Marcas devem comunicar? Sim, mas há cuidados a ter
O perigo de não comunicar pode ser maior do que o perigo de falar com o público e mostrar que se está ao seu lado. Pedro Tavares, CEO & partner da OnStrategy, considera que as marcas devem assumir uma atitude activa, ainda que cuidada em relação ao que é dito ou feito.
Em entrevista à Marketeer, o responsável sublinha que não é boa ideia fingir que o novo coronavírus não existe e que o Mundo tal como as pessoas o conhecem não está virado do avesso. A consequência? Uma recuperação potencialmente mais lenta.
Numa altura de crise como esta, as marcas devem remeter-se ao silêncio ou, por outro lado, comunicar?
Mais do que uma oportunidade de comunicar, que seria até ofensivo, este é um momento em que as marcas devem comunicar e ser agentes de promoção da educação e do próprio bem-estar de todos e de cada um.
Indo um pouco mais além, nestes tempos extraordinários, e porque as marcas são o principal activo das organizações, os gestores para além das preocupações em comunicar ou não devem ter entre as suas prioridades o grande desafio de repensar o futuro das suas marcas e, para isso, têm a oportunidade de analisar e reflectir sobre as suas debilidades identificando os indicadores de gestão e apurando os impactos nos mesmos (antes, durante e depois da crise); o research e a monotorização dos vários indicadores provavelmente nunca foram tão importante e não colocar algum foco neste tema assumindo que a “prioridade é outra” pode constituir um erro cujo impacto se vai traduzir numa recuperação mais lenta e provavelmente mais táctica do que estratégica (provavelmente por vias de preço e de promoções).
Se a opção for comunicar, o que deve ser dito? Quais as temáticas e tom a adoptar?
Neste momento, o foco não está em promover intenção de compra, mas sim na dinamização da relevância das mesmas nesta fase; o tema de fundo neste momento não é vender, mas sim oferecer e partilhar. É verdade que os temas de comunicação são diferentes; enquanto antes se falava no produto, agora é um momento para promover o serviço e a cidadania. E são as marcas com maior relevância e força que são capazes de aliar estas dimensões e juntar-lhes também detalhes de inovação tanto ao nível do serviço como da cidadania.
E de que forma deverão fazê-lo? Quais são os suportes mais indicados e quais aqueles a evitar?
A melhor resposta a esta questão passa por identificar quem são os stakeholders de cada marca (não apenas os clientes ou não clientes) e sobretudo como é que cada um acede às fontes de informação e de relação com as marcas. Apesar de cada sector ter as suas particularidades e diferenças, creio que pode ser um bom ponto de partida considerar aquilo que baptizamos por diferentes gerações – e cujo quadro referente a Portugal pode ajudar a responder – e em que os meios digitais e tradicionais (que voltam a ganhar um peso muito relevante) constituem o foco.
Nota-se já alguma mudança de comportamento nas marcas em Portugal?
Estamos ainda numa fase de perceber o que está a acontecer a cada dia que passa e tudo muito focado na resposta emergente e de curto prazo.
Muitas marcas estão clara e correctamente a promover a educação e o próprio bem-estar de todos, mas reforço o alerta para o imperativo de controlar estrategicamente os impactos que a força das marcas está a sofrer e vai sofrer em diferentes dimensões. Umas são internas, controláveis e influenciáveis (relação, reputação, experiência, presença no mercado, pessoas e saúde financeira) e outras externas, que as marcas não controlam e que as impactam e influenciam (ambientes político, económico e social) – muitas vezes, porque não são questões controláveis são preteridas e não consideradas, ou pelo menos pouco consideradas, no planeamento e gestão de marca.
A crise que atravessamos tem origem exactamente no âmbito externo e que, tendo começado pela via social, o impacto é global e transversal às três tipologias de ambiente referidas. Esta crise tem origem exactamente no território que as marcas não controlam nem influenciam. Mais: não se trata de uma crise local em que potencialmente as marcas internacionais e globais estariam mais protegidas, trata-se de uma crise global e apenas as marcas mais fortes (e não apenas as que têm melhor notoriedade e/ou reputação) vão ser capazes de responder à crise e ultrapassar melhor este momento. É bom ter em mente que todas as marcas (mais ou menos fortes) são afectadas.
Não é por isso estranho que a CMVM, em linha com os guidelines da ESMA, tenha publicado recentemente um conjunto de recomendações onde refere que “os emitentes devem, em linha com as recomendações da ESMA de 11 de Março, e de acordo com as regras sobre abuso de mercado, divulgar logo que possível toda a informação relevante sobre os impactos do COVID-19 no seu negócio, situação financeira e desempenho económico”.
Texto de Filipa Almeida