Marketing com propósito: como podem as marcas ajudar os consumidores na resiliência económica e criar laços a longo prazo?
Por Diego Costa Pinto, director do Nova Marketing Analytics Lab
Contexto: Consumidores e a Resiliência Económica em Portugal
Actualmente, vivemos num contexto de pós-pandemia e de crises sucessivas que têm colocado em causa as acções das principais marcas e afectado os consumidores de países economicamente mais vulneráveis como Portugal. Contudo, apesar deste contexto parecer negativo à primeira vista, a possibilidade de desenvolver o chamado marketing com propósito pode ajudar os consumidores nesta altura de recessão económica e desenvolver laços de longo prazo entre os consumidores e as próprias marcas.
O marketing com propósito tem crescido, recentemente, como uma alternativa para as empresas contribuírem para a sociedade através dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), em especial, sobre o primeiro objectivo das Nações Unidas, relativo à Erradicação da Pobreza. No entanto, apesar deste tema ter algum potencial de desenvolvimento, nomeadamente ao nível da sustentabilidade e do desenvolvimento económico, surpreendentemente é um tema de que ainda se fala pouco.
Neste sentido, e face ao contexto actual, ajudar os consumidores no tema da resiliência económica pode ser muito positivo para as marcas, na medida em que desenvolve relacionamentos mais próximos dos consumidores e não apenas comerciais. De facto, quando o consumidor vê as marcas como um parceiro próximo – e não apenas um parceiro de negócios – isso pode melhorar o relacionamento do consumidor com a marca a longo prazo. Procurar relacionamentos de longo prazo com o consumidor e auxiliá-los em todas as situações, inclusivamente as “menos boas”, pode deixar os consumidores e as marcas mais resilientes a períodos mais desafiantes economicamente.
Mas então como podem as marcas ajudar os consumidores na resiliência económica através do marketing com propósito?
Um estudo realizado pelo Nova Marketing Analytics Lab indica que as causas do sobre-endividamento e os factores de risco da pobreza entre as famílias portuguesas estão divididas em três principais clusters: famílias com baixo rendimento (31,27%), famílias com má gestão de crédito (37,40%) e famílias afectadas pela crise ou desemprego (31,33%).
Nota-se que a maioria dos casos de sobre-endividamento entre as famílias portuguesas refere-se à má gestão de crédito (37,40%). Isso quer dizer que factores como a renda per capita, taxa de esforço de créditos (ex: habitação) e o desemprego podem afectar, e muito, os consumidores portugueses nesta altura. Um exemplo é que um dos principais problemas relatados como causa de dificuldade financeira é o aumento de membros da família, aumento das despesas domésticas (ex: supermercado, água, energia, telecomunicações) e flutuações no mercado de trabalho (ex: desemprego, perda de rendimentos).
Mais recentemente, tentámos também perceber junto dos consumidores portugueses “Como as marcas portuguesas estão a ajudar os consumidores na resiliência económica?”. A amostra deste estudo foi composta por 303 consumidores portugueses com idades compreendidas entre os 20 e os 60 anos, seleccionados através de uma amostra estratificada de faixas etárias, género, distrito de residência e ocupação, residentes nos 18 distritos de Portugal ou nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira e com acesso à internet. As entrevistas foram realizadas online pelo Nova Marketing Analytics Lab no início de Setembro de 2022.
No geral, os consumidores portugueses percebem que as marcas locais estão menos interessadas que as marcas europeias e mundiais com a resiliência económica (ver Figura 1). Além disso, 13,2% dos participantes não conseguiram associar nenhuma marca portuguesa com o conceito da resiliência económica, o que pode indicar que ainda há espaço para as marcas portuguesas fazerem marketing com propósito e auxiliar os consumidores na resiliência económica.
Figura 1 – Marcas e Resiliência Económica (Fonte: Nova Marketing Analytics Lab, 2022)
Nota: Os consumidores foram questionados sobre a percepção das marcas portuguesas, europeias e mundiais numa escala de 0 a 10: em que 0 representava “nada interessada/preocupada” e 10 “extremamente interessada/preocupada” com a resiliência económica dos consumidores.
