Marketing de (e para) adultos

Por João Cardoso, Brand strategist no erb’s creative studio

Julgo que se as redes sociais não tivessem restrições relativas à promoção de conteúdo erotizado, assistiríamos a mais macacadas em páginas de ferragens. Não sei quanto a si, mas um anúncio atrevido com um Tirso Abantos, de Entrevías, parece-me pouco sensual. Felizmente, para nós, as normas existem.

Antes de começarmos, quero apelar à sua flexibilidade e, também pedir-lhe que pense numa marca de preservativos, brinquedos sexuais e similares. Por se tratar de um tema sensível, sinto-me na obrigação de avisar que, ao longo deste texto, não vamos falar de identidade de género. Quando falamos de sexo, referimo-nos ao acto conjugal físico utilizado para exprimir o amor, e assim. Não da identidade de cada um.

Muitas foram as grandes marcas que, ao longo da história, desenvolveram anúncios de cariz sexual. Melhor dizendo, muitas foram as marcas que recorreram a situações que julgavam despertar o desejo sexual (sex drives, em americano) para vender os seus produtos ou serviços.

Muitos foram também, os anúncios banidos. Uns por serem demasiado explícitos, outros por objectificarem a mulher, e outros, por uma série de outros motivos que não nos interessam muito para o tema.

Acredito que a filtragem da Meta, e dos seus semelhantes, nos poupe a muitas desgraças. Ainda assim, certamente existem várias PME’s a publicar piadas marotas ou a recriar anúncios da Old Spice, sem toalha…

Isto não só é prejudicial para nós (que temos de ver), como também é para as marcas que os publicam. Parece óbvio. Mas aquilo que queremos realmente saber é: Porque é que o fazem?!

Talvez nunca venhamos a descobrir.

Lembra-se de lhe ter pedido que pensasse numa marca de preservativos, brinquedos sexuais e similares? Vou arriscar, e dizer que escolheu a Control. A Control é capaz de ser uma das marcas que mais barulho gera no mundo digital e não digital. A marca que vende produtos marotos para muitos e obscenos para outros tantos tem sido um sucesso inquestionável em Portugal, sem sequer recorrer a tráfego pago nas redes sociais (pelo menos, até onde o meu conhecimento vai).

A meu ver, isto só é possível porque a marca compreende a relação entre o desejo sexual (entre duas pessoas) e a que têm com o mundo material. Ao passo que a maioria das marcas não!

Deixe-me partilhar consigo 4 autores e citações que sustentarão, em parte, o resto do monólogo (e que poderá partilhar nas redes sociais amanhã).

Zygmunt Bauman, sociólogo, disse que na modernidade líquida, a certeza é um luxo e, a verdade torna-se uma questão de perspectiva.

Jean-Jacques Rousseau, filósofo político, concluiu que o Homem (entenda-se ser humano) nasce livre, mas vive acorrentado.

Jean Paul Sartre, filósofo existencialista, disse que, uma vez que a liberdade explode na alma do Homem (referindo-se, também ele, ao ser humano), os deuses nada podem fazer contra ele.

Jordan Peterson, psicólogo clínico, disse que a Felicidade não é um estado constante. É o equilíbrio na batalha pela auto-realização.

Apoiado nas obras destes seres, chego à conclusão de que existem, pelo menos, 4 buscas sisifistas às quais estamos condenados. E que, ao mesmo tempo, são, também elas, essenciais à nossa sobrevivência enquanto espécie.

A certeza absoluta, a independência plena, a liberdade completa e a Felicidade pura.

Digo sisifistas porque, à partida, nunca atingiremos nenhuma delas. Pelo menos, não de forma integral e constante. Encontrar certezas absolutas, significaria pôr fim ao desenvolvimento de novo conhecimento. Conseguir a independência plena, significaria pôr fim às relações. Conquistar a liberdade completa, significaria viver num mundo sem lei, onde tudo seria possível (o que seria fantástico, se toda a gente se respeitasse). Posto isto, não me parece possível perseguir a Felicidade, nestes termos. O que quer dizer que, à partida, disciplinas como o Branding ou o Marketing seriam praticamente desnecessárias. Uma vez capazes de tudo e preenchidos totalmente, não precisaríamos de novos produtos nem serviços. Portanto, não precisaríamos de empresas nem marcas. Se quero uma cadeira, faço-a eu. Uma faca de cozinha? Também safo. Enfim, acho que já percebeu a ideia.

