«Marcas que se apressarem a apresentar produtos de origem vegetal estarão em vantagem»

Janeiro é sinónimo de Desafio Vegetariano, ou seja, apelo a que os portugueses tentem mudar os seus hábitos alimentares no sentido de adoptarem uma dieta à base de vegetais. Para promover esta mudança de vida, a Aliança Animal, que detém a marca Desafio Vegetariano, lançou aquela que garante ser a maior campanha do género em Portugal.

Com a ajuda de investimento anónimo, a organização sem fins lucrativos pensou uma campanha multiplataforma, com presença em posições da JCDecaux e Espaço Exterior a nível nacional, divulgação em imprensa, plataformas digitais e redes sociais, nomeadamente através de uma parceria com influenciadores e figuras públicas como Rita Blanco, António Raminhos, Sandra Coias, Heitor Lourenço, Zé Manel ou Lena D’Água. “Comece a mudar o Mundo ao pequeno-almoço – Nunca foi tão delicioso reduzir a pegada ecológica” é o mote do trabalho publicitário.

Quem aceitar o desafio pode inscrever-se online e, assim, ter acesso a receitas, informação actualizada sobre o tema, um portal com parceiros que promovem e comercializam produtos 100% vegetais e, ainda, um grupo privado de apoio com uma equipa de nutricionistas e mentores. Neste momento, mais de 13 mil pessoas já se inscreveram no Desafio Vegetariano.

Elisa Nair Ferreira, coordenadora da campanha Desafio Vegetariano 2021, explica à Marketeer que, por vezes, as pessoas até querem experimentar e alterar os seus hábitos mas que o ritmo acelerado do dia-a-dia faz com que a mudança seja «algo que tendemos a bloquear ou a adiar porque simplesmente nos falta informação actualizada, porque parece muito difícil ou até porque somos muito apegados aos sabores tradicionais».

A responsável adianta ainda que este não é apenas um desafio para a população em geral e que há também oportunidades para as marcas e negócios. Prova disso mesmo é o interesse que gigantes como Unilever, Nestlé ou McDonald’s já demonstraram, investindo em novos produtos que respondam a esta tendência.

Por cá, os dados fornecidos pela empresa HappyCow apontam para um aumento de 514% no mercado de alimentação vegetariana e vegana entre 2008 e 2018. Também em Portugal, o número de lojas e/ou restaurantes com esta vertente passou de 28 para pelo menos 172 no espaço de uma década.

O que levou a Aliança Animal a lançar uma campanha para promover o Desafio Vegetariano?

A Aliança Animal é uma organização sem fins lucrativos, criada em 2017, que se dedica a trabalhar com a sociedade no sentido de incrementar o respeito por todos os animais, trabalhando em três dos pilares mais essenciais de todas as sociedades: nas áreas da Educação, do Direito e, especialmente, da Alimentação.

Nos tempos que correm, sabemos da urgência de revermos o nosso comportamento enquanto consumidores e produtores, seja pela nova consciência do que os animais passam para chegar ao nosso prato, dos benefícios de uma alimentação de base vegetal para a nossa saúde, de questões de justiça social, ou dos efeitos nocivos que a indústria pecuária tem na sustentabilidade do nosso planeta.

Sabemos também que as pessoas, no seu íntimo, concordarão com estes valores, mas também sabemos que reflectir sobre o nosso comportamento e implementar mudanças na vida diária, que hoje corre a alta velocidade, é algo que tendemos a bloquear ou a adiar porque simplesmente nos falta informação actualizada, porque parece muito difícil ou até porque somos muito apegados aos sabores tradicionais.

Nesse sentido, concluímos que a solução passaria por levarmos informação sobre a alimentação de base vegetal ao máximo de pessoas, com uma abordagem acolhedora, fornecendo todo o apoio necessário, como receitas tradicionais portuguesas, informação nutricional, desconstrução de mitos instalados, etc., para que a experiência ou mudança de hábitos alimentares seja fácil, simples, e muito saborosa, e é isso tudo que o Desafio Vegetariano representa, pelo que faz todo o sentido direcionarmos toda a nossa energia numa mega Campanha que o promova.

