IA Generativa: Oportunidade ou ameaça para o jornalismo?

A Inteligência Artificial Generativa (IA Generativa) deixou de ser um mero conceito futurista para se tornar uma realidade presente nas redações. Ferramentas como o ChatGPT e o Gemini, capazes de produzir textos, imagens e até vídeos, estão a reconfigurar a forma como as notícias são criadas e consumidas. Mas até que ponto esta revolução tecnológica representa um avanço para o jornalismo? E quais são os desafios que coloca à integridade da informação e ao próprio modelo de negócio dos media?

Segundo o estudo “IA Generativa: Riscos e Oportunidades para o Jornalismo”, publicado pelo OberCom, a adoção destas ferramentas está a gerar tanto entusiasmo como receio. Se, por um lado, a IA promete maior eficiência e personalização de conteúdos, por outro, levanta questões éticas, legais e económicas que não podem ser ignoradas.

Uma tecnologia poderosa, mas controversa

A IA Generativa tem a capacidade de automatizar diversas tarefas jornalísticas, desde a transcrição e sumarização de entrevistas até à produção de artigos completos. Segundo este novo relatório, muitos jornalistas já utilizam estas ferramentas para acelerar o fluxo de trabalho, melhorar a qualidade da escrita e até explorar novas abordagens narrativas.

Contudo, há um risco evidente: o controlo editorial e a autenticidade da informação podem ser comprometidos. A facilidade com que a IA gera textos credíveis aumenta a possibilidade de disseminação de desinformação e de conteúdos enviesados. Além disso, existe a preocupação com o fenómeno das chamadas “alucinações da IA”, em que os modelos geram informações erradas ou completamente inventadas.

Outro ponto de tensão prende-se com os direitos autorais. Muitas destas ferramentas são treinadas com milhões de textos recolhidos da internet, incluindo conteúdos jornalísticos protegidos por paywalls. Esta apropriação de conteúdos sem compensação financeira para os media levou já a ações judiciais de grandes grupos, como o New York Times, contra a OpenAI.

O estudo do OberCom alerta ainda para a crescente dependência dos media em relação às grandes plataformas tecnológicas. Google, Meta e OpenAI dominam o desenvolvimento da IA Generativa, colocando os órgãos de comunicação social numa posição delicada: precisam destas ferramentas para se manterem competitivos, mas perdem autonomia sobre a distribuição dos seus conteúdos.

A introdução do “Search Experience Generative AI” da Google, por exemplo, pode vir a afetar drasticamente o tráfego dos websites de notícias. Este novo modelo, baseado em IA, gera respostas completas diretamente nos resultados de pesquisa, reduzindo a necessidade de os utilizadores clicarem nos links para aceder às fontes originais.

Esta nova realidade levanta questões económicas sérias. Menos tráfego significa menos receitas publicitárias e maior dificuldade em converter leitores em assinantes pagos. Se a IA Generativa se tornar o principal intermediário da informação, os órgãos de comunicação social podem perder ainda mais terreno para as plataformas tecnológicas, agravando a já frágil sustentabilidade do setor.

Boas práticas e o caminho para um uso responsável da IA

Apesar dos desafios, algumas organizações estão a encontrar formas de integrar a IA Generativa de maneira ética e eficiente. O Financial Times, por exemplo, lançou o “Ask FT”, um chatbot baseado em IA que responde a perguntas dos leitores com base no arquivo de notícias do jornal. Já a Reuters utiliza IA para otimizar a descoberta de conteúdos em vídeo e gerar sugestões de histórias a partir de grandes volumes de dados.

Estes exemplos mostram que a IA Generativa pode ser uma aliada do jornalismo, desde que usada com supervisão humana e dentro de limites éticos bem definidos. Transparência e credibilidade devem ser palavras-chave na adoção destas tecnologias.

Para isso, muitos órgãos de comunicação social têm vindo a estabelecer diretrizes internas para regular o uso da IA.

O estudo do OberCom destaca que 90% das organizações que já adotaram estas ferramentas defendem que a sua utilização deve ser tornada pública e que deve haver sempre supervisão humana. A BBC e a Associated Press foram algumas das primeiras a publicar guidelines claras sobre a integração da IA no jornalismo.

O futuro do jornalismo na era da IA

A IA Generativa não é apenas uma ferramenta – é um fator de transformação para o ecossistema mediático. O seu impacto pode ser positivo, ao libertar jornalistas de tarefas repetitivas e potenciar a criação de conteúdos mais personalizados e envolventes. No entanto, a adoção desta tecnologia deve ser feita com cautela.

O estudo do OberCom sublinha a necessidade de regulamentação para garantir que os órgãos de comunicação social não fiquem reféns das grandes tecnológicas e que os seus conteúdos sejam protegidos. Além disso, a formação contínua dos jornalistas será essencial para que saibam tirar partido da IA sem comprometer os valores fundamentais da profissão.

O jornalismo enfrenta, assim, um dos seus maiores desafios. A questão não é se a IA Generativa vai mudar o setor – isso já está a acontecer. O verdadeiro dilema é como os media se irão adaptar para garantir que a tecnologia trabalha a favor da informação de qualidade, e não contra ela.

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