Apesar de partilhar várias vezes que somos (de uma forma geral) focados em resultados, e que é impossível apreciarmos a 100% o percurso, compreendo que é a instabilidade do percurso que nos permite continuar a fazer seja o que for. As pessoas, como diz Bauman, querem correr, não chegar (excepto se for para ir ao café ou a uma festa chique…aí só queremos mesmo chegar, até porque a corrida gera suor, o que pode provocar algum desconforto).

No fundo, tudo se resume à personalidade. A receita perfeita é diferente. Constitui estes 4 ingredientes, mas as quantidades são diferentes para cada um de nós, ainda que os valores sejam muito próximos em todos (esta até a mim me baralhou).

Aprender a viver com a incerteza, aceitar que não precisamos de estar sozinhos e compreender os limites da liberdade (não diga que não existem, porque se não amanhã chega a casa e estou sentado no seu sofá) são factores imprescindíveis para alcançar a Felicidade (uma e outra vez). Por influência do meu amigo José Carlos Pereira, possivelmente dos melhores especialistas em vendas do país, tenho-me vindo a dedicar mais ao estudo do estoicismo. E, então, voltando ao tema central (sexo), encontrei Lúcio Séneca, um filósofo estoico, que disse:

Os sentidos arrefecem assim que atingem o ponto de fervura. O volume de prazer sensual não é grande, e assim ele enche-se rapidamente, o prazer transforma-se em saciedade e a animação original torna-se monotonia e indolência.”

É a ansiedade que antecede uma relação, que nos estimula e faz querer proferir um “acho que estou apaixonado”, estar com a pessoa todos os dias, comprar prendas e pagar jantares. É a ansiedade que antecede o novo iPhone, que nos faz querer comprá-lo. Quantos casamentos “morrem” após a fase de euforia? Bastantes. E quantos “morrem” por demasiada euforia? Bastantes também (não precisamos de dados científicos, só de senso comum). Se a Apple só lançasse um produto de 5 em 5 anos, talvez a sua relação com a marca esmorecesse. O mesmo aconteceria se lançasse produtos novos todos os dias.

Permita-me fazer a primeira analogia útil deste artigo (e, talvez, da minha vida). Imagine que estamos encarregues de regular o som de uma festa, com recurso a um equalizador. Se colocarmos todos os valores no máximo, vamos dar cabo das colunas e irritar um bocadinho as pessoas (aka audiência). Se estiverem todos no mínimo, não usamos as colunas e aborrecemos toda a gente.

O estado de euforia exagerada (valores ao máximo), resultará em demasiada ansiedade para ser gerida, o que poderá terminar com um burnout (ou similar). O estado de inactividade (valores em zero), resultará em aborrecimento extremo por falta de estímulos, o que levará a uma depressão (ou algo assim).

Nenhum dos fins me parece positivo.

Por outro lado, o equilíbrio entre os dois, seguido de um pico de euforia e um declínio de inactividade, já me parece mais viável e condicente com a perspectiva, de relações e lançamento de produtos, anteriormente apresentada. E isto é válido tanto para nós enquanto pessoas, como para as marcas (isto, se for verdade que as queremos humanizar).

O lançamento de novos produtos é iniciado por um período de excitação (onde começa o desejo), seguido de um pico de euforia (a compra) e de um período refratário (a utilização).

No que respeita o sexo e à sexualidade, parecemos compreender isto de forma natural. Vivemos a incerteza no desejo, sabemos que precisamos um do outro, compreendemos os limites da liberdade e rumamos à Felicidade e à conquista do momento de euforia. Na comunicação, grande parte das marcas salta etapas. Querem passar à euforia sem passar pelo desejo (se é que me entende).

Mas como disse Ricardo Araújo Pereira: “A descrição do sexo consegue ser sempre mais compensadora do que o próprio sexo”.

A Control conta uma pequena história todos os dias. Na minha percepção, uma história positiva e inclusiva que utiliza a sexualidade, o sexo e o mundo material, para promover a universalidade, como disse recentemente a Patrícia Nunes Coelho, directora de Marketing da marca.

A história que envolve a comunicação de um produto pode criar uma marca interessante e positiva ou desprezível e, claro, negativa.

Antes de se atirar para as piadas marotas, pense nisto: Que história é que a sua marca conta? Uma comédia romântica, ou a anedota do Joãozinho e do preservativo?

Atente à segunda parte para informações mais científicas sobre o tema.

Muito em breve, na sua revista favorita (online).

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