É a primeira vez que criam uma campanha para esta iniciativa?

Promovemos o Desafio Vegetariano ao longo de todo o ano, e, aproveitando a força das resoluções de Ano Novo, a vontade que todos temos para mudar e fazer algo melhor, lançamos todos os anos em Janeiro uma campanha mais forte, mas é a primeira vez que criamos uma campanha com esta visibilidade, capacidade e alcance, fruto da construção de alguns anos que nos valeu a confiança de novos apoiantes experientes, como a Alma Mater, e de um grande patrocinador anónimo que acredita na urgência da alteração dos nossos hábitos alimentares e na nossa capacidade de trabalho cordial e eficaz.

Esta é mesmo maior campanha de comunicação sobre alimentação vegetariana em Portugal?

Sem dúvida! Para além do Desafio Vegetariano, já existem em Portugal muitos bons projectos que promovem a alimentação vegetariana, mas esta campanha de 2021 é a maior e a mais especializada que já aconteceu.

Qual é o conceito da campanha?

Estando a abordagem de cordialidade e positividade naturalmente definida pelo modus operandi da associação, o primeiro passo para a construção do conceito da campanha foi definir qual ou quais os argumentos mais eficazes para colher a atenção e simpatia das pessoas, e, consequentemente, mais resultados.

Segundo a evidência científica relativa às alterações climáticas, o Mundo precisa urgentemente de mais vegetarianos. A nossa missão é conquistá-los – pelo estômago e pelo coração. A maior parte das pessoas tem medo de mudar de alimentação por não saber por onde começar. Queremos ajudar as pessoas a entusiasmarem-se a experimentar uma alimentação de base vegetal.

Sabemos que as questões éticas relacionadas com a exploração animal são as mais difíceis de enfrentar e digerir e que o argumento da saúde, infelizmente, ainda não tem força suficiente para tocar todas as pessoas. Então, foi quase automática a decisão de investirmos no casamento de dois argumentos de aceitação actual generalizada: o ambiente e o sabor, convidando cada pessoa a mudar na medida que consiga em cada momento, ao seu ritmo, rejeitando a ideia do “tudo ou nada”.

Fechámos, então, o conceito final: “Comece a mudar o mundo ao pequeno-almoço. Comece a mudar o mundo em casa, à mesa. Comece a mudar o mundo ao almoço, em pequenas doses. Comece a mudar o mundo no prato, uma garfada de cada vez. Comece a mudar o mundo um dia a seguir ao outro, todos os dias, durante um mês, no desafio vegetariano. É simples, grátis e muito saboroso. Nunca foi tão delicioso reduzir a pegada ecológica.”

Foi desenvolvida internamente ou em parceria com uma agência?

Ao longo dos anos, fomos reunindo voluntários alinhados com a postura e objecto da associação, com capacidade profissional de trabalho e dedicação à causa, entre os quais a designer Vera Ferreira, que é a responsável pela criação do logótipo do Desafio Vegetariano e modernização do look & feel do projecto. Por sua vez, a Vera desafiou a sua colega Cristina Falcão, a copy com quem trabalha profissionalmente, simpatizante da causa, a abraçar este projecto e, juntas, concretizaram o conceito e criaram a Imagem e da nova campanha.

O filme oficial foi da responsabilidade do realizador João Veloso, que também coopera como voluntário na Aliança Animal, e a publicitação da campanha é que foi conduzida pela agência de publicidade Alma Mater, gerida pelo nosso caríssimo Jorge Martins, que agora também já faz parte desta grande família!

Porquê a aposta em influenciadores digitais? Como foram escolhidos?

