Há vida além dos festivais? Há marcas a apostar no «campeonato dos eventos médios»
Os eventos são uma ferramenta fundamental para as marcas trabalharem a sua notoriedade e posicionamento no mercado. Nos últimos anos, nesta fase pós-pandemia, tem havido uma explosão de eventos no mercado nacional, à medida que as marcas procuram voltar a aproximar-se dos seus consumidores no “mundo real”. Mas, não apenas se fazem mais eventos, como se fazem com mais qualidade, por parte dos promotores, e de forma mais estratégica e refinada, por parte dos patrocinadores. «Há porventura um excesso de eventos, o que tem feito aumentar o standard de qualidade e a necessidade de as marcas comunicarem com mais critério», afirma Gonçalo Oliveira, director Strategy & Business Enablement and Marketing & Communication da Delloitte.
O responsável foi um dos convidados da WEvent, uma conferência direccionada ao sector dos eventos, que contou com o apoio da Marketeer e decorreu durante o dia de hoje no Plaza Eventos | Plaza Ribeiro Telles, em Castanheira do Ribatejo. “A importância dos eventos na estratégia das marcas” powered by Marketeer foi o tema da mesa-redonda que juntou ainda Teresa Lameiras (directora de Comunicação e Marca da SIVA S.A. | Porsche Holding GmbH Company), Rita Pinho Branco (directora de Comunicação, Marketing e Marca da Associação Mutualista Montepio) e Sérgio Carvalho (director de Marketing da Fidelidade), com moderação de Maria João Vieira Pinto, directora de Redacção da Marketeer e Executive Digest no Multipublicações Media Group.
À volta da mesa, as opiniões convergiram no que toca à importância (cada vez maior) dos eventos para as marcas, mas as experiências e estratégias partilhadas foram um pouco distintas.
A Associação Mutualista Montepio actua no sector financeiro, uma actividade que é «muito racional e desprovida de emoções». Nos últimos anos, a associação tem vindo a marcar presença em grandes eventos de música e cultura em língua portuguesa, assim como no território do desporto, para estar próxima dos seus mais de 600 mil associados. «No sector financeiro, o diálogo é mais frio e nós temos de aquecê-lo em determinados momentos. E essa relação emocional também se consegue através dos eventos. O importante é garantir que, em algum momento, as pessoas se relacionam connosco e que conseguimos estar de alguma forma na vida delas», sublinhou Rita Pinho Branco.
No caso da Fidelidade, a estratégia não é muito diferente, com a música e o desporto a serem os dois grandes territórios de comunicação da marca. «Os eventos são importantes para activar a marca sobretudo junto do público jovem. De outra forma, os nossos momentos de interacção com este target não existem até que cheguem à vida adulta», frisou Sérgio Carvalho, acrescentando que, para a seguradora, os eventos «não servem para angariar clientes, mas para criar awareness para que, no momento de decisão de compra, pensem na nossa marca».
Já para a SIVA, que representa as marcas do Grupo Volkswagen no mercado português, os eventos são uma ferramenta que permite não apenas posicionar e adaptar cada marca automóvel ao mercado português, como diferenciá-las dentro do portefólio do grupo – além de serem sempre oportunidades de activação e experimentação dos modelos automóveis. Por essa razão, as estratégias neste segmento são distintas: enquanto a Cupra, por exemplo, tem uma longa ligação ao Primavera Sound, a Volkswagen, depois de muitos anos associada a um grande festival de música em Portugal, está desde o ano passado presente nas Festas do Mar, em Cascais (substituindo precisamente a Cupra como patrocinadora).
De resto, Teresa Lameiras garantiu durante o WEvent que a aposta em eventos de menor mediatismo e dimensão – apesar de as Festas do Mar acolherem 500 mil pessoas – será para manter. Até porque, da experiência do grupo em grandes eventos, o retorno nem sempre é o esperado. «Tentamos que as pessoas não vejam as nossas marcas só associadas a grandes eventos, para que não sejamos só mais um [patrocinador], mas que possamos trabalhar de forma mais directa. Temos procurado estar noutro tipo de eventos, de uma forma não tão mediática, mas mais efectiva até ao momento. Nestes eventos, há mais espaço e disponibilidade para trabalhar a narrativa da marca. Temo-lo conseguido, envolvendo a nossa rede de concessionários», referiu a directora de Comunicação e Marca da SIVA S.A. | Porsche Holding GmbH Company. «Já estivemos no campeonato dos grandes eventos. Agora, estamos no campeonato dos médios», reiterou.
No mesmo tom, Gonçalo Oliveira sublinhou que, mais do que a dimensão ou a tipologia do evento, o que é determinante é a regularidade e consistência da ligação. «Há muitos eventos e muitas formas de activar. Nos eventos multimarca, as marcas têm de pensar se estão presentes porque traz valor ou se vão para não perderem o lugar para a concorrência. Isto é um desafio e obriga os decisores a terem coragem para decidir», frisou o responsável da Deloitte.
Também Rita Pinho Branco partilhou que a Associação Mutualista Montepio tem feito uma selecção mais fina dos eventos aos quais se associa e a fazer um “downsizing”. «Os eventos são momentos estratégicos para as marcas, de visibilidade externa. Estamos a entrar num universo muito emocional, para criar narrativas. E estamos a sair um pouco dos grandes eventos, precisamente para podermos contar essa narrativa.»
Por sua vez, Sérgio Carvalho lembrou que o trabalho das marcas não se esgota no período em que o evento decorre, mas pode «começar oito meses antes e terminar dois meses depois. Há muito a fazer para rentabilizar o investimento que é feito».
Crise impacta os budgets?
Certo é que, apesar da crise económica, continuam a realizar-se muitos eventos no mercado português. Será uma contradição? Ou a crise não afecta as marcas?
Para Teresa Lameiras, há «seguramente crise no sector automóvel», mas os eventos têm de ser encarados como um investimento no negócio. «As pessoas vão cada vez menos aos stands automóveis, então nós temos de ir ao encontro delas. É outra forma de investir. Não há mais dinheiro, mas há uma forma diferente de investir, noutros canais», sublinhou, partilhando que, na SIVA, há uma pessoa dedicada ao sector dos eventos por cada marca e o grupo recorre a outsourcing sempre que necessário.
No caso da Associação Mutualista Montepio, a equipa de eventos é «muito pequena», mas a associação trabalha há vários anos com «grandes e robustos parceiros» neste sector e essa tem sido a chave para o sucesso. «É fundamental que haja conhecimento, confiança e capacidade de construir de forma alinhada e em conjunto», defendeu a directora de Comunicação, Marketing e Marca, revelando que este ano até tiveram um reforço do budget dedicado a eventos.
Além das parcerias com empresas de eventos, as próprias marcas têm hoje que envolver internamente pessoas com diferentes competências na preparação e organização de qualquer evento. Isto porque os eventos são oportunidades para trabalhar diversas vertentes da estratégia da marca. «Hoje são precisas equipas multidisciplinares para os eventos porque é necessário cruzar diferentes áreas (dinamização de canais, comercial, activação de produto, entre outras)», defendeu Sérgio Carvalho, acrescentando que, se no passado a Fidelidade tinha uma equipa de oito pessoas dedicada aos eventos ao longo do ano, hoje são 20 a 30 pessoas.
Texto de Daniel Almeida