Não podemos estar à deriva

M.ª João Vieira Pinto
Directora de Redacção Marketeer

Há uns anos saí com uma amiga de carro, sem horas nem destino. Na altura senti dos melhores sabores de liberdade. Deixar correr os dias ao ritmo do gosto. Claro que sabíamos que no limite, no final da linha, teríamos porto. Por isso deixámo-nos ir, sem estarmos condicionadas, mas não à deriva. Sem horas, mas com algum norte. E fomos felizes, ou não tivéssemos nascido assim, com o conceito de liberdade tatuado na pele.

Só que não à deriva! Não sem norte.

Peguei neste editorial três vezes. Sem saber o que lhe escrever, por onde começar. Sem rumo.

Quem me conhece sabe que não sou optimista eufórica. Tenho uma personalidade que se atira mais para o realista, que muitos lêem de pessimista, não o sendo. Quando começou o primeiro confinamento, percebi que não vinha aí coisa boa, pelo que nunca fui de pintar arco-íris e acreditar que “ia ficar tudo bem”. Na altura, já não achei. Hoje, nenhuma dúvida se atravessa. Só que agora não é só o estar em casa que me põe à prova. Não é só a distância e o não ter. É o não saber. A inquieta sensação do estar à deriva.

Porque na Educação se fecha escolas, ou talvez não, ou se as próprias o entenderem. Porque se usa máscaras, ou então não, qualquer uma serve, mas afinal nem por isso! Porque se vacina com regras mas sem respeito, num processo que traz ao de cima o pior do ser humano: o egoísmo profundo de se querer safar e o outro que vier a seguir logo se vê! Porque se apoia os media com valores mas sem triagem de valor. Porque se diz e desdiz com a maior naturalidade, como num filme de comédia, quando, se somos protagonistas de algum, será mais trágico que cómico. E não, não vamos ter muitos motivos para rir!

Não sendo pessimista, escrevo este editorial com um aperto. Querendo acreditar, tenho dúvidas. Querendo seguir em frente, nem sei por onde. Querendo fazer melhor, com dificuldade de o conseguir. Recuso-me a estar à deriva; recuso que esta revista e os media se atirem para a berma em vez de andarem na estrada; recuso a perda de valor pela simples perda de valor; recuso-me olhar para este País e vê-lo ziguezaguear ao dia, todos os dias.

Não sei como se faz diferente. Mas sei que não é possível ter uma família à deriva, uma empresa com gestão sem roque, um país sem comando seguro. Ou perdemos o respeito, desligamos da autoridade, fazemos switch off ao botão da segurança. E aí, então, é que nenhum de nós encontrará o seu porto.

Editorial publicado na revista Marketeer n.º 295 de Fevereiro de 2021

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