Parte da campanha foi realizada fora das redes sociais, mas a grande aposta foi nos meios digitais, tanto por actualmente serem meios que fazem parte do dia-a-dia de milhares de pessoas, especialmente dos mais jovens, mais sensíveis e permeáveis à mudança, como pelo infortúnio que estamos a viver, derivado da pandemia, que nos força ao confinamento e, portanto, a conviver através das redes. Então, faz todo o sentido convidar influenciadores digitais que têm naturalmente uma plataforma de comunicação com muitas pessoas.

A sua selecção foi feita com base na abertura ideológica de toda a campanha: desde pessoas conhecidas que já são veganas ou vegetarianas a simpatizantes da causa, pessoas que, não sendo totalmente vegetarianas, acreditam na importância de reduzirmos o consumo de produtos de origem animal – todos podemos contribuir para esta mudança porque a sustentabilidade do nosso planeta é uma questão que diz respeito a todas as pessoas e não apenas a vegetarianos e veganos.

Este mercado representa uma oportunidade de negócio para as marcas? De que forma?

Não se sabe ao certo o número de vegetarianos no Mundo ou em Portugal, mas há indicadores fortíssimos de que esse número não pára de crescer. Lá fora, o Veganuary, o movimento do Reino Unido que apadrinhou o Desafio Vegetariano Portugal, não tem parado de crescer e de impressionar.

Em 2019, 250 mil pessoas de todo o Mundo registaram-se no site. Em 2020, o número aumentou para 400 mil inscrições e, este ano, já bateu o record de 500 mil pessoas que decidiram começar 2021 sem produtos de origem animal no prato.

Por cá, a campanha, que teve início a 17 de Dezembro, conta já com cerca de 13.000 pessoas inscritas a fazer o desafio, contando chegar às 15.000 até final do mês, três vezes mais que em Janeiro de 2020.

Portanto, estamos a falar de muitos milhares de consumidores de produtos 100% vegetais, logo, de um mercado em plena expansão. Os gigantes do mercado mundial, como Unilever, Nestlé, McDonald’s, Danone e muitos outros, beneficiando do serviço dos melhores profissionais e de estudos de mercado de confiança, começam a apostar cada vez mais em produtos veganos: criam, compram e fazem parcerias com empresas com este tipo de produtos.

Assistimos a uma verdadeira revolução na alimentação! Assim sendo, com os olhos postos no futuro, as marcas que se apressarem a apresentar os seus produtos também de origem vegetal estarão em franca vantagem junto da sua concorrência. Por outro lado, fora os efeitos da pandemia, pequenos e médios empreendedores estão a dedicar-se à criação de negócios apenas com produtos veganos, com produtos interessantes de muita qualidade e que são um excelente exemplo a seguir.

Como avaliam a adesão e interesse das marcas em Portugal neste sentido?

A adesão e interesse das marcas em Portugal, apesar de inferior a outros países, é francamente boa! Sem me querer repetir, estão a surgir muitos pequenos negócios com produtos 100% vegetais, como queijos e enchidos vegetais, pastelaria tradicional, salgados, etc. e muitos outros produtos de cosmética, de limpeza, roupas, que merecem igualmente a nossa atenção pelo impacto que têm no ambiente e na vida dos animais.

Depois, é notório o aumento de novos produtos nas prateleiras das médias e grandes superfícies. Apesar de a oferta ainda ser limitada, já encontramos produtos vegetais das grandes marcas. Há manteigas, bebidas vegetais, natas, iogurtes, gelados, queijos, hambúrgueres, enchidos, substitutos de carne e peixe, etc., tudo 100% vegetal, e já começa a haver também das linhas de marca própria dos supermercados, desde o Lidl ao Continente, Aldi, Pingo Doce e, especialmente Auchan, com os mesmo produtos a preços mais acessíveis.

Um dos trabalhos que também fazemos é prestar consultoria e soluções às empresas que queiram apostar neste tipo de produtos, oferecendo a nossa experiência, know-how e conhecimento privilegiado dos produtos, das possibilidades de receitas e, especialmente, do público.

