Mesmo na era da transformação digital 1+1 pode ser – 2

Por Francisco Aires de Sousa, profissional de Marketing

No auge da tecnologia, acesso ilimitado à informação, conhecimento e técnica, estamos preparados para lidar com múltiplas situações, mas nem sempre estamos despertos para interpretar o conjugar de factores que influem para que 1+1 não seja sempre 2.

Olhamos para a história das grandes transformações e tendemos a absorver em blocos de décadas, e nem sempre atendemos às pequenas inovações que ocorreram dia após dia para se constituir um bloco meritório de ser apelidado de transformação. Hoje vivemos uma dessas contínuas mudanças englobadas numa enorme transformação, mas em que a conetividade, a informação ao segundo, a continuidade que é dada a cada inovação e a multiplicidade de caminhos diferentes nas várias geografias, geram uma aceleração hipersónica e de ambição continua. Nesta nova dinâmica o tempo de reacção é cada vez mais curto e obriga a reagir ao mais pequeno sinal.

Neste processo competitivo e rápido, a atenção não capta tudo e acima de tudo não é fácil atender a todas as dimensões a todo o momento. Se estamos a trabalhar uma transformação digital, atendemos a todos os desempenhos do sistema, à usabilidade, aos desenvolvimentos da concorrência, à sua oportunidade de mercado, e, se tudo está encaminhado, está bem! Mas pode não estar, pois, vencida a inercia tudo continua a rolar, por algum tempo…

Estudos e mais estudos, organizações mundiais do mais credível que há, fazem sair informação, notícias que lemos por alto e que alertam que em menos de dez anos a grande maioria das profissões de maior impacto e procura ainda não existem hoje. Voltamos ao software, à base de dados, aos infindáveis algoritmos que génios matemáticos estão a fazer progredir, olhamos para todo o processo e vamos antecipando algumas dessas lacunas que se vão transformar em profissões e especializações. Improvisamos com competências individuais e deixamos que criem o seu próprio espaço, mas será que é o melhor modelo? Será que estamos atentos às muitas outras profissões que estão à espreita e que até podem ser mais decisivas?

A digitalização e em especial o repentino teletrabalho que a Covid aportou, gerou dinâmicas de reacção imediata sem hipótese de projectar todas as consequências imprevistas, porque aquilo em que se evoluiu no mundo digital, também se evoluiu em comportamento e filosofia social e a grande surpresa advém da junção das duas. Assumindo que vivemos um momento de “revolução digital”, há que estar desperto para todas as áreas que estão a ser impactadas, para as suas necessidades emergentes, para a identificação de novas profissões, para a reordenação da relevância que cada tema ou função passam a desempenhar numa nova “ordem organizacional”, até porque não há empresas a salvo da transformação social.

É neste âmbito que a dinâmica empresarial tem vindo a descobrir que apesar de terem estruturas altamente competentes nas várias áreas, falta um “qualquer coisa” que as interligue e isso tem marcado a diferença e deixa o processo aquém do que foi projectado, cria anticorpos, entropias e torna o ideal em imperfeito.

Revisitamos o processo de transformação projectado e quando pensamos em mudanças na estrutura, pensamos em recursos humanos, quando pensamos em transformação digital, pensamos em tecnologia, e depois de os ter alinhados, pensamos em comunicar internamente. Mas o mundo mudou e a necessidade basilar para a transformação passou a ser a existência de uma verdadeira comunidade interna, equilibrada, transparente e confiável.

O desafio é muito complexo pela profundidade e multiplicidade dos factores de mudança, a começar pelos denominadores comuns na transição de gerações e consequente garante do futuro. Um colaborador já não se satisfaz apenas porque está a ser acompanhado e a receber formação num novo modelo de operação, a receber mais umas ferramentas que certamente lhe irão facilitar o dia-a-dia, e, muito menos, porque tudo isto está bem documentado em informação interna, portais e afins. As pessoas precisam de estar envolvidas, de fazer parte, de sentir que cada um faz a diferença e tem relevância no processo. Mas as necessidades intensificam-se quando falamos das novas gerações que cresceram num ambiente de elevada estimulação, de múltiplas opções, de procura incessante por objectivos que os preencham e cativem. São gerações com um ADN tendencialmente moldado pelo desenvolver de uma sociedade global focada na igualdade de oportunidades, no equilíbrio, justiça, liberdade e individualidade. Há que compreender os fundamentos da mudança e encontrar pontos de equilíbrio que estabeleçam pontes entre o tradicional e o novo, evitando estigmas e promovendo um espaço comum com que todos se possam identificar e estimule cada um a dar o melhor de si.

Competências hoje partilhadas entre diversas áreas, mas que espreitam em alerta daquela que deve ser uma das figuras principais para a realidade que hoje se vive e que possa acompanhar o verdadeiro ADN a cada colaborador de uma empresa. A ideia não é criar profissões só porque um qualquer artigo diz que é importante, nem porque é moda, a ideia é perceber que falta um tabuleiro de jogo, um “espaço” comum de dinamização e agregação onde se construirá e ajustará a “personalidade” do grupo e onde se afinarão os objectivos em função das necessidades específicas de cada desafio com que a empresa se depare. É este o “espaço” que marcará a sua diferenciação face ao mercado e se assuma como empresa única e dificilmente substituível, garantindo fidelização e comprometimento dos colaboradores.

A ideia é que haja de um fio condutor que interligue as competências internas, que se estruture com base no global da empresa, nos desenvolvimentos e capacitações específicas de cada área, e que integre tudo na estratégia de acção e de mobilização da comunidade interna.

Ao contrário de muitos outros desafios para os quais já existem estratégias mais ou menos testadas, a cultura de empresa, no actual cenário de transformação global, precisa de ter por base uma receita própria para cada realidade empresarial em função dos perfis de colaboradores, das preferências individuais, da localização – hábitos, costumes e carências, da combinação dos valores e da missão, mas também do histórico e dos objetivos específicos de curto e médio prazo.

Sabemos que muitas vezes “1+1” numa organização e independentemente da excepcionalidade de cada “1”, resulta em “-2”, com a criação de uma comunidade e de uma estrutura atenta que a garanta, o resultado pode ser 4!

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