Kafka devia ser português
Por Paula Santos, directora criativa do Omnicom Creative HUB
O nosso País tem um nível de burocracia e de mau serviço a cliente que tenho a impressão de que Kafka se inspirou em nós quando escreveu “O Processo”.
Nos últimos meses tive várias questões a resolver com três grandes empresas do nosso mercado: telecomunicações, grande superfície de electrodomésticos e fornecedor de energia.
Para o caso não interessam o nome das marcas, porque tenho a certeza de que casos semelhantes podiam acontecer a qualquer um e em qualquer grande marca do nosso País.
Nos três casos, questões de resolução simples e básicas, transformaram-se em processos desnecessariamente morosos, desgastantes e… hilários, não fosse o meu desespero a tentar resolvê-los.
A empresa de telecomunicações obrigou-me a cinco visitas à loja para alterar o nome que constava na minha fatura, porque “não tinham o meu contacto”.
A empresa de electrodomésticos “não tinha acesso online (!) ao meu processo porque eu tinha aberto o pedido noutra loja”.
E o fornecedor de energia enviou-me uma factura de 500€ mas garantiu-me que apesar de dizer no documento que esse era o valor que eu devia, na verdade não era um valor real, e que só me cobrariam a mensalidade normal e, claro, anos-luz mais baixa. Curiosamente, esta informação revelou-se verdadeira. Lá está, hilário agora que já passou.
Nem sei o que me choca mais, o histórico dos processos, se a forma como todos já interiorizámos o facto de termos de passar por estes patamares de fatalidades inexplicáveis de cada vez que queremos alguma coisa resolvida.
Para nós, que trabalhamos com marcas diariamente, que ajudamos a criar a sua imagem e posicionamento, ver este tipo de serviço a cliente é equivalente a ver um tornado varrer uma cidade em minutos. Todo o trabalho. De anos. É deitado à rua.
Não importa o número de campanhas boas que se façam, não importa se comunicamos tecnologia, rapidez ou sustentabilidade. Quando se trata de serviço ao cliente e do dia-a-dia no terreno, as marcas continuam na idade das trevas.
E no dia que uma marca levar este serviço a sério, vai dominar o mercado. Porque sempre que estes dramas acontecem, o que fica na cabeça do consumidor é a vontade de mudar, pela forma como foi mal servido quando precisou de ajuda. Ou seja, a forma como se desenvolveu O Processo.