Joana Maçanita, cinco ofícios e uma carreira de sucesso

Nesta entrevista à Marketeer, Joana Maçanita afirma que o segredo para o sucesso está na «vontade de superação» e na intenção de criar um legado. Dada a novas descobertas e conhecimentos, a enóloga procura «criar vinhos que fazem parte da história e do local onde pertencem ». Na verdade, a agora também autora pretende simplificar a linguagem do vinho. «Explicar algo aparentemente complexo – que tem na sua base componentes Maçaquímicas, físicas e microbiologia – é bem mais fácil do que a subjectividade do sabor e da estética dos vinhos», argumenta.

Em 1999, Joana Maçanita iniciou uma aventura em Engenharia Agrónoma no Instituto Superior de Agronomia, em Produção Animal. Porém, a vida trocou-lhe as voltas e acabou por se apaixonar pelo mundo da enologia. Um sonho que, segundo a própria, começou com um pedido do irmão, que lhe solicitou ajuda na adega. Por ser dada a desafios, acedeu ao pedido e decidiu passar duas semanas na adega de uma amiga. Por lá descobriu novos métodos, trabalhou arduamente e adquiriu competências para que, dois meses depois, saísse de lá com «um sorriso de orelha a orelha». Terminada a experiência na adega da amiga, voltou à faculdade para mudar de curso e se formar em Viticultura e Enologia.

Ainda nesse mesmo ano, integrou a equipa de enologia do vinho Preta, que mais tarde viria a ganhar o Trophy Alentejo, um prémio que já não era atribuído a Portugal há mais de 20 anos. Em 2006, a enóloga viajou para a Austrália, instalando- se em McLaren Vale, onde estagiou na Adega Haselgrove, procurando aprofundar os seus conhecimentos em vinhos brancos. «Foi muito importante conhecer outra realidade e trazer mais conhecimento sobre a produção de vinhos brancos, que na época não se faziam tanto em Portugal», sustenta.

De regresso a Portugal, Joana Maçanita criou a sua própria empresa com dois colegas, a WineID, centrada na consultoria enológica. Nesse ano integrou, também, a equipa de enologia do projecto Arrepiado Velho e Cem Reis no Alentejo.

CONSTRUÇÃO DE UMA CARREIRA DE SUCESSO

Com espírito empreendedor já bem traçado, Joana Maçanita cresceu a nível profissional e foi conquistando o seu espaço na área da enologia. Em 2008, foi convocada para ser júri no International Wine Challenge, em Londres, e no Wine Masters, no Estoril. No ano seguinte, foi também convidada pela Escola de Formação Turística e Hoteleira dos Açores para desenvolver um projecto de enogastronomia nos cursos de Restaurante e Bar.

Em 2010, a enóloga deu vida ao projecto Mãos, uma produção de vinho no Douro, com mais de 150 hectares de vinha que, actualmente, fornece mais de vinte marcas. Um ano depois, em parceria com o seu irmão António, criou um projecto de produção de vinho, denominado Maçanita Vinhos. Com este novo desafio, os dois procuraram mostrar o terroir da região do Douro e têm-no conseguido, já que têm recebido o reconhecimento da crítica nacional e internacional: 96 pontos, com o Touriga Nacional Cima Corgo, e 95, com os Olgas Tinto.

Mais tarde, em 2013, Joana Maçanita tornou-se a directora de projecto de cinco produtores de vinho na região do Algarve: Cabrita Wines, João Clara, Edd’s, Quinta do Barradas e Quinta da Malaca. Três anos depois, juntou-se ao projecto o produtor Morgado do Quintão, que foi nomeado recentemente pela “Revista de Vinhos” como um dos 30 melhores vinhos brancos de Portugal. Ainda em 2016, iniciou o projecto de recuperação da casta Negra Mole, criando um leque de vinhos distintos, que reflectem as origens da região algarvia.

As conquistas de Joana Maçanita não ficaram por aqui e, em 2018 e 2022, foi nomeada Jovem Enóloga do Ano pelo enólogo e crítico de vinhos Aníbal Coutinho e também nomeada pela “Revista de Vinhos” como Enóloga Revelação, demonstrando mais uma vez o seu talento natural para os vinhos. Nos últimos três anos, recebeu um convite para dirigir o novo projecto de vinhos na região de Lisboa do Palácio do Correio- -Mor; foi considerada pela revista “Sábado” uma das 10 mulheres empresárias mais influentes de Portugal; e, já este ano, iniciou o projecto de vinhos da Quinta do Boiro, em Lisboa.

A FÓRMULA MÁGICA PARA O SUCESSO

Enumeradas as conquistas de Joana Maçanita ao longo da sua carreira, importa explicar a forma como enfrentou alguns estereótipos de uma área predominante frequentada por homens. A enóloga considera que qualquer funcionário, independentemente do género, tem de ser avaliado «pela competência, capacidade de trabalho e dedicação». Três características que a enóloga considera serem comuns a todas as mulheres, independentemente das áreas em que exercem funções. Para a produtora de vinhos, «não existe ser mais resiliente e persistente do que uma mulher. Portugal tem enólogas fantásticas e por isso estamos muito melhor posicionadas e consideradas do que há 20 anos, quando comecei». Além disso, as «dúvidas vão existir sempre» ao longo do percurso, mas alerta todas as mulheres para a importância de serem consistentes e, acima de tudo, para manterem a qualidade no trabalho que desempenham.

