Monstros da publicidade ou porque é que a realidade não é suficiente
A verdade é que a nossa pequena e particular realidade nos aborrece. Por isso somos criativos e gostamos de imaginar coisas que nos emocionem. Até hoje, vivíamos bem com isso e conseguíamos criar campanhas que interessavam e seduziam as pessoas, pela novidade, pelo mistério envolvido na produção, pelo aspiracional reproduzido nas personificações dos protagonistas. Vivíamos bem até que chegou a época em que todos somos criativos e todos temos sentido crítico.
E nesta época o cinismo parece ter substituído a admiração. A publicidade chateia. Interrompe. Repete incessantemente as mesmas ideias numa deriva vertiginosa de clichés. Reproduz realidades irrealistas, nas quais já não nos conseguimos sequer projectar, ou então mergulha numa amálgama indiferenciada de literalismos intelectualmente insultuosos.
Assim é hoje 80% da publicidade que chega até nós, convencida destas supostas virtudes no processo de persuasão e ignorante face à mudança da sua natureza intrínseca enquanto ferramenta de comunicação e que a transforma acima de tudo num instrumento de entretenimento através do qual se processam mensagens, numa lógica mais pull do que propriamente push.
A nova e excitante publicidade abre espaço para o espectador ao invés de o condicionar num espartilho semiótico. Provoca a sua resposta intelectual (e muitas vezes física), transporta-o para contextos incomparáveis com a realidade, logo sempre surpreendentes, e bombardeia-o com uma nova e desarmante ingenuidade. É isto que justifica a proliferação da “cultura dos monstros” no universo publicitário.
Os monstros, e outras personagens do maravilhoso mundo da animação que temos vindo a adoptar como se fossem animais de companhia, levam-nos para esse espaço de ninguém, onde a inocência nos desarma de preconceitos comerciais.
Funcionando como um ice breaker publicitário, levam-nos para o seu estranhamente atractivo universo, e antes de darmos por ela estamos em profundo diálogo com a marca, pouco protegidos contra a sua irracional e brutalmente empática argumentação – “sou mesmo gira, não sou?”.
É por esta altura que sorrimos e depois de um sorriso é muito difícil voltar atrás.