Movimentos Sociais e Marketing Social: a união faz a força
Por Rodrigo Oliveira, director-geral e fundador do Zyrgon Network Group
Por estes dias, emergiu nas redes sociais um vídeo de uma jovem mulher que filmou, com o seu telemóvel, o momento em que um motorista dos Transportes Urbanos de Coimbra a assediava. Ao invés de iniciar a viagem, o malfeitor dirigiu-se à única passageira do veículo para tentar concretizar o que tinha em mente. O episódio findou com a veemente recusa da jovem, mas a história reverberou pela sociedade civil e instituições levando à suspensão do motorista. Infelizmente, este não é um caso isolado. Dez dias antes, uma situação similar, no contexto do Metro de Lisboa, tinha sido igualmente denunciada num vídeo publicado nas redes sociais. Pensando nestes dois episódios, vejo esta forma sobrevivente de denúncia como um sintoma feliz do movimento #MeToo, esse grito feminista global que, desde 2017, tem inspirado mulheres de várias gerações, classes sociais e etnias, a abrirem a caixa de Pandora e revelarem a sua história de vítimas de assédio e violência sexual ao mundo.
Vivemos tempos incendiários em que a voz das minorias, dos oprimidos, dos inconformistas ouve-se com amplitude crescente e bem definida, como um megafone humano. A meu ver, somos uns privilegiados em ser contemporâneos desta época em que os ajustes de contas, as denúncias e as expressões individuais e colectivas somam forças através de movimentos sociais sem fronteiras. Por vezes, parece tudo muito excessivo e confuso, mas considero que seja tudo parte do processo desta mudança de paradigma que a nossa sociedade atravessa em vários campos – político, económico, social, ambiental. Uma mudança para melhor, digo eu, com a minha lente de lúcido optimista. O alcance humano e geográfico dos movimentos sociais, que empoderam tantas vidas, deve-se à capacidade da Internet e das plataformas digitais servirem de verdadeiras ágoras virtuais onde surgem encontros, estruturam-se organizações, agendam-se manifestações e partilham-se milhões de narrativas pessoais.
Perante esta avalanche de debates e acções colectivas em torno de temas como os direitos humanos, as mudanças climáticas ou a rejeição do sistema capitalista vigente, as marcas que desejam acompanhar os sinais dos tempos imprimem no seu ADN esta componente activista, abraçando o Marketing Social como a estratégia a seguir. Neste mundo digital, a informação e a representatividade moldam os valores dos cidadãos-consumidores que já não se fidelizam a marcas que se demitem da sua responsabilidade social. Empatia, compromisso e acção são os pilares deste novo mundo em formação para todos os que nele participam – cidadãos, empresas e instituições.
No digital, a Democracia torna-se viral
Em 2006, a activista norte-americana pelos direitos civis, Tarana Burke, fundou o Movimento Me Too, mas só 11 anos depois é que o nome ganha asas e é digitado por todos os que sentem a causa na pele e na consciência. Em 2017, a actriz Alyssa Milano apela num post de Twitter: «Se foste assediada ou abusada sexualmente, escreve #MeToo em resposta a este tweet». Foi o rastilho certeiro para que dezenas de celebridades internacionais começassem a partilhar as suas experiências, nas redes sociais, com a mesma hashtag. No universo das redes sociais, uma partilha torna-se viral quando atinge pessoas além dos seguidores de quem a realiza. Foi o que aconteceu com o movimento #MeToo, #BlackLivesMatter, #BringBackOurGirls e tantos outros.
#MeToo ganhou uma ressonância planetária e a hashtag inclusiva tem sido usada até hoje por várias mulheres, famosas e anónimas, como força motriz da união e da denúncia.
Quando grupos e organizações se mobilizam no mundo virtual, com impacto no mundo real, estamos perante o nome sonante de Activismo Digital. Muito diferente dos primeiros movimentos sociais, dos séculos XIX e XX, impulsionados pelo proletariado e sindicalismo. Hoje, o protesto político contra normas, símbolos culturais ou estruturais, já não recorre a panfletos para divulgar ideias e atiçar acções. Criam-se antes páginas, grupos, perfis e hashtags nas diversas plataformas digitais, com testemunhos na primeira pessoa integrados numa causa comum. A acção colectiva torna-se uma acção conectiva.
Uma das características dos movimentos sociais da era digital é o seu carácter de continuidade. Lembra-se do caso americano de Trayvon Martin, o adolescente negro, de 17 anos, morto a tiro por um polícia, estando totalmente desarmado? Perante a absolvição do crime, três activistas americanas iniciaram uma rede de protestos com a hashtag #BlackLivesMatter que se multiplicou pelo globo. Estávamos em 2013. Em 2020, a hashtag reverberou, novamente, pelo mundo com o revoltante caso da morte do afro-americano George Floyd.
Ambos os casos denunciam a violência policial nos EUA, um tema exemplificativo incrustado no tema abstracto do racismo estrutural. Esta é outra das particularidades dos movimentos sociais actuais que se focam em problemas sociais palpáveis de modo a implodirem o tema maior onde se enquadram. Além deste factor, as plataformas digitais também facilitam a abordagem interseccional de diferentes movimentos. O Black Lives Matter serve também de rampa de empoderamento a mulheres negras queer, contribuindo para a sua resiliência emocional.
Estes são alguns dos muitos exemplos que andam a mover o mundo para a frente. Com as plataformas digitais do seu lado, os diferentes movimentos sociais comprovam, diariamente, que Democracia não tem de rimar com Utopia.
Marketing Social, chegou o seu momento
Quando o conceito de Marketing Social surgiu na década de 70, pela mão de Philip Kotler e Gerald Zaltman, o mundo era muito diferente e, consequentemente, o universo “marketiniano” também o era. Na altura, vivia-se o Marketing 1.0. com dedicação feroz ao produto, às vendas e ao lucro. Depois, este renova-se numa versão mais consciente da sua audiência, estando mais atento ao que o consumidor sente e necessita. Neste momento, vivemos a transição deste Marketing 2.0. para o 3.0 que, não só se foca no cliente e nos negócios, como também contribui para melhorar a sociedade e o planeta – é uma estratégia de comunicação com valores e princípios dentro.
Se os tradicionalistas do Marketing achavam que temas como educação, mudanças políticas ou activismo não lhes dizia respeito, os contemporâneos já só querem saber disso. Actualmente, o foco da comunicação é o bem-estar colectivo e todos os temas que o envolvem: ambiente, saúde pública, direitos civis, feminismo, entre muitos outros. Tendo em conta que os movimentos sociais usam as mesmas tácticas de comunicação do Marketing – pesquisa de mercado, comunicação nos meios, advocacy e lobby – faz muito sentido que as marcas comuniquem, de forma transparente, com as suas audiências sobre os temas que as inspiram e emocionam, nas suas plataformas de eleição. Hoje, são os consumidores que dizem às marcas: “Diz-me que causa defendes e eu dir-te-ei quem és” e isto só pode ser bom.