », partilha. No entanto, a mesma responsável deixa uma salvaguarda: «Note-se que todas estas funções são efectuadas em segundos, com uma ou duas ordens, e dois ou três cliques. Vivemos um absoluto ponto de viragem na história da tecnologia, onde todos os dias ficamos tão maravilhados quanto assustados com as novas ferramentas disponíveis.»

À medida que a tecnologia fica ampla e democraticamente acessível e que o cidadão comum é um nativo digital, é natural que as empresas sintam pressão, por parte dos consumidores e clientes, fornecedores, parceiros ou até concorrência, para se tornarem mais digitais e tecnológicas. «Esta pressão está a ser sentida em várias indústrias e mercados, sendo o transporte de passageiros, com o caso específico dos táxis, um bom exemplo. A partir do momento em que passo a ter concorrência no meu mercado com um produto em tudo semelhante ao meu, mas mais cómodo e eficiente no que concerne à chamada do transporte, à partilha de informação sobre a localização do veículo e ao tempo de espera estimado, ao valor exacto que vou pagar, à forma de pagamento, entre outros factores, é natural que, caso a minha empresa não inove, se digitalize e adapte rapidamente, acabe por perder uma boa parte dos seus clientes ou não consiga, de todo, subsistir», sublinha Lénia Mestrinho.

Mas, então, como podem as empresas apresentar um equilíbrio entre tornarem-se digitais, mas sem perder o contacto humano com o cliente? Poderá, realmente, a IA ajudar nos processos de trabalho, deixando mais tempo para que os colaboradores possam desempenhar outras funções com maior profundidade? A responsável responde com um episódio recente: «Num evento onde estive recentemente, um dos oradores partilhou um exemplo neste sentido. Falava do irmão, que geria uma imobiliária. Tipicamente, esta empresa necessitava de três meses, em média, para conseguir colocar um imóvel no mercado, com toda a informação necessária. Após implementarem várias soluções que alavancaram a utilização de dados e tecnologia, este período de tempo passou para apenas três horas. Com o “tempo de sobra”, os/as agentes da imobiliária passaram a despender mais tempo com os clientes, criando maiores relações de confiança, o que se traduziu num aumento da taxa de conversão. A empresa acelerou o seu crescimento e contratou mais colaboradores.» Obviamente que nem todas as histórias são de sucesso e nem sempre este exercício é fácil, «mas é importante que as organizações passem a ver a IA como um ou vários colegas de trabalho e consigam identificar os processos que fazem mais sentido serem desempenhados por “máquinas”, e em quais é que os humanos continuam a ter vantagem competitiva», salienta a mesma.

O PAPEL DA FORMAÇÃO

Num mundo mais acelerado e em constante mutação, as universidades, como qualquer organização, têm de estar atentas a todas as alterações tecnológicas, nomeadamente as que lhes tragam disrupção, conhecendo-as e adaptando-se às mesmas de forma ágil. «Um bom exemplo neste sentido é o ChatGPT. Esta surpreendente ferramenta de conversação está disponível facilmente para qualquer pessoa, inclusive para os alunos, e pode ser utilizada para facilitar a resolução de exercícios, desenvolvimento de trabalhos de grupo, respostas em contexto de aula, entre outros», defende Lénia Mestrinho. Não acreditando que a proibição da sua utilização seja um caminho a seguir, é, para a mesma responsável, fundamental fornecer a literacia necessária sobre o tema – a alunos, a professores e a colaboradores em geral. «Os alunos devem saber se podem utilizar a ferramenta e quais as regras para o fazerem, conhecendo ainda as suas limitações. Os professores, de igual forma, devem conhecer a sua existência e os desafios que este tipo de ferramenta pode trazer para a jornada de aprendizagem dos alunos e para os momentos de avaliação, mas também conhecer as oportunidades, de forma a poderem tirar partido da ferramenta, em prol do conhecimento. Por exemplo, algumas escolas já priorizam os testes e exames orais, para combater a utilização do ChatGPT», acrescenta.

No entanto, o crescimento das empresas a nível tecnológico implica também uma mudança na forma de contratação. O talento tecnológico é hoje um dos mais procurados e valorizados pelas empresas, mas a escassez de recursos continua a ser uma preocupação. Que soluções poderão ser colocadas em prática pelas empresas? Lénia Mestrinho aponta alguns caminhos: «Um estudo da Gartner revela que, se a nossa abordagem ao mercado incluir um filtro por “pelo menos três anos de experiência” e por alguém que “possui conhecimento técnico a nível destas quatro tecnologias (Python, SQL, AWS & ML)”, estamos a eliminar 98% dos potenciais candidatos. Ou seja, pode não ser necessariamente um tema de escassez de talento, mas essencialmente de abordagem ao mercado, começando pela forma como descrevemos uma função.» A directora executiva do Nova SBE Data Science Knowledge Center e directora executiva da Pós-Graduação em Data for Business da Nova SBE aprofunda a temática e acrescenta: «Por exemplo, tipicamente, nesta área, o empregador coloca uma longa “lista de desejos” a nível de competências, o que acaba por ser pouco realista e desmotivadora para os candidatos.» Outro argumento do estudo centra-se na abordagem, tipicamente tradicional e pouco human-centric dos processos de recrutamento – não enfatizando as características comportamentais, ou até mesmo o conhecimento de negócio, desejados para a função, o que também não colabora pela positiva num processo de recrutamento actual. Além destes exemplos, Lénia Mestrinho conclui o seu pensamento sobre o recrutamento de talento, com uma última ideia, que passa sobretudo pela necessidade de as empresas serem «mais abrangentes nas modalidades de recrutamento, contratando pessoas em part-time, freelancers, consultores, ou até alunos no âmbito de projectos com universidades».

Este artigo faz parte do Caderno Especial “Negócios 100% digitais”, publicado na edição de Junho (n.º 323) da Marketeer.

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