Nem tudo o que é tecnologia é transformação digital
Por Rui Ribeiro, director-geral da IP Telecom, e Paulo Veiga, CEO da EAD – autores do livro “Transformação Digital – os desafios, o pensar e o fazer”
Estes últimos anos têm sido pródigos na aceleração digital, contudo, muitas das acções desenvolvidas foram apenas de digitalização e não de transformação digital. Acresce que, de acordo com um dos mais recentes estudos da Boston Consulting Group, há o reconhecimento de que 70% dos projectos de transformação digital não alcança os objectivos desejados. A razão é simples: mantiveram-se os processos, mudou-se apenas a tecnologia. Muitos dos projectos são de “transformação do papel em digital” e não transformação de processos da empresa.
As pessoas passaram a trabalhar desde casa, ao invés de estarem no computador no escritório. Os formulários continuaram a gerar um email para o colaborador colocar os dados recebidos numa aplicação. A interacção com os clientes continua sem ter o mesmo grau de experiência, independente do canal de contacto. Os colaboradores ainda têm de assinar em papel as folhas de despesas, fazer o scan e enviar por mail ou fazer o upload na aplicação….
A literacia digital das pessoas e das empresas é muito mais do que saber usar o telemóvel, fazer pesquisas no Google ou enviar emails.
Importa entender que o uso da tecnologia, por si só, não significa qualquer melhoria de eficiência ou eficácia, além da natural efectividade da realização de uma tarefa.
Vivemos numa época onde o soundbyte guia muito do que se diz e do que se faz, ficando a sustentação e consistência da verdadeira transformação digital, muitas vezes, para trás. É bom, desde logo, clarificar que este não é um conceito novo, mas que ganhou recentemente um grande hype de marketing e comunicação pela pressão de se garantir agilidade e adaptabilidade, resultante da cada vez maior competitividade empresarial.
A gestão da mudança, o patrocínio da visão e a liderança são mais essenciais do que qualquer tecnologia, uma vez que para uma empresa tradicional não é fácil ultrapassar as barreiras culturais, da estrutura orgânica existente, do “sempre se fez assim”, ou do quero é “uma base de dados” para guardar o que estava em papel!
O desenvolvimento da transformação digital numa empresa implica definir uma estratégia digital de médio e longo prazo, capaz de alinhar e unir as duas estratégias típicas existentes: negócio e tecnologia. Os desalinhamentos típicos entre estas duas estratégias só podem ser ultrapassados com um modelo de coordenação digital, com uma visão de processos de negócio e optimização dos mesmos, usando as tecnologias disponíveis.
A necessidade de evoluir e garantir a contínua mudança é inevitável. A transformação digital faz-se pela mudança do processo de uma empresa tradicional para uma empresa digital inteligente. Tal significa mudar todo o conceito na forma como se interage com o ecossistema de clientes-colaboradores-fornecedores-parceiros, como se potenciam todos os dados produzidos e existentes e como se criam processos contínuos de análise do que é o valor da empresa, dos seus produtos e dos seus serviços.
Se alguém julgar que a transformação digital é fácil, ou que se faz num ápice aplicando apenas tecnologia para cima dos problemas, estará certamente enganado! Prepare-se para uma viagem contínua, cíclica de melhorias de processos, de investimentos recorrentes em tecnologia e formação, tal como busca incessante de novas formas de criação de valor.
O ecossistema de clientes evolui e muda a velocidades cada vez maiores. Não se deixe levar pela tecnologia. Garanta mesmo a transformação digital da sua organização.