Importante referir também que a resiliência económica é um tema que ainda divide os consumidores. Por um lado, os resultados indicam que este tema é mais sensível para as mulheres e para os consumidores jovens 30-39 anos, que se sentem mais vulneráveis e que as marcas estão a fazer menos por eles. Por outro lado, alguns consumidores sentem-se menos afectados e pensam que as marcas estão mais preocupadas com a resiliência económica: é o caso dos homens, com idade entre 60-69 anos, e os que possuem cargos de gestão.
Então o que empresas como a Deco, a EDP, o Grupo Sonae, a Galp e o Continente têm em comum?
Este estudo mostra que nem tudo está perdido, pois para 8 entre 10 consumidores entrevistados algumas marcas portuguesas (indicadas de forma espontânea) estão a fazer um esforço para ajudar os consumidores no tema da resiliência económica. Neste caso, as cinco marcas mais associadas livremente com a “resiliência económica” pelos entrevistados foram a Deco, a EDP, o Grupo Sonae, a Galp e o Continente. As marcas em questão, de acordo com o que foi possível apurar, têm oferecido aos clientes soluções alternativas para a crise, seja através de descontos ou pacotes promocionais oferecidos aos clientes, em troca da sua fidelidade. Isso pode ajudar os consumidores na resiliência económica, reduzindo o impacto do aumento das despesas domésticas e eventuais perdas de rendimento.
É importante salientar que outras empresas também estão no radar dos consumidores portugueses como marcas que podem auxiliar na resiliência económica, conforme a nuvem de palavras a seguir:
Nota: Os consumidores atribuíram de forma espontânea a escolha das marcas associadas com a resiliência económica, numa pergunta aberta. O tamanho do texto indica as marcas mais citadas na nuvem de palavras.
Todos os relacionamentos próximos são então positivos? Quais os cuidados a ter em relação aos avanços tecnológicos e interacções demasiado próximas?
Actualmente, muitas marcas têm utilizado a tecnologia – neste caso a inteligência artificial (IA) – para interagir e tornarem-se mais próximas dos clientes.
Obviamente que a IA reformulou as experiências dos clientes em todo o cenário de serviços, influenciando como compramos, entretemos, trabalhamos e até comemos. Contudo, enquanto a maioria das empresas vê a IA como uma importante fonte de inovação, a ascensão do uso da tecnologia na interacção entre consumidores e empresas também tem sido motivo de apreensão para os consumidores. Os estudos que realizámos recentemente indicam que, mesmo quando a IA não interfere directamente no serviço ao cliente, a sua mera presença pode ser prejudicial aos sentimentos do consumidor e dos funcionários, gerando receios ao consumidor e a impressão de que a relação não é assim tão benéfica.
Além disso, é importante salientar que nem sempre os relacionamentos próximos são totalmente benéficos para a marca. Por exemplo, um outro estudo que realizámos no contexto de serviços em Portugal (ex: hotelaria, restauração) demonstrou que a proximidade de interacção interpessoal, apesar de criar laços sociais próximos com os consumidores, pode aumentar comportamento de cancelamento dos clientes e reduzir futuras compras, pois têm tendência maior para cancelar as reservas. Isto porque, quando a marca está próxima demais dos clientes, os clientes podem reduzir as obrigações “morais” com a empresa, aumentando assim o comportamento de cancelamento (ex: “sinto que esta marca é como um amigo para mim, portanto está tudo bem se eu cancelar a reserva”).
Conclusão
Em suma, pode concluir-se que, no geral, ajudar os consumidores na resiliência económica pode gerar laços mais fortes com as empresas, criando hábitos de consumo que podem ser fortalecidos a longo prazo e beneficiar ambos, gerando maior economia para os consumidores a curto prazo e também mais lucro para as empresas no futuro. Claro, há sempre alguns cuidados a ter nestas relações, para evitar o uso excessivo da tecnologia, como no caso da IA ou de relacionamentos demasiados próximos, para minimizar os efeitos negativos e potencializar os efeitos positivos da proximidade entre empresas e consumidores.