Meu terrível mês de Agosto

Nunca fui de férias em Agosto. E o que tenho eu a ver com isso?, perguntam vocês enquanto sacodem a areia da toalha estendida na praia. Tudo. Têm tudo a ver com isto se são os responsáveis por uma marca, um director de marketing, um director de comunicação ou um CEO, que querem ter em cima da secretária, quando voltarem em Setembro, uma linda e disruptiva campanha integrada, 360º, com análise de ecossistema, consumer journey e estratégia de inovação para os próximos dois anos. Por muito que eu goste de vocês meus queridos responsáveis de marca, directores de marketing, directores de comunicação e CEO, tenho a dizer-vos que nos estragaram o mês de Agosto.

Porque enquanto se deslocam para a praia, a montanha, a festa na aldeia, a bienal de Veneza, o cruzeiro ou a cadeira da varanda lá de casa, há meia dúzia de desgraçados como eu – juro, apenas meia dúzia em cada agência – que não vão de férias em Agosto e que se desdobram em múltiplos briefings e tarefas para que no dia 1 de Setembro tenham na vossa mesa o trabalho que deveria ter sido feito com mais tempo e mais recursos em qualquer outra altura do ano – excepto no Natal vá, também podíamos falar sobre isso.

Não quero dizer que nós, os que preferimos ter férias noutra altura do ano, não queiramos trabalhar. O ponto é que somos muito poucos porque, imaginem, os redactores, directores de arte, account managers, planners, social media managers e tal e tal também gostam ou têm que ir de férias em Agosto. Juntem ao vosso trabalho dois ou três concursos grandes e vão ver que o “têm um mês inteiro para trabalhar” é menos verdade do que as fake news. Este texto pode parecer pateta (e é, mas posso sempre defender-me com a silly season), mas aposto em como este meu sentimento de frustração é partilhado em todas as agências.

Não há planeamento que resista à avalancha do mês de Agosto. Podíamos atirar as culpas para o governo, que fecha as escolas e por isso temos todos de ir de férias na mesma altura. Podíamos, mas se calhar aquela campanha que vão ter em cima da secretária em Setembro só vai ser analisada em Outubro e produzida em Dezembro. E as que são realmente urgentes teriam mais atenção e dedicação de tempo da meia dúzia de pessoas que ficaram a trabalhar em cada agência em Agosto. É que, graças aos budgets reduzidos ao longo dos anos, as agências criativas com centenas de pessoas já não existem em Portugal. Estamos dimensionados para um volume normal com o ocasional esforço de new business, mas o volume dos recentes meses de Agosto é tudo menos normal. E agora estou a ouvir-vos a dizer que “é melhor isso do que não terem trabalho”, enquanto dão uma trinca na bola de Berlim com creme ou sem creme. É verdade. É melhor ter trabalho e é exactamente porque gostamos muito do nosso trabalho e porque gostamos de fazê-lo bem, com tempo e recursos, que nos sentimos tão frustrados.

Mas como o sol brilha lá fora e eu estou decidida a ser optimista, reconheço que há sempre um lado bom ou melhor dois: os freelancers facturam mais do que nunca – se também não foram de férias – e, como não há trânsito, os vinte minutos que poupo todos dias já dão para ler mais um briefing.

Por Judite Mota

CCO na VMLY&R

judite.mota@pt.yr.com

Artigo publicado na edição n.º 277 da revista Marketeer de Agosto de 2019.

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