Ganha o Chile

Pedro Pires

No dia em que escrevo este artigo, Portugal ainda não entrou em campo para o chamado “jogo do milagre” com o Gana. Os meus dedos mantêm-se cruzados, mas o meu cérebro já apanha os confettis, no quarto da emoção.

Por outro lado, as grandes marcas entraram em campo há muito tempo. Nike, Adidas, McDonald’s, Hyunday, Samsung, Beats by Dre, Visa (do nosso Hugo Veiga). Todas têm campanhas que tentam capitalizar o Mundial em seu proveito. Tanto que chegamos a um ponto em que nos perguntamos se existe alguma capitalização, ou se existe apenas a afirmação de presença.

Confesso que estou um pouco farto de anúncios do Mundial e anúncios de futebol no geral. Tornaram-se num género muito próprio, altamente previsível e que inevitavelmente apresenta: um conjunto de estrelas mundiais do futebol a realizar truques impossíveis, pessoas a chutar bolas que unem pessoas, jovens com fantasias de estrelato, a ambição e o sucesso, a performance sobre-humana, o “prank” à Rémi Gallard, o virtuosismo técnico do cidadão comum, a tensão e a emoção do golo, as utopias oníricas e eterna luta entre o bem e o mal, sejam lá o que eles forem.

São todos grandes filmes. São quase todos más histórias. É verdade que nos fascinam pela técnica. Mas poucos já nos emocionam, nos envolvem, nos fazem recordar. De alguma forma, todos eles, na tentativa de compactar o máximo de emoção possível no mínimo de tempo e de acompanhar os standards de produção entretanto estabelecidos, esquecem-se do fundamental. Da alma do futebol, do que ele significa para o indivíduo na sua intimidade e na sua relação social com os outros, na sua identificação com um ideal de Nação e de pertença. Esta projecção é quase sempre feita na procura do sucesso individual e quando não o é, quando se tratam de apelos à identidade nacional são tão literais, tontos e superficiais, que se negam a eles próprios como tudo o que é falso e gratuito.

Todos eles, na necessidade de medirem as suas estrelas, se esquecem que a sobre-exposição mata o fascínio e banaliza o objecto exposto.

Na procura da universalidade, anulam a idiossincrasia, esquecem a diferença. Na sua busca de universalidade equiparam-se desoladoramente. Encontram um universo simbólico reduzido, uma narrativa que se repete, uma história que se perde na edição, uma exuberância irrealista. São os blockbusters da publicidade, despidos de argumentos e pornograficamente despreocupados com isso.

A verdade é que este Mundial está a negar a celebração do estrelato e da universalidade e a afirmar o imponderável, o genuíno, e o verdadeiro gosto de jogar à bola. Ao contrário da maioria das campanhas, este está a ser, até agora, um verdadeiro mundial do povo. Emocionante, imprevisível, com os underdogs a ganhar e a empurrar para a defesa os que pensam ser donos do jogo.

É isso que se passa com a campanha do Banco do Chile. É a minha preferida de todo o mundial. É genuína, usa estrelas reais, daquelas com que nos podemos verdadeiramente identificar, e tem um argumento que é a maior injecção de motivação que alguma equipa pode ter. Este não é um anúncio sobre o virtuosismo dos protagonistas em campo, não é um anúncio sobre futebol, não é um anúncio sobre ambição. É um anúncio sobre um povo. Sobre a sua memória, a sua personalidade e a sua fibra. Este anúncio captura o que é o futebol e o que é jogar por uma selecção nacional. É honrar os que não jogam, é honrar os que nos fizeram e honrar os que vão nascer. Não interessa se é brilhante na execução, se é brilhante na técnica, se é inovador. Não interessa aquela banda sonora à “Game of Thrones” e um ambiente de “Braveheart” série B. Não interessam aqueles planos místicos “new age” em contraluz. Interessa que conta uma história. Interessa que me arrepia. Interessa que apresenta o Banco do Chile como uma entidade com consciência nacional. Interessa que responde ao maior briefing de todos – mostrar que os heróis não são os que estão em campo. Os heróis são os que permitem que eles estejam em campo.

Texto Pedro Pires, Director criativo Ivity

Fotografia Paulo Alexandrino

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