Fidelidade: Inevitáveis questões de uma complexa equação

O mês de Abril passou e com ele chegou o Verão para surpresa de muitos e contentamento da maioria, que aproveitou os dias festivos da Páscoa e os feriados que assinalaram a Liberdade e o Trabalho. Os termómetros não mentem e registaram temperaturas bem acima da média para esta altura.

São tempos de contrastes. Porque quando ligamos a televisão ou passamos os olhos pelas notícias no telemóvel, a alegria dissipa-se, numa activação momentânea da consciência. Do outro lado do Atlântico, por exemplo, os EUA enfrentam fenómenos atmosféricos atípicos, com a Califórnia a atravessar, há já uns meses, uma tempestade de neve da qual não há memória e que está a causar danos irreparáveis, temendo-se agora as consequências do degelo repentino com a subida expectável da temperatura.

Sempre houve épocas em que o clima nos surpreendeu, mas hoje sabemos que estes não são fenómenos esporádicos e que as alterações climáticas, decorrentes do aquecimento global, são uma realidade. E é neste momento que paramos, reflectimos por segundos e… seguimos?

Governos, organizações, empresas, associações, activistas e cidadãos, vou chamar-lhes, comuns, estão, cada vez mais, sensibilizados para a temática da urgência climática e da necessidade de actuarmos, hoje, porque o tempo urge, em prol da sustentabilidade. Não apenas ambiental, mas também social e até financeira.

A agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, adoptada por todos os Estados-membros das Nações Unidas em 2015, definiu 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que representam um apelo urgente à acção de todos os países – desenvolvidos e em desenvolvimento – para uma parceria global em torno de um mundo mais sustentável. É uma matéria à qual muito poucos serão já indiferentes. Uns, infelizmente, pelas piores das razões, porque, embora lutando diariamente pela sobrevivência, têm sido, paralelamente, confrontados com os muitos (de)feitos do desenvolvimento, sem que tenham meios para reagir, colocando assim a (in)sustentabilidade ambiental em paralelo com a social e financeira, porque também nesta matéria as desigualdades entre países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento se acentuam.

A este propósito, outro dia, convidámos João Mestre, responsável pela Direcção de Sustentabilidade da Fidelidade, para fazer uma apresentação sobre os nossos desafios e objectivos nesta matéria, numa das habituais reuniões da Direcção de Marketing. E o João começou por nos contar uma história: a história da Belkis, uma refugiada climática.

A Belkis vivia numa aldeia no Bangladesh, mas, devido às constantes cheias, a sua terra tornou-se inabitável e ela, como a restante população, fazem hoje parte dos números, que aumentam, de refugiados climáticos. Não é mito. Está a acontecer e, embora da janela da Europa, de uma forma ou de outra, até hoje, tenhamos tido a capacidade de lidar com os fenómenos atmosféricos com os quais temos vindo a ser confrontados, pode chegar o dia em que nos vejamos perante uma história semelhante à de Belkis. Porque, se os desastres naturais ocorrerem no mesmo ritmo das últimas décadas, 1,2 biliões de pessoas poderão ser deslocadas globalmente até 2050…!

A Fidelidade tem compromissos ESG traçados e objectivos concretos e ambiciosos. A nível ambiental, quer ter um papel proactivo na transição ecológica; socialmente, por inerência e desígnio da actividade seguradora, pretende ter um papel relevante na dimensão social, impactando toda a sociedade; em matéria de governança quer actuar sempre como agente económico responsável e exemplar.

E qual o papel do Marketing nesta matéria? Como pode um marketeer ser um agente promotor da sustentabilidade? Quais os verdadeiros desafios futuros?

Vou usar um arquétipo apenas para facilitar a reflexão sobre as variáveis desta complexa equação: “Marketing é a ciência e arte de explorar, criar e proporcionar valor para satisfazer necessidades de um público-alvo com rendibilidade.”

SOBRE A NECESSIDADE DE CRIAR A NECESSIDADE

Se queremos satisfazer necessidades, teremos de reflectir sobre o que querem os nossos clientes em matéria de sustentabilidade e quais as suas expectativas. Qualquer que seja a nossa área de actuação. Até que ponto estão os clientes prontos para perceber e receber positivamente as alterações que, inevitavelmente, as diferentes marcas irão impor na disponibilização de produtos e serviços parece-me uma das questões primordiais a colocar.

Não podemos alegar desinformação genérica em matéria de sustentabilidade, mas provavelmente concordamos que a iliteracia sobre como eu, cidadão, empresa ou marca devo actuar no meu dia-a-dia para fazer a diferença é ainda muito elevada entre a maioria, porque já nada se resume a reciclar.

Um maior conhecimento e acesso a informação poderão contribuir para um despertar de necessidades nos clientes, ao ponto de serem eles a impor às marcas o que desejam e o que esperam. De alguma forma isto já se verifica, mas será que, quando mexemos no que verdadeiramente toca ou emociona, os valores relacionados com a sustentabilidade se sobrepõem?

Dou apenas uns exemplos. Viagens, um dos maiores prazeres para muitos de nós, cidadãos, e um dos maiores incentivos utilizados pelas marcas para distinguir colaboradores, parceiros ou fidelizar clientes. Estamos bem cientes da elevada pegada carbónica associada, sobretudo quando a deslocação implica avião ou cruzeiro. Vamos abdicar de viajar? A maioria, não.

SOBRE A ARTE DE EXPLORAR, CRIAR E PROPORCIONAR VALOR

Parece-me essencial encontrar um ponto de equilíbrio. Para as marcas que trabalham este tipo de incentivos, as viagens são activos importantes na construção da