Multipessoal: O futuro já é digital

A crescente digitalização dos negócios tem vindo a originar uma mudança de paradigma a vários níveis. A forma como as empresas, candidatos e profissionais olham para a transformação digital pode representar um desafio, mas também pode ser encarado como um mundo de novas oportunidades. Nesta entrevista, Eduardo Marques Lopes, director de Marketing e Comunicação da Multipessoal, fala-nos do contexto actual e abre-nos a porta para um futuro que já começou.

Que desafios os negócios 100% digitais podem apresentar ao recrutamento e à gestão de pessoas?

A crescente digitalização dos negócios tem vindo a originar uma forte mudança de paradigma no que diz respeito à gestão de talento e ao recrutamento. O desafio mais óbvio é a desmaterialização total ou parcial dos locais de trabalho, com a adopção de modelos remotos ou híbridos. Neste ponto, os profissionais de Recursos Humanos têm vindo a sentir necessidade de reforçar as suas interacções com os colaboradores, procurando não perder a dimensão humana das relações, ainda que por via digital, e continuar a promover e a alimentar a cultura e os valores organizacionais.

Paralelamente, verifica-se uma procura crescente por perfis ligados às Tecnologias da Informação, para dar resposta às novas necessidades dos processos de transformação digital. Por consequência, observamos um cenário de escassez de profissionais qualificados nesta área, o que gera uma elevada competição pelo melhor talento, na qual muitas empresas têm dificuldades em destacar-se.

Por outro lado, a digitalização vem, também, desfazer as fronteiras físicas, o que tem igualmente um impacto inequívoco no que se refere à atracção e retenção de pessoas. Observamos um fenómeno de globalização do talento, que traz novas oportunidades e a possibilidade de, por exemplo, trabalhar a partir de um país para empresas de outros países. Os processos de recrutamento estão cada vez menos associados a localizações específicas, o que é um verdadeiro game changer, mas isto traz também desafios acrescidos para organizações a operar em mercados menos atractivos e competitivos do ponto de vista salarial.

Por outro lado, que grandes oportunidades estão a surgir decorrentes desta realidade?

Em primeiro lugar, é inegável que o digital quebra barreiras geográficas, o que torna mais fácil a procura por talento a um nível global, fazendo face à escassez de talento qualificado. Além disso, uma digitalização dos negócios sustentada traz maior agilidade e ajuda a optimizar processos. Por outro lado, a proliferação de ferramentas de comunicação digital permite encurtar distâncias e promover um contacto mais eficaz e simplificado entre equipas.

De que forma o próprio negócio da consultoria em gestão de pessoas se está a tornar mais digital?

Com um mercado de trabalho tão dinâmico, é fundamental que as empresas tenham capacidade de resposta e definam estratégias para acompanhar tendências. Ora, isto é particularmente relevante para as empresas do sector dos Recursos Humanos. Na Multipessoal, há mais de três anos que concluímos que a digitalização era o único caminho e iniciámos o nosso processo de transformação.

As circunstâncias dos últimos anos vieram evidenciar que havia procedimentos muito obsoletos e ineficazes no que se refere à gestão de pessoas, e implementaram-se novas metodologias para simplificar, agilizar e optimizar processos, como a assinatura digital de contratos ou as entrevistas e onboarding, que passaram a ser online.

Por outro lado, as empresas de Recursos Humanos começaram a identificar oportunidades de atracção e recrutamento de talento através de plataformas digitais, como as redes sociais. Para além de permitir a divulgação de vagas e o contacto mais directo com os profissionais, possibilitam a implementação ou reforço de estratégias de Employer Branding.

É possível surgirem empresas nesta área, 100% digitais?

Absolutamente e, na Multipessoal, temos um perfeito exemplo disso. No ano passado, lançámos o Clan, a primeira solução de emprego 100% digital para candidatos e colaboradores, em Portugal. O Clan proporciona uma jornada online end-to-end, a partir do website clan.pt, onde os candidatos começam por se registar de forma simples e rápida, em apenas três passos. Depois, têm acesso a uma área pessoal reservada, onde podem gerir o seu perfil, aceder a ofertas de emprego e acompanhar o estado das suas candidaturas. Também os passos inerentes à fase de contratação decorrem, depois, pela mesma via: a entrega e validação de todos os documentos, a assinatura de contrato e o processo de onboarding acontecem de forma online, sem necessidade de deslocações e eliminando grande parte da burocracia (e do papel) desta fase.

Com o digital a permitir um recrutamento de profissionais sem barreiras geográficas, o termo “globalização” ganha um novo sentido?

Sem dúvida. A queda dos limites geográficos resulta em processos mais abrangentes e inclusivos, aumentando o número de oportunidades para os candidatos. Contudo, esta globalização também traz desafios de atracção e retenção de profissionais, pois as empresas já não competem apenas numa determinada geografia e ficam sujeitas a uma maior pressão para oferecerem condições de trabalho atractivas e competitivas, face à concorrência. Em países como Portugal, em que o salário continua a ser o principal factor de decisão e onde a inflação tem um profundo impacto, isto pode traduzir-se numa desvantagem para as empresas, que podem não ter capacidade de resposta.

