Miguel Krigsner: “Portugal já é o segundo mercado mais importante do Boticário”
Faz parte dos poucos grupos de cosmética que continua imune à tendência de concentração do sector. Além da expansão para novos mercados, O Boticário acaba de lançar nova marca de cosmética e de comprar uma de lingerie.
Por Maria João Vieira Pinto
Fotografia de Paulo Alexandrino
São vários os prémios que Miguel Krigsner colecciona, de reconhecimento à sua actuação. Em 2006, recebeu o prémio internacional Retalhista do Ano (The International Retailer of the Year), concedido pela Federação Nacional de Retalho dos EUA (The National Retail Federation). No mesmo ano, ganhou o “Prémio Empreendedor do Ano”, concedido pela Ernst & Young Brasil. Em 2007, foi homenageado como um dos cinco nomes mais importantes do mercado de cosméticos, na categoria “Hall da Fama”, do 15.º Prémio Actualidade Cosmética, o mais importante do sector no Brasil. No ano seguinte, foi eleito “Brasileiro Imortal”, por voto popular, e, em 2010, já após a criação do Grupo Boticário, considerado líder do sector de Higiene, Limpeza & Cosméticos, do 33.º Fórum de Líderes Empresariais. Este ano, foi condecorado pela Federação das Indústrias do Estado do Paraná (FIEP) com a Medalha do Mérito Industrial, a partir de uma indicação do Sindicato das Indústrias Químicas e Farmacêuticas do Estado do Paraná (Sinqfar).
Um empreendedor nato que começou com uma pequena farmácia, em Curitiba, e que hoje estende o seu negócio por cerca de 20 mercados. Ao portefólio acaba de juntar uma nova marca de cosmética e uma terceira, de lingerie.
Marketeer: Desde 1937, ano em que abre a primeira farmácia, até hoje, muito mudou no mercado de cosmética e no Boticário em particular. Quais as principais alterações?
Miguel Krigsner: O Boticário começa de facto em 1937 com uma pequena farmácia e, desde o início, sentimos que a vocação da empresa seria muito maior. Em 1979, abrimos a primeira loja no Aeroporto Afonso Pena, de Curitiba. Mesmo sem saber ainda que essa viria a ser a nossa estratégia – até porque a área da cosmética no Brasil era muito fechada -, percebemos que havia uma grande oportunidade em criar uma marca que respondesse ao gosto da mulher brasileira, tanto na parte de cosmética como na de perfumaria. Na altura, toda a perfumaria era importada e não tinha nada que ver com o clima ou com a mulher brasileira.
O nosso grande problema era o canal de distribuição, principalmente num país com a dimensão do Brasil e onde já tínhamos como concorrentes as grandes multinacionais que comercializavam em grandes superfícies.
A loja do aeroporto foi fundamental porque conseguimos mostrar que havia a possibilidade de se criar uma cosmética diferenciada. Tínhamos a certeza de que, se quiséssemos ter sucesso, teria que ser através do atributo qualidade, da recompra, da divulgação boca a boca… Não tínhamos dinheiro para comunicar a marca e nem havia massa crítica para o fazer. E o aeroporto foi fundamental, até pelas próprias hospedeiras, que começaram a comprar os nossos produtos na loja e a revender noutras cidades.
O Boticário começou a afirmar-se como uma “lembrança” de Curitiba.
O grande desafio era entrar no mercado conseguindo um crescimento sustentado, mas com capital de terceiros. É então que surge a ideia de se avançar com o franchising…
Marketeer: … sendo que o franchising, na altura, era bastante inovador!
Miguel Krigsner: Era bastante inovador no Brasil e ainda um pouco desconhecido. Foi necessário criar uma “cultura de franchising”, até para as pessoas perceberem o que é que ajudaria – em termos de gestão, marketing, logística – estar debaixo do guarda-chuva de uma marca.
Marketeer: O Boticário é das poucas empresas que continua a manter-se imune à concentração que tem vindo a acontecer no mercado de cosmética! Já foi alguma vez aliciado para vender?
Miguel Krigsner: Várias vezes. Só que quando se gosta do que se faz há uma grande dificuldade em abandoná-lo. O Boticário é uma empresa 100% familiar, mas com uma preocupação em ter uma gestão extremamente profissional. Hoje, no mercado brasileiro de perfumaria e cosmética, O Boticário é a maior empresa com capital 100% nacional. Outras marcas, como a Natura, já têm capital externo.
Além disso, já somos a maior franquia mundial no mercado de beleza e cosmética e somos a 8.ª maior a nível mundial dentro da área de perfumaria.
