Guerra e Paz
Por Mário Mandacaru, Creative partner d’ A Equipa
Apesar do assunto que pretendo abordar ser a memória, devo confessar que, já passados alguns bons anos, não me lembro exactamente em que museu estava aquela exposição de Robert Capa, mas era seguramente em Berlim. O privilégio de ver as imagens do co-fundador da agência Magnum, tido como o maior fotógrafo de guerra do mundo, naquele que foi o epicentro do mais grave conflito armado do século XX ficou-me gravado com o contraste de um rolo de filme preto e branco ISO 50/de baixa sensibilidade (com referências destas, qualquer dia entro num museu e não me deixam sair).
Após observar os impressionantes registos in loco daquele período que revelou o pior da humanidade, virei-me e passei a focar nas reacções das outras pessoas que lá estavam. Era alto o silêncio pesado no ar, mesmo os visitantes que estavam acompanhados revelavam-se ensimesmados. E quanto mais velhos, mais nítidas eram as suas expressões de triste familiaridade com as situações expostas nas paredes. Pondo-me nos seus sapatos, imaginei que teriam vivido situações próximas das que aquelas imagens retratavam. A experiência molda o sentimento/a percepção.
As marcas são feitas de percepções, que são feitas de memórias, que são feitas de experiências. O ideal é que sejam boas.
Quando foram criadas em 1962, as Havaianas dirigiam-se a um público que não as usava nas férias mas, antes pelo contrário, para trabalhar. Eram os “pé de chinelo”, pessoas de baixa condição social. Não há lembrança de um produto que tenha sofrido tão poucas alterações estruturais desde que foi criado e cuja percepção de marca tenha mudado tanto. Lembro-me de vivenciar essa viragem para esse reposicionamento, que teve início nos anos 70, quando virou moda virar a base das sandálias ao contrário para que a parte de cima ficasse com a mesma cor das tiras.
A marca soube interpretar esse comportamento como uma oportunidade e, de lá para cá, apoiada num coerente trabalho estratégico, viu-se transformada num ícone de moda/lifestyle que, pela experiência que proporciona, hoje está intrinsecamente relacionada com a memória de bem-estar, de relaxamento, de liberdade – sentimentos muito distantes dos que gerava originalmente. Num mundo onde a percepção de valor tem a volatilidade de um InstaStory, devemos lembrar-nos de que compensa muito determinar um rumo e permitirmo-nos tempo para percorrer devidamente o caminho.
Comecei com Tolstói (ok, só o título mas é literalmente um começo) e termino com António Damásio: “(…) a memória ajuda a projectar a situação para um futuro imaginado (…).” Daí, quando nos imaginamos estar em paz com a vida, o nosso cérebro posta-nos selfies em “mood Havaianas”, seja na praia do Guincho, no Sri Lanka, em Menorca ou Trancoso.
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