Presença forte no mundo dos vinhos, Joana Maçanita sempre conviveu com enólogos mais velhos e com uma vasta experiência. Naquela época, era com eles que retirava as mais- -valias da partilha do conhecimento. A família Maçanita realizava vários convívios e era durante essas conversas que eram trocados conhecimentos e ideias. Uma troca de perspectivas que permitiu à enóloga consolidar a sua posição e definir o seu projecto de vida.

DA PRODUÇÃO ANIMAL AO EMPREENDEDORISMO

Voltando ao início da sua formação, a co-fundadora da WineID explica os motivos para ter optado pelo curso de Produção Animal no Instituto Superior de Agronomia. A autora do livro “Branco ou Tinto?” revela que criar cavalos e trabalhar numa quinta era «um sonho de criança». Além disso, lembra uma frase que foi dita pelo presidente da Universidade Técnica de Lisboa: «A agronomia é o futuro.» Por se tratar de um grande amigo do próprio pai, acabou por ser incentivada a seguir aquela área. Contudo, depois da primeira vindima, além de uma nova paixão, encontrou «o sonho da sua vida».

A enóloga falou também sobre o seu espírito empreendedor, que, aliás, esteve presente desde cedo na família Maçanita. «Sermos empreendedores foi algo que nos foi incutido desde sempre, para criarmos o nosso próprio emprego, sermos donos do nosso futuro e usarmos as nossas qualidades para traçar o caminho. Ouvi mil vezes à mesa de jantar: “O excelente é o inimigo do bom”», adianta.

Por outras palavras, explica o significado dessa expressão na família e conta que «a perfeição nem sempre é necessária, até porque, em algumas ocasiões, acaba por estragar o caminho ». Além disso, tinham de entender os motivos para que tudo acontecesse daquela forma. Em tom de brincadeira, a enóloga confessa que, devido «ao mau feitio» da família, também não seria fácil ser candidato a qualquer emprego.

PROJECTOS DE VIDA E OS CINCO OFÍCIOS

O mundo dos vinhos une os vários sectores de negócio, como a agricultura, transformação, promoção e vendas. De acordo com a enóloga, seria impossível aconselhar e gerir projectos de vinhos sem conhecer todas as fases do processo. «Procurei estar sempre envolvida em todas as etapas para as conhecer a fundo, ainda que estejam em constante mudança», salienta.

Falando da pandemia de Covid-19, Joana Maçanita relembra como foi necessária uma adaptação do canal Horeca, que representava o principal canal de vendas dos vinhos Maçanita. A indústria hoteleira esteve praticamente fechada, o que dava uma expectativa de vendas quase nula. Por esse motivo, em meados de 2020, assumiu a Direcção da Loja Online dos Vinhos António Maçanita, criando uma plataforma de divulgação e de venda de vinhos online. Aprender mais sobre marketing digital, email marketing e Google Analytics tornou-se uma prioridade e, feito o balanço, tornou-se um verdadeiro caso de sucesso, dado que conseguiu manter a marca visível e disponível para os respectivos clientes.

Sobre alguns dos seus projectos mais desafiantes, Joana Maçanita afirma que está determinada a recuperar a casta Negra Mole, oriunda da região do Algarve. Trata-se de uma das castas mais antigas de Portugal e que, de acordo com a enóloga, estava praticamente extinta. Há mais de dez anos que se dedica a esta missão e promete não descansar até criar vários tipos de vinho com esta casta. Há quem defenda que a região algarvia não tem condições para produzir vinhos cheios de cor, taninos e álcool, mas a produtora explica que estas são, na verdade, características subjectivas que não determinam a qualidade de um vinho. «Os vinhos devem transmitir o sítio onde nascem e o papel dos enólogos é o de manter ao máximo essa característica e não interferir», refere.

Além de enóloga, produtora de vinhos e consultora, Joana Maçanita também é formadora na área da viticultura, enologia e enogastronomia.

Depois dos quatro ofícios, chega a altura de falar do quinto, já que Joana Maçanita se aventurou na literatura e escreveu o primeiro livro: «Branco ou Tinto?».

O livro demorou cinco anos a ser escrito, devido ao nascimento dos três filhos e às aulas que leccionava na faculdade e nas escolas de turismo. Em 2006, assente numa base científica, a obra conheceu a luz do dia e foi escrita de forma descomplicada sobre os pequenos segredos e questões do vinho. Um grande desafio para Joana Maçanita, que se propôs a ajudar cada vez mais pessoas para falarem de forma segura sobre o tema.

Este artigo faz parte do Caderno Especial “Marketing de Vinhos”, publicado na edição de Agosto (n.º 325) da Marketeer.

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