Marketeer: Um dos sonhos que tinha era afirmar O Boticário como marca global. Conseguiu-o?
Miguel Krigsner: Existe uma grande tendência de todas as marcas se tornarem globais, respeitando as características de cada local. Hoje, O Boticário tem um portefólio bastante amplo e com produtos diferentes para consumidores portugueses, angolanos ou brasileiros.
Até há muitos anos, éramos conhecidos como uma empresa de perfumes. Tivemos um grande trabalho para conquistar outros segmentos de mercado, como a maquilhagem ou tratamento. Foram passos complexos mas muito importantes para a solidificação da empresa. Porque o perfume é dos produtos onde existe menor fidelidade por parte do consumidor. A indústria de perfumaria é altamente dinâmica, há centenas de lançamentos por ano, e os próprios consumidores gostam de conhecer novidades, de experimentar. A maior fidelidade acontece com os produtos ligados à área de tratamento e skin care, onde já conquistámos um patamar importante…
Marketeer: … que patamar é esse?
Miguel Krigsner: Dentro do nosso negócio, já representa 8%. Além disso, a maquilhagem também fideliza, mas só em alguns produtos.
Marketeer: Mas até que ponto é que, mesmo com a entrada em novas áreas como a cosmética e skin care, conseguiu já afirmar O Boticário como marca global?
Miguel Krigsner: Acredito que já o conseguimos. E percebemos muito isso com o lançamento da linha Nativa Spa, que agrada a todos os consumidores nos diferentes países onde estamos. É uma linha global. Mas, não tenho dúvidas que há uma forte tendência da cosmética em tornar-se cada vez mais universal e só dificilmente é que se consegue segmentar.
O que percebemos é que certas marcas têm maior ou menor notoriedade em função dos países onde estão. Por exemplo, há marcas que na Europa estão num patamar mass market e que assumem um posicionamento premium quando chegam ao Brasil.
Marketeer: Em que mercados gostava de entrar?
Miguel Krigsner: Uma das coisas que aprendemos nesta caminhada na área da exportação foi que uma empresa como a nossa tem que se focar melhor em determinados países.
Marketeer: Nomeadamente, e no caso do Boticário, na América Latina?
Miguel Krigsner: Por exemplo. Mas, hoje, Portugal já é o segundo mercado mais importante do Boticário. São 25 anos de trabalho, em que nada foi feito ao acaso. Desde o dia em que aqui cheguei para participar numa feira, na FIL, nunca mais tive dúvidas de que deveríamos começar aqui o nosso processo de internacionalização.
Marketeer: Ainda em relação aos mercados externos, que estratégia de expansão tem actualmente O Boticário?
Miguel Krigsner: Entramos nos mercados onde percebemos que é possível fazer um bom trabalho sem grandes investimentos em comunicação.
Em mercados competitivos como EUA ou França, teríamos que ter uma grande capacidade para investir e comunicar a nossa marca…
Marketeer: … mas O Boticário está nos EUA!
Miguel Krigsner: Estamos, mas não como gostaríamos. Existe uma grande vontade de entrar noutros mercados, como o europeu… França!
O trabalho internacional, no nosso caso, é muito complexo. No nosso modelo temos um compromisso muito grande com o franchisado, com a loja. Seria muito mais fácil se pudéssemos pegar em 10 produtos e colocá-los em grandes perfumarias multimarca.
O Boticário é muito mais que uma marca de produto. É um conceito, é o atendimento, o ambiente, o serviço.
Marketeer: Há uns anos, a marca sublinhava o seu posicionamento socialmente responsável. Esse ainda é um elemento diferenciador no momento de compra? Ainda é relevante?
Miguel Krigsner: Tudo isso ainda faz parte do conceito da marca, mas percebemos que em muitos casos não pesa na decisão de compra do consumidor. Aliás, nem sei se chegou a pesar.
Continua a existir uma grande preocupação com o meio ambiente nas nossas decisões do dia-a-dia. Mas não acredito que o consumidor diga “vou comprar este produto porque ele é socialmente responsável”. Pode ser um atributo interessante, mas não é determinante. Se uma cliente não gostar de um perfume, até lhe podemos apresentar 10 argumentos, que não vai adiantar. Hoje, o consumidor já não está disposto a pagar mais por produtos que sejam, só, socialmente responsáveis.
Marketeer: Já este ano, O Boticário comprou uma marca de lingerie – a Escalina – e lançou uma nova marca de cosmética, a Eudora. O que ditou esta extensão de negócio?
