Humanocracia: menos burocracia e mais empoderamento individual
Por Rodrigo Oliveira, CEO & founder do Zyrgon Network Group
Hoje, trago-vos um manifesto. Um original, revolucionário manifesto. Não é da minha autoria mas subscrevo-o inteiramente. “Humanocracia” é o nome deste manifesto e o título do livro de Gary Hamel e Michele Zanini, que nos trazem este novo paradigma de intensidade sísmica para sacudir os pilares burocráticos que têm sustido a organização social das empresas desde a era industrial. Custa a acreditar que, nos últimos 150 anos, se deram transformações tão vitais nos campos social, científico, económico e tecnológico, mas no ecossistema empresarial ainda predomine a lógica burocrática de uma hierarquia vertical que perpetua a rotinização das funções e a instrumentalização dos funcionários. Tal como acontecia nas fábricas do século XIX.
Lançado em 2020, “Humanocracia – Criar Empresas tão Incríveis como as Pessoas que as Compõem” é um livro-manifesto contra o desperdício da contribuição humana nas empresas através do qual Hamel e Zanini pretendem implodir o fatalismo do sistema vigente como opção única nas organizações. Os dois pensadores da inovação abrem-nos as portas de empresas que colocam as pessoas lado a lado, potenciam as suas capacidades únicas e que, no final, têm lucro. Sim, ao que parece é possível humanizar a teia social do trabalho e todos ficarem a ganhar. Como? Gary e Michel explicam-nos o como, o porquê e o muito bom que acontece quando devolvemos à meritocracia o seu verdadeiro sentido.
«Foi realmente emocionante, não apenas surpreendente.» As palavras são de Michele Zanini numa entrevista que os autores de Humanocracia deram, em 2020, à revista Mckinsey. Zanini referia-se ao facto de, ao longo dos sete anos de pesquisa em que ele e Hamel encontraram empresas a funcionarem de forma resiliente e ágil com uma hierarquização descentralizada e uma lógica de verdadeira meritocracia. Concordo com Zanini. É, sem dúvida, emocionante perceber que a dignidade e o potencial humano podem ter um lugar inquestionável no mundo do trabalho.
No livro, os exemplos positivos são muitos e diversificados. A W.L. Gore & Associados, conhecida pelos tecidos de alta performance da sua marca Gore-tex, divide as acções da empresa com os funcionários. No universo Gore, composto por 9 mil pessoas em 50 geografias diferentes, são as equipas que escolhem os seus líderes e se eles não estiverem a “dar cartas” elegem quem melhor os incentive a ter sucesso. Outro exemplo fascinante é a empresa holandesa Buurtzorg, reconhecida pelo seu serviço de saúde ao domicílio em números e eficiência. Surgiu em 2006 com o conceito pioneiro de hierarquia descentralizada com 16 mil enfermeiros e cuidadores activos. Os segredos do seu sucesso são as pequenas equipas autogeridas que se subdividem em diversas funções de gestão – finanças, recrutamento de talentos, área comercial. O desempenho de cada equipa é avaliado por um conjunto de métricas que ficam visíveis para todos numa plataforma, que também serve de consulta para aceder ao conhecimento colectivo da organização, propagando-se rapidamente por todos os funcionários as boas práticas recomendadas. Existe algo mais democrático? Na Buurtzorg, o status, o conhecimento técnico e a experiência não estão concentrados nos mais altos cargos da empresa, mas sim ramificado por todos os funcionários.
O que se tem passado na maioria das empresas que conhecemos e onde trabalhamos? Dados globais dizem-nos que apenas 17% das pessoas se sentem envolvidas na sua função, 1/5 dos funcionários considera a sua opinião importante para a empresa e que uma em cada 10 (!) pessoas sente que tem liberdade para experimentar novas soluções no seu trabalho. Perante tanto desânimo em percentagens, parafraseio os autores de Humanocracia: «Não podemos mais permitir que as organizações desperdicem mais capacidade humana do que usam.» Não, não podemos. O caminho a tomar para que tal aconteça é no sentido contrário ao modelo burocrático que privilegia a conformidade e a robotização das pessoas contratadas, infantilizando-as com regras e supervisões inflexíveis, em direcção ao modelo que potencia a sua contribuição, inteira e justa.
No ecossistema humanocrático, a hierarquia desdobra-se em múltiplas e a meritocracia assume o seu real significado: opoder e a remuneração estão alinhados com a competência comprovada e o valor que cada funcionário agregou à empresa. E, ao invés de ser a organização a usar as pessoas para o seu objectivo último de vender um produto ou serviço, a humanocracia defende que são as pessoas a usarem a organização como um veículo para elevarem as suas vidas e melhor servirem essa empresa.
Com uma humanocracia, estão reunidas as ferramentas certas para lidarmos com os desafios e a imprevisibilidade deste fascinante século XXI.