Inês Ayer, designer fundadora do Studio Ayer: “O design tem um papel essencial na construção do futuro”
É raro encontrar uma trajetória que se desdobre de forma tão marcante entre a essência das raízes e o impacto no panorama global. A designer portuguesa, natural de São Miguel, nos Açores, e atualmente residente em Nova Iorque, é um exemplo disso mesmo. Reconhecida pela revista Forbes como uma das personalidades que pode impactar o futuro no design, esta criativa tem vindo a deixar a sua marca num mundo onde design, arte e humanismo convergem de forma única.
Nesta conversa, exploramos como as paisagens dos Açores influenciaram a sua visão, como Berlim e a Tailândia a desafiaram a reinventar-se e o que a levou a Nova Iorque — um palco onde a criatividade não conhece limites. Refletimos ainda sobre a fundação do Studio Ayer, os desafios da colaboração global e o papel transformador do design no futuro.
Com uma abordagem simultaneamente prática e visionária, a sua história é um testemunho de resiliência, ousadia e compromisso em usar a criatividade como força para o bem. Aqui, ela partilha o percurso que a levou a redefinir o design contemporâneo, sempre com um olhar atento às pessoas, à sustentabilidade e à inovação.
Acompanhe esta entrevista e descubra como esta portuguesa continua a desenhar o futuro, um projeto de cada vez.
Como é que a experiência na ilha de São Miguel, nos Açores, moldou a sua visão sobre design e arte?
São Miguel ensina-nos a olhar o mundo com outra cadência. A natureza dita o ritmo, a neblina esconde e revela paisagens como se fossem camadas de um design bem estruturado. Aprendi que criar não é apenas inventar, mas observar, escutar e traduzir o que já existe de uma forma nova. O silêncio das crateras, o contraste entre o verde exuberante e o negro vulcânico, a fusão do tradicional com o inesperado — tudo isso me moldou a procurar um design que respira, que respeita e que dialoga com o meio.
Quais foram as principais influências que Berlim e a Tailândia tiveram para o seu desenvolvimento como designer?
Berlim foi o laboratório da minha irreverência. Uma cidade onde o erro é celebrado, onde o design é político e onde cada parede pode ser um manifesto. Sem dúvida, uma lição de desconstrução e de como aceitar a imperfeição como parte essencial do processo criativo.
A Tailândia, por outro lado, mostrou-me o poder da resiliência e do equilíbrio. Através do voluntariado na educação em comunidades com menos recursos, aprendi que o design, tal como a aprendizagem, deve ser acessível, adaptável e profundamente enraizado no contexto e nas necessidades de quem o vivencia.
O que a levou a escolher Nova Iorque para viver e trabalhar?
Nova Iorque é um caos coreografado. É um lugar onde as ideias colidem, onde o talento não dorme, e onde cada esquina pode ser um encontro com o inesperado. Eu queria um espaço onde a criatividade fosse um jogo de velocidade e profundidade ao mesmo tempo, e esta cidade é exatamente isso. Nova Iorque ensinou-me a ser ágil, mas sem perder a essência.
Qual é a importância do design humanista na sua prática? Como se reflete nos projetos que desenvolve?
O design humanista não é um conceito abstrato para mim, é uma escolha diária. Criar para pessoas significa entender as suas histórias, contexto e desafios. Seja num sistema de identidade visual ou num projeto de impacto social, o que me move é a capacidade do design de resolver problemas reais, de simplificar o complexo e de criar algo que não só funcione, mas que também tenha expressão.
Em 2019, fundou o Studio Ayer. Quais foram os maiores desafios e como os superou?
Criar um estúdio do zero é como desenhar sem esboço. A ideia de começar algo novo traz uma sensação de imensidão, de estar a construir cada detalhe a partir do nada. O maior desafio foi equilibrar a liberdade criativa com as responsabilidades da gestão. Tivemos momentos de dúvida, de aprendizagem intensa, de redefinição de foco. A pressão de criar algo sólido, com impacto, sem perder a essência criativa, era constante.
O que me ajudou a navegar por esse processo foram as pessoas incríveis que fui conhecendo ao longo da jornada, mas uma colaboração foi, sem dúvida, essencial: a parceria com o Rodrigo Veloso. O Rodrigo é um artista multidisciplinar com uma sólida formação em arquitetura, o que lhe confere um olhar único sobre composição, espaço e a narrativa visual. Juntos, conseguimos criar uma sinergia que me permitiu adaptar-me e aprender sem comprometer a essência do que estávamos a criar.
