Não há milagres!
M.ª João Vieira Pinto
Directora de Redacção Marketeer
Que em todos nós existe contradição, luz e sombra, já eu sabia. Mas o que continuo sem conseguir perceber é como é que não aproveitamos antagonismos para ganhar força, em vez de a perder.
Senão, vejamos: queremos, todos nós claro, controlar a pandemia e que ela nos deixe de uma vez por todas. Mas vamos para a rua em grupos e manifestações, organizamos encontros à “má fila” em jeito do botellon espanhol, e pedimos, por tudo, que nos permitam estar com quem gostamos, independentemente de quantos somos! Claro que eu também quero estar com quem mais gosto, mas já ouviram falar da multiplicação dos pães? Pois, aqui o resultado é a multiplicação do vírus!
Fugimos aos impostos mas, agora, queremos e exigimos que o Estado nos pague aquilo que não descontamos. Nos devolva o que foi “escondido”. Nos ajude com o que não ajudámos. Pois não, também aqui não há milagre que nos salve.
Afastámos portugueses dos restaurantes com menus em inglês, preços insuflados e pratos clonados, mas queremos que esses mesmos, os que durante meses e meses não tiveram mesa, sejam agora um dos garantes da sobrevivência. A soberba é um pecado capital. Mas a capacidade de perdoar e ajudar são-nos inatos. E talvez isso, só isso, explique a atitude em jeito de “somos todos Charlie”, quando nenhum de nós sabe o dia de amanhã.
Louvamos os media, agradecemos a informação que nos chega, a rádio que se ouve no carro, o jornal que se lê – pelo menos ao fim-de-semana -, a revista que se partilha ou guarda. Mas também não deixamos de agradecer quando nos enviam links de sites gratuitos para lermos todos os títulos que sempre quisemos. Assim como nada dizemos quando proíbem os media de manterem conferências e eventos, um dos maiores garantes do seu financiamento nos últimos tempos. Ah, estava distraída, é que não são encontros partidários. Desculpem… Mas esquecem-se talvez os senhores dos partidos que, por este caminho, a prazo não há quem comunique o que nesses mesmos fóruns e congressos se diz e se debate!
Há uns dias, numa conversa com um amigo, que por acaso tem um cargo público, partilhava-me o seu receio de podermos estar a caminhar para revoluções. Claro que é importante salvar o País; claro que é importante salvar os nossos empregos; claro que é importante salvar as nossas vidas. Mas no meio de tanto desnorte, bem iremos precisar de outros que nos salvem!
Editorial publicado na revista Marketeer n.º 292 de Novembro de 2020