Havas Play: Para cada marca, uma história

O desporto é um dos territórios mais relevantes para o consumidor. Segundo diversos estudos, o futebol ocupa o primeiro lugar dos desportos preferidos dos fãs a nível global e não apenas para os homens, como se poderia pensar numa primeira análise, uma vez que os números apontam já para 60% das mulheres a terem interesse nesta modalidade. Ana Roma Torres, Managing and Creative partner da Havas Play, falou com a Marketeer sobre a associação das marcas ao desporto-rei.

Porque é que a associação ao desporto é importante para a estratégia de comunicação das marcas?

Em condições normais, o futebol e o desporto, em geral, passam os valores certos: o esforço, a dedicação, o compromisso, o trabalho, o espírito de equipa, a conquista, a entrega e a emoção. Os valores que podem interessar às marcas e ajudar a veicular um posicionamento, uma mensagem, uma missão. Por isso, aliando a data que nos mostra a força deste território e os valores associados ao mesmo, percebemos bem a importância para as marcas e, acima de tudo, a grande oportunidade.

Além disso, quando falamos em futebol, falamos em emoção, e é aqui que as marcas conseguem contar uma história que agarra e que chega ao fã de desporto.

Quais os objectivos que as marcas pretendem atingir quando se associam ao desporto em geral e ao futebol em particular?

Os objectivos podem ser distintos. Há quem queira notoriedade pura e dura, porque precisa de crescer, de incrementar a sua visibilidade e potenciar o seu negócio; há quem procure envolvimento e interacção e queira estar mais próximo dos seus consumidores, garantindo outro tipo de experiências e de valor; há quem queira simplesmente vender mais de forma imediata, à boleia de um qualquer jogo de futebol. Independentemente do objectivo, uma marca, quando se associa ao desporto, quer trabalhar um posicionamento e envolver-se com o seu consumidor numa área em que à partida ele gosta de estar, se sente bem e onde vai por isso “abraçar” a marca de outra forma. Vivemos num mundo cada vez mais saturado de conteúdos, de informação e de exposição do consumidor a inúmeras experiências, pelo que o grande objectivo das marcas é também garantir que fazem parte de uma das conexões mais valorizadas pelas pessoas, podendo assim também ser um factor de diferenciação da concorrência e de afirmação. E mesmo quando vemos que várias marcas concorrentes estão presentes no futebol – como é o caso das telecomunicações, cervejas ou bancos –, percebemos que a forma como activam e geram conversa é diferente, contribuindo para a construção de uma relação mais forte e única com a marca.

O futebol é a modalidade que mais se enquadra numa estratégia de comunicação por associação ao desporto? Porquê?

Não necessariamente. O futebol é, sem dúvida, o desporto-rei e, em Portugal, 78% da população tem interesse na modalidade, o que mostra como move mais adeptos e gera também mais mediatismo. Costuma-se dizer ainda que o futebol chega a todos, não tem idade, nem classes e, hoje, cada vez mais, nem género, pelo que se torna um território muito poderoso para qualquer marca, pela sua capacidade de chegar às pessoas. Por estes motivos é muito interessante para as marcas e facilmente conseguimos que elas encontrem aqui o seu espaço e fit com a modalidade. O retorno é muito e a paixão associada abre oportunidades de relação muito interessantes para as marcas.

Mas também sabemos que os valores de investimento podem ser elevados e que nem todas as marcas têm capacidade para marcar presença (ainda que haja soluções para todo o tipo de budget) e isto pode pesar no momento de decisão. Sabemos ainda que há marcas que querem fugir de uma certa polémica e clubite associada a esta modalidade e que, portanto, podem preferir ir para modalidades com menos adeptos, mas que possam trazer algo novo e uma conversa diferente com os seus consumidores.

Mas, seja o futebol ou qualquer outra modalidade, o primeiro passo para aferirmos se uma marca deve ou não estar associada é definir muito bem qual a nossa estratégia: quem queremos impactar, de que forma, o que pretendemos passar, o que queremos construir e, aí então, chegaremos à modalidade certa para a marca. Há muitas possibilidades interessantes que surgem, como, por exemplo, o surf, o râguebi ou até o desporto numa vertente mais familiar e educativa: continuando no futebol, mas indo para o futebol juvenil como meio de falar com crianças e pais. O importante é nunca esquecer a razão pela qual a marca lá está e garantir a sua relevância neste território, para que a adesão do consumidor e a relação com a marca sejam sempre positivas, emocionantes e até surpreendentes.

Sendo uma modalidade explorada por muitas marcas, como devem estas pensar as suas campanhas para se diferenciarem?

