Inovação e tradição
Por Inês Vaz Pinto, sócia e responsável de Marketing & Comunicação da Torres Novas
Relançar uma marca antiga é uma tendência que se tem observado ao longo dos últimos tempos, num momento em que o mercado parece cada vez mais saturado com o surgimento de novas marcas. Mas as marcas antigas têm um valor intrínseco inigualável – um legado, com uma história e um caminho que já foram construídos e que devem ser aproveitados. Ao voltar às suas origens, (re)começam o seu percurso com uma grande vantagem competitiva.
É um desafio que passa por fazer renascer uma marca que continua viva na memória das pessoas, e é esse o seu maior trunfo. Por isso, deve ser feito sem recorrer a alterações significativas, procurando ‘apenas’ transportar a sua história até ao presente. É nesta convivência entre o passado e o presente que muitas marcas históricas se têm conseguido reinventar, tanto em Portugal como fora. Mas não basta replicar o que antigamente foi, é preciso inovar e conquistar um novo lugar num mercado que, no entretanto, se foi desenvolvendo, sem esperar por ninguém. O mais provável é que já outras marcas tenham surgido e ocupado o lugar deixado vazio pela marca quando esta fechou ou faliu. Para além dos valores base que devem ser assegurados, como a qualidade e a tradição, e ambos representativos do saber-fazer português, qual é a nova proposta de valor desta ‘nova marca antiga’?
Muitas marcas históricas surgiram inicialmente num ambiente familiar, o que é uma fonte de riqueza. Quer seja uma nova geração dessa mesma família ou não a fazer renascer a marca, sendo possível, é enriquecedor envolver as gerações anteriores e os que outrora fizeram parte da sua história, porque a sua sabedoria também faz parte do legado e valor intrínseco da marca. É importante beber dessa sabedoria: aprender com o que houve de melhor e, igualmente importante, com o que podia ter sido melhor.
Por outro lado, hoje é fundamental uma marca ter uma consciência sustentável, tanto a nível social como ambiental. Sem perder a qualidade e a durabilidade dos produtos, deve procurar processos e materiais de produção alternativos que sejam o menos nocivos possíveis, não só porque é o que o mercado pede, mas também por uma questão de responsabilidade e posicionamento, sobretudo se se quiser posicionar no mercado premium ou de luxo. Em boa verdade, muitas marcas históricas já actuavam de forma sustentável, com é a produção de algo durável, feito para durar uma vida e atravessar gerações. Mas, tão importante quanto fazê-lo, é saber comunicá-lo.
A vertente digital é, obviamente, uma novidade e um desafio, com grande potencial para reavivar a marca na nossa memória, chegar a novos públicos e levar a marca além-fronteiras. As redes sociais, o marketing digital, o marketing de influência ou até uma ‘simples’ loja online, são uma realidade relativamente nova, e todos devem ser assegurados de forma coerente e fluida. É importante equilibrar estas novidades digitais com abordagens mais tradicionais, muitas vezes intrínsecas ao ADN da marca, e que tipicamente privilegiam um contacto mais próximo com a comunidade – como, por exemplo, antigos parceiros de retalho físico. A tradição e a modernidade não se devem substituir, devem complementar-se.
A cada passo que se dá, há que saber cuidar e respeitar o legado e a história da marca, mantendo aquilo que sempre a caracterizou e valorizou, mas procurando fazê-lo com um olhar renovado e em sintonia com os novos tempos. À medida que o mercado evolui, também as marcas devem evoluir. O mercado da ‘saudade’ e da ‘portugalidade’ está em voga, mas não bastam. Não esqueçamos que ao reconstruir uma marca também se reconstrói um negócio, que se quer sustentável e rentável a longo prazo. Hoje, as necessidades dos consumidores são diferentes e mais exigentes. Por isso, também na forma de trabalhar é preciso inovar, trazendo tecnologia e digitalização aos processos, procurando eficiência e agilidade, para melhor os servir. E, claro, também no próprio produto ou serviço, apostando em novas gamas complementares ou participando em iniciativas e parcerias que ajudem a posicionar a marca e a criar valor.
A tradição e a inovação são aliadas indiscutíveis na recuperação e manutenção de marcas históricas, assim como da cultura portuguesa e do saber-fazer português. Só precisamos de conseguir mudar tudo sem mudar nada.