Como olham para a evolução do vegetarianismo/veganismo em Portugal nos próximos anos?

Somos completamente optimistas! Portugal não fica atrás dos restantes países. Podemos demorar mais um bocadinho, mas quando abraçamos uma mudança não brincamos em serviço! Face aos números que o Desafio apesenta, triplicados de um ano para o outro, aos números disponíveis de alguns estudos, e à resposta da iniciativa privada e até dos órgãos públicos, tudo indica que a evolução vá ser cada vez mais rápida.

De acordo com o estudo mais recente da Nielsen para o Centro Vegetariano (Setembro de 2017), o número de vegetarianos quadruplicou em dez anos. Cerca de 120.000 pessoas seguem uma alimentação vegetariana, das quais pelo menos 60.000 serão veganas. Mas estes são dados bastante desactualizados, uma vez que o verdadeiro boom do mercado se deu de 2018 a 2021, contando com a força do consumo dos flexitarianos, isto é, pessoas que, não sendo vegetarianas, têm preferência por alimentos de origem vegetal.

De notar que, desde 2015, a nossa Direcção-Geral de Saúde criou já quatro guias de orientação para uma alimentação estritamente vegetariana, inclusivamente dedicados à idade escolar, garantindo que uma alimentação de base vegetal pode ainda ser mais benéfica e é segura em qualquer fase da vida, de qualquer grupo, culminando na aprovação da Lei n.º 11/2017 de 17 de Abril, que estabeleceu a obrigatoriedade de existência de opção vegetariana nas ementas das cantinas e refeitórios públicos.

Que desafios antecipam?

Ora, apesar de optimistas, somos também realistas, ou não conseguiríamos dar resposta adequada à sociedade. Claro que haverá também dificuldades a ultrapassar.

Da parte dos consumidores, os desafios serão os actuais: continuar a informar cordialmente as pessoas e apresentar-lhes bons produtos a preços acessíveis, quebrar estereótipos, preconceitos, mitos e medos, especialmente nas faixas etárias mais velhas e nos meios mais rurais, cuja economia local ainda depende muito da exploração animal.

Com os pequenos produtores será necessária uma especial compreensão e apoio, das organizações que promovem o vegetarianismo e o bem-estar animal e até do erário público, para que possam acompanhar gradualmente a mudança sem que isso afecte negativamente a vida e economia das pessoas, o que passará, por exemplo, pela criação de propostas de projectos, apoios e sanções positivas, para uma transição de maior investimento nos seus produtos agrícolas, em que Portugal é riquíssimo, desde as hortícolas e frutas, às leguminosas, aos frutos secos, etc.

Já da parte dos grandes produtores, esperamos até mesmo a possibilidade de termos de lidar com respostas agressivas do lobby da indústria pecuária, como já aconteceu com a campanha “Let’s Talk About Pork From Europe”, o que é perfeitamente compreensível, nos casos dos que não estejam a acompanhar a mudança. Então, aqui, a nossa proposta é que sejam criadas pontes de diálogo e de trabalho, soluções razoáveis, rumo à inevitável mudança de paradigma e hábitos de consumo. O que não podemos alimentar são as actuais lamentáveis guerras de opiniões polarizadas que destroem o bem-estar e a confiança, tão fundamental para uma sociedade se desenvolver de forma saudável.

Se durante séculos os percursores da mudança se arriscavam contra os paradigmas de granito instituídos, e eram necessárias décadas ou séculos para a vitória de novos valores, hoje assistimos a uma transformação a uma velocidade tal que os mais incautos não têm tempo de a apreender e de se adaptar. Então, há que estar muito atento para se fazer as apostas certas. Há que saber distinguir um mero fenómeno, das mudanças que vêm para ficar e revolucionar o sistema como o conhecemos.

A História leva o seu tempo, mas é tudo menos estática. Afinal, trata-se da maior revolução da História.

Texto de Filipa Almeida

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