É muito importante que cada marca encontre a sua história. A sua voz num mundo que, de facto, não só se encontra saturado de marcas, mas também de notícias e de atenção, o que, por vezes, pode ter um efeito negativo na percepção dos consumidores. Os bons motivos, números e valores já foram elencados, mas de facto é importante que a marca não fique perdida na multidão.

Para tal, é fundamental que a marca não só defina de forma clara qual o seu objectivo, mas que estude bem o comportamento do fã de futebol, que é na verdade muito sui generis. Um adolescente de 14 anos pode ter a mesma relação de paixão e dedicação a um clube que o seu avô de 60 anos ou até que a sua mãe de 46, pelo que é importante construir uma história de emoção e proximidade que possa falar com todos e que apresente a transversalidade e proximidade que se procuram no desporto. Claro que se estamos a falar de cerveja, sabemos bem que temos um target específico até legalmente, mas o cerne será sempre que conteúdos e que experiências conseguimos levar até ao nosso consumidor, que acesso exclusivo damos a mundos que só conhecem porque chegam pela mão de determinada marca. É aqui que nos podemos destacar da “multidão”: numa estratégia de conteúdos única que vai muito além do patrocínio e que activa no fã toda a sua paixão pelo futebol. Há marcas que desenvolvem conteúdos com jogadores, que criam “experiences money can’t buy”, ou que surpreendem a cada jogo, e são estas as acções que geram mais engagement e que mais ficam na cabeça dos fãs. É nesta procura que a marca deve trabalhar para garantir que não é só mais um logo num photo wall.

Têm uma campanha premiada relacionada com o futebol feminino. Quais as motivações desta campanha?

A principal motivação desta campanha (ideia da Havas e trabalhada em conjunto com a Havas Play) é chamar a atenção para a falta de visibilidade dada às mulheres no desporto e para a gritante desigualdade vs os homens neste campo. Por isso, o trigger é muito simples e imediato: como é que é possível que se fale tão pouco das mulheres no desporto? É esse o principal objectivo desta campanha: chamar a atenção para esta desigualdade e valorizar todos os feitos das mulheres no desporto para, no limite, conseguirmos mudar mentalidades e este status quo dos media e da sociedade em geral. E, felizmente, depois há criatividade e storytelling que de repente dão vida a uma realidade e conseguem chamar a atenção para algo que está mesmo debaixo dos nossos olhos, de forma inovadora e catchy.

Foi o que aconteceu quando pegámos nos jornais desportivos e destacámos as notícias sobre homens e sobre mulheres, ficando evidente para todos o problema em questão. “As Raparigas da Bola” é uma campanha que nos orgulha muito, porque tem, de facto, um propósito muito digno e importante para que como sociedade caminhemos rumo à igualdade e à inclusão. E é esse também o trabalho de quem faz criatividade.

Dado o crescimento das escolas de futebol em Portugal, este é um território que já está a ser explorado pelas marcas? Qual a melhor estratégia para o abordar?

O desporto faz bem à saúde – a todos os níveis – e só por isso já faz todo o sentido que haja uma aposta crescente em escolas para os mais jovens e que se fomente a sua prática, independentemente do talento ou da competição. Obviamente, muito à boleia do impacto mundial e global do futebol e quiçá da vontade de todas nos tornamos uma Dona Dolores, um dia.

Piadas à parte, isto abre oportunidade para que as marcas assumam também este papel de apoio à comunidade, à educação e ao crescimento da própria modalidade, o que pode ser muito valorizado e ter um retorno muito positivo para as marcas. Além disso, permite sair do mundo de milhões do futebol e estar no dia-a-dia das pessoas, o que gera outras conversas e outras experiências. E aqui as marcas têm de ser muito transparentes e genuínas, não só porque estamos a lidar muitas vezes com crianças e mães, mas também porque há um mundo de possibilidades e temos de delinear bem o que queremos fazer e fazê-lo de A a Z, sem abandonar missões a meio ou mudar rumo sem “dar explicações”. Por outro lado, a relevância da marca aqui pode até ser maior do que associada a um grande clube, porque é algo mais “puro”, duradouro e que está a construir uma relação para o futuro, criando uma goodwill também junto das pessoas. Quem vai esquecer a marca que permitiu que o seu filho fosse ao primeiro torneio, ou aquela que ajudou a reconstruir o pequeno estádio do bairro? São estas as histórias que a marca deve procurar, escrever e ajudar a fazer crescer, contribuindo ainda para um orgulho nacional e uma sociedade mais justa e equitativa.

Este artigo faz parte do Caderno Especial “Marcas no futebol”, publicado na edição de Julho (n.º 324) da Marketeer.

Artigos relacionados