A necessidade de formação está a aumentar com esta aceleração da digitalização?

A aceleração da digitalização tem vindo a mudar, por um lado, a forma como as empresas pensam no talento e, por outro, a forma como os profissionais encaram as suas carreiras.

Nas empresas, denota-se uma forte aposta na formação, com o objectivo de requalificar e/ou de reconverter o talento interno, para dar resposta às novas necessidades, mas também como uma oportunidade de atrair profissionais. Do lado dos profissionais, a transição para o digital tem feito com que considerem novas opções para o futuro, ao identificarem oportunidades muito atractivas nesta área.

De que forma o digital está a alterar o típico processo de recrutamento que vingou até à chegada da pandemia?

O digital veio transformar completamente os processos de recrutamento, desde a forma como se identificam candidatos, até à integração nas empresas. Plataformas como o LinkedIn ganharam mais relevo no acesso ao talento, as entrevistas de trabalho passaram a ser feitas online, e até a assinatura de contratos passou a ser digital. Os benefícios, em termos de agilidade e eficiência, são evidentes e vieram demonstrar que o típico processo de recrutamento já não faz, em muitos casos, sentido. Paralelamente, observa-se uma alteração das prioridades dos profissionais, que vêem em regimes híbridos ou 100% remotos a oportunidade de um maior work-life balance.

As empresas parecem responder bem às novas exigências do mercado. Qual o segredo deste sucesso?

Penso que o segredo foi o facto de terem encarado este contexto desafiante como uma oportunidade para se reinventar e repensarem abordagens e crenças algo desactualizadas. Num mundo cada vez mais incerto e ambíguo em que vivemos, as empresas têm de estar preparadas para lidar com a mudança e têm de ser proactivas. Se se mantiverem estanques, será mais difícil lidarem com os factores que não controlam e que, ainda assim, as afectam.

Como é que as gerações menos jovens estão a reagir a estas transformações?

Embora uma fatia significativa da população activa já seja nativa digital, ainda existem discrepâncias ao nível do acesso à tecnologia e da literacia digital, fruto de factores como a idade, contexto geográfico e até mesmo as habilitações literárias. Embora a digitalização seja um factor de diferenciação, com todas as mais-valias que aporta, ainda é vista por algumas gerações como uma vulnerabilidade ou uma fonte de insegurança, no contexto profissional. Nestes casos, é importante manter a disponibilidade para prestar todo o apoio necessário.

Na área de recrutamento e gestão de pessoas, como equilibrar a digitalização e o contacto humano?

O equilíbrio entre a digitalização e o contacto humano é essencial. Na nossa experiência, em particular com o Clan, verificamos que os recursos digitais permitem aumentar a agilidade e, consequentemente, a nossa capacidade de resposta. A tecnologia vem libertar tempo para que nos possamos dedicar quase em exclusivo a resolver os problemas e desafios dos candidatos e colaboradores, e deve ser entendida como uma ferramenta facilitadora e nunca como uma substituta das relações humanas. Acredito que o equilíbrio reside nesta premissa.

Que competências são fundamentais para as empresas?

O mundo volátil em que vivemos torna fundamental o desenvolvimento de algumas competências nas empresas. A primeira é a sua capacidade de flexibilidade para se adaptar à mudança. Adicionalmente, é fundamental ter capacidade de observação e visão. As empresas devem conhecer bem o contexto em que se inserem, considerar diferentes cenários e estar preparadas para eles. Ao mesmo tempo, devem investir numa visão de futuro, com base na inovação e na transformação digital, que lhes proporcione um posicionamento sustentável e uma vantagem competitiva a longo prazo. Por fim, é fulcral cuidar da dimensão humana, dado que são as pessoas que constituem as empresas e são elas que potenciam ou impedem um projecto empresarial.

Ser digital é uma opção, ou uma obrigação?

A transformação digital tem mudado a vida dos profissionais e das empresas. As próprias economias estão a mudar em função da tecnologia e isso traz consequências ao nível da eficácia dos processos, da competitividade, das preferências dos consumidores, do acesso a novas oportunidades e da evolução das expectativas dos profissionais.

A tecnologia é uma extensão da nossa vida, nas mais diversas vertentes, e recusar a adopção do digital é algo inconcebível. Para as empresas, pode traduzir-se na perda de competitividade, face à concorrência, e também de atractividade, face ao talento. Para os profissionais, pode resultar num entrave à progressão de carreira ou na perda de oportunidades de emprego. Diria, assim, que ser digital é mesmo a única opção.

Este artigo faz parte do Caderno Especial “Negócios 100% digitais”, publicado na edição de Junho (n.º 323) da Marketeer.

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