O estúdio já colaborou com mais de 12 países. Quais são as principais lições desse percurso global?
Cada cultura tem o seu ritmo e a sua forma de contar histórias. Trabalhar globalmente ensinou-me a ser tradutora de contextos, a perceber que um bom design não se impõe. A diversidade não é só um detalhe — é o próprio motor da inovação.
Quais são os tipos de projetos que mais a apaixonam e por quê?
Projetos que desafiam o óbvio. Que criam pontes entre tecnologia e natureza, que questionam sistemas obsoletos, que encontram novas formas de interagir com o mundo. Se um projeto pode gerar impacto, independentemente da escala, quero fazer parte.
Como consegue equilibrar o trabalho com grandes marcas e as causas sociais que defende?
Acredito que não são mundos separados. A criatividade pode ser uma ferramenta poderosa para gerar impacto positivo, mesmo dentro das grandes marcas. E, por outro lado, causas sociais precisam de estratégia e uma boa comunicação para amplificar a sua mensagem. O equilíbrio está em encontrar pontos de interseção e usar o design como um catalisador de mudança.
Como foi ser reconhecida pela Forbes como uma das personalidades que pode impactar o futuro no design?
Foi um momento de validação, mas também de responsabilidade. O reconhecimento reforçou a ideia de que o design tem um papel essencial na construção do futuro. Para mim, não se trata apenas de uma conquista pessoal, mas de um lembrete de que ainda há muito por fazer.
Que opinião tem sobre o futuro do design e da inovação? Quais as áreas mais promissoras?
O futuro do design está na sua capacidade de se tornar invisível — de integrar-se tão bem na experiência humana que resolva problemas antes mesmo de serem perceptíveis. Acredito que os caminhos mais promissores estão na biomimética, na fusão entre design e ciência, e na criação de sistemas verdadeiramente circulares e regenerativos.
Como integrante da Global Shapers Lisbon Hub, qual tem sido o impacto dos projetos desenvolvidos em Portugal?
O impacto é real e visível. Trabalhamos em iniciativas que vão desde educação até sustentabilidade, conectando jovens com vontade de transformar localmente. O que me entusiasma é ver como pequenas ações podem gerar grandes ondas de mudança.
Um exemplo dessa atuação é a minha participação no Annual Meeting do World Economic Forum em Davos 2025, representando a voz da nova geração de líderes e trazendo a perspetiva do design para os desafios globais.
Na área da educação, destaco o projeto de literacia financeira “Maria e o Segredo da Poupança”, desenvolvido por Pedro Rocha e Mello, David Cruz Silva, Isabel Abreu Lima, Ricardo Figueiredo e Duarte Gouveia, em parceria com a Leya e a Fundação Santander. Este projeto foi além das salas de aula portuguesas e conseguiu escalar para mais de 20 idiomas, impactando crianças e jovens com ferramentas essenciais para um futuro mais consciente e sustentável.
Já no campo da inovação e sustentabilidade, estamos a organizar o Green Horizons Hackathon, em parceria com a NOVA SBE, que terá lugar no final de fevereiro. Este evento, desenvolvido em conjunto com André Scripilliti, Gonçalo Palrão, Inês Marques e João Montenegro, desafia participantes a criarem soluções para a economia circular, conectando estudantes, especialistas e empresas em prol de um futuro mais sustentável.
Qual considera ser o papel da arte no nosso mundo atual? Que tipo de mudança gostaria de ver no design e na sociedade?
A arte é uma bússola emocional. No meio de tanta aceleração e automatização, precisamos de criações que nos façam sentir, que nos façam parar para pensar. Gostaria de ver um design mais ético, mais consciente, menos orientado para o consumo desenfreado e mais focado na experiência humana e na regeneração do planeta.
Que conselho daria aos jovens designers que querem deixar um legado significativo?
Curiosidade e coragem são essenciais. Não tenham medo de desafiar normas, de fazer perguntas difíceis, de encontrar um propósito maior para o vosso trabalho. O design não é só estética, é estratégia, é impacto. Sejam multidisciplinares, observem o mundo com atenção e nunca subestimem o poder de reinventar a roda.
O que podemos esperar do Studio Ayer nos próximos anos?
Exploração e inovação. Quero continuar a expandir os limites do design, a trabalhar em projetos que cruzam tecnologia, sustentabilidade e a narrativa visual. Há novas colaborações no horizonte e estou entusiasmada para ver onde este percurso nos vai levar. Mais do que prever o futuro, quero continuar a desenhá-lo de forma consciente e colaborativa.