Miguel Krigsner: O mercado da beleza teve, nos últimos três anos, grandes modificações. O Brasil é já, possivelmente, o segundo maior mercado do mundo na área de perfumaria e cosmética. Era o terceiro, mas este ano já passou o Japão, que estava em segundo lugar depois dos EUA.
A situação económica no Brasil mudou muito. Os consumidores passaram a ter maior capacidade de compra e um acesso ao crédito mais fácil. E o mercado de cosmética está a registar um crescimento de cerca de 12% ano…
Marketeer: … O Boticário está então a crescer acima do mercado, porque o ano passado registou um crescimento de 25%!
Miguel Krigsner: Devemos fechar 2011 com 25%. Por isso, sentimos que só dentro da marca O Boticário chegaríamos a um patamar onde o crescimento da marca seria apenas orgânico. Até porque devido às características do próprio negócio, não podíamos abrir mais de 2 mil lojas, ou começaríamos a sofrer canibalização.
O ano passado criámos o Grupo Boticário para funcionar como guarda-chuva – onde a marca Boticário seria a principal – e que nos permitiria procurar outros negócios, sempre ligados ao nosso core business, a beleza e a moda. A Eudora é uma linha totalmente diferenciada e foi lançada após dois anos de trabalho intenso para perceber a lacuna que existia no mercado. Tínhamos várias marcas e fomos procurar onde havia nichos, em que ainda não estávamos, e em que canal de distribuição poderíamos entrar.
A venda porta-a-porta é o maior canal de distribuição no Brasil. O franchising corresponde a 8-10%, mas o canal porta-a-porta ainda tem cerca de 45%. Neste canal, existem duas grandes marcas no Brasil: a Natura e a Avon. Por isso, percebemos que havia aqui uma oportunidade, desde que conseguíssemos criar uma marca que não canibalizasse O Boticário, nem criasse qualquer tipo de conflito com os nossos franchisados. Além de que não queríamos seguir os passos, nem da Avon nem da Natura, em termos de conceito de produto.
Foi um trabalho intenso.
Dois anos depois, definimos a linha que tem como objectivo atingir a mulher em vários momentos da sua vida, desde que acorde até que se deite.
Marketeer: E que já está à venda online!
Miguel Krigsner: É uma linha multicanal, que está também online. Foi uma linha muito trabalhada em blogues, flagships…
Foi lançada em Março e queremos que cresça lentamente. Até porque é um mercado totalmente novo para nós. Começou em S. Paulo e hoje já tem 14 lojas, para divulgação da marca e angariação das revendedoras. Estamos a angariar cada vez mais revendedoras, porque também aqui queremos que sejam diferenciadas face à concorrência.
Marketeer: E a moda, porquê? Não é um risco?
Miguel Krigsner: Não é moda de pronto-a-vestir, é de lingerie. Há uma tendência das marcas saírem das lojas e procurarem uma personalidade própria, ganharem autonomia, como a Intimissimi, a Hope ou a Oysho. É um movimento que a Victoria Secret começou nos EUA…
Marketeer: A Victoria Secret não tem apenas lingerie. A prazo é possível replicar esse modelo em Escalina?
Miguel Krigsner: Até podemos vir a ter uma linha de produtos de beleza Escalina, mas nunca de O Boticário.
Marketeer: Foi uma oportunidade de negócio?
Miguel Krigsner: Completamente. Há dois anos, a Escalina – que era uma empresa familiar – abriu o capital. Dentro da estratégia do negócio, queriam ter presença em franchising e lojas. Foi aí que nós entrámos, até pelo know-how que temos.
Marketeer: Em 2011, O Boticário cresceu 25%. Que perspectivas para o próximo ano? Vai manter-se em contraciclo?
Miguel Krigsner: Em Portugal fizemos – no âmbito do 25.º aniversário da marca – uma festa com todas as nossas promotoras e é interessante ver que aqui continuamos a crescer 14-15%. A questão da crise está ligada à auto-estima. As pessoas não vão deixar de investir em si, já que não vão ter dinheiro para outras coisas que queiram comprar… E a nossa é uma marca democrática, com produtos para todos os gostos.
Marketeer: A Fundação é uma das meninas dos seus olhos. Até que ponto é que a fundação é associada à marca?
Miguel Krigsner: Hoje, já há quem associe a fundação à marca. Mas sempre entendemos que uma fundação tem que conquistar o respeito através daquilo que faz. Procurámos que a fundação se distanciasse um pouco da marca para não confundir o consumidor. Não queremos que pensem que isto é marketing. Tínhamos uma necessidade grande de ter a trabalhar connosco pessoas competentes que validassem os trabalhos, e essas pessoas jamais permitiriam que o trabalho fosse feito de outra forma.