Hopexit

Agora que Boris Johnson se declarou o homem errado, por incompetência, por ter sido alvo de traição ou por puro oportunismo político. Agora que Nigel Farage declarou ir procurar a vida que perdeu. Agora que tanto trabalhistas como conservadores contam espadas. Agora parece já ninguém ter vergonha de nada e nem as aparências importam, pois é esta a única explicação para o aparente caos em que Inglaterra mergulhou. Habituámo-nos a observar o controlo de danos, o calculismo na gestão da imagem pública, a racionalização de discursos para os tornar aceitáveis. O que se passou nas últimas semanas no Reino Unido, mais particularmente em Inglaterra, parece indiciar uma negação de tudo isto e algo que pode apenas ser classificado como um descontrolo despudorado, ou uma estratégia brilhante para um objectivo que ninguém percebe qual é. Ou então, já ninguém se importa com o que é dito, onde é dito e que impacto possa ter. Parecem até já nem ter medo dos impactos que isso possa ter em carreiras políticas futuras. Ou então, chegaram todos à conclusão que isto agora é cada vez mais relativo que nunca. Que a velocidade da informação, da manipulação mediática e da memória pública permitem que se prescinda daquilo que anteriormente era tratado com pinças e agora assume o formato de “reality show” sem argumento escrito.

Parecem ter concluído que todos já aceitamos que a política é assim e, sendo assim, para quê disfarçar se a próxima onda varrerá o que foi escrito na areia? Para quê esse trabalho? Será o excesso de informação, a desqualificação da informação, que ditam a nova realidade?

Ou é apenas falta de respeito? Será que isto influenciou a derrota do Remain e impediu a mobilização dos jovens que teriam feito a diferença, embora os que votassem tivessem esmagadoramente optado pelo Remain?

Arrisco dizer que, do ponto de vista de comunicação, a campanha parece falhar naquilo que aparentemente poderia ser o seu maior trunfo – a mobilização da juventude com base numa ideia mais romântica de Europa, uma Europa ideológica e não uma Europa contabilística. Embora recorrendo a todos os normais meios do populismo, a meia–verdade, a demagogia, o argumento falacioso, classista e racista, a campanha do Brexit foi claríssima desde a primeira hora. Definiu um argumento emocional, porque sabia que racionalmente a quantidade de pessoas capazes de reflectir verdadeiramente sobre as implicações de uma permanência ou de uma saída era extremamente reduzida. Disse que queria o país de volta – “Take back control” – com três argumentos (discutíveis todos eles e provavelmente mentirosos) totalmente emocionais: o investimento no serviço nacional de Saúde; a imigração e o fantasma da expansão da UE; a memória do império – podemos negociar com todos, especialmente com a Commonwealth: http://www.voteleavetakecontrol.org/why_ vote_leave. Tudo coisas discutíveis mas, acima de tudo, inconclusivas e “irracionalizáveis” em espaço de campanha. Apenas sentidas por quem de uma forma ou de outra é sensível a cada uma destas questões.

O remain produziu um power point para um encontro corporativo e desprezou totalmente o factor emocional da campanha. Escolheu apenas e só factores económicos como base de argumentação da sua campanha, esquecendo-se que as vitórias se fazem tanto de razão como de gestão de expectativas: https://www.youtube.com/watch?v=_uU6Tk5g_Rw

Prescindiu da ideia de Europa, da memória da Europa que se ergue junta das cinzas das guerras e das crises, da Europa das pessoas cultas, sorridentes, livres de circular e criar. Prescindiu do europeu enquanto personagem – a personagem que mistura racionalidade do Norte à emoção e à espontaneidade do Sul e ao exotismo do Oriente e ao cosmopolitismo e poder cultural das ilhas britânicas. Essa personagem completa – um Da Vinci imaginário que nos une a todos no orgulho de ser europeus.

“Stronger in” com a promessa de mais empregos, preços mais baixos e direitos de trabalhadores? As mais velhas promessas do mundo vindas de quem já as quebrou? Depois de anos de austeridade, de políticas e experiências falhadas, de entropia ao desenvolvimento, de folhas de cálculo na mesinha de cabeceira, a campanha do Remain escolhe comunicar tudo o que nos leva hoje a criticar a Europa enquanto cidadãos. O excessivo foco na economia e nas finanças, matéria de descrédito generalizado, e o desfoque absoluto nas pessoas, nos sentimentos, no que nos aproxima enquanto povos distintos. E no que nos faz felizes. Fez aquilo que a Europa tem feito nos últimos anos. Tratar povos como se fossem desprovidos de sentimentos, de emoções e, acima de tudo, de vontade própria. E de poder para mudar se assim quiserem.

Fez o que interessa a quem não interessa uma Europa democrática, próspera e orgulhosa de ser como é. Desprezou a esperança enquanto elemento fundamental na comunicação, na política e na vida.

Texto: Pedro Pires
CEO/CCO Solid Dogma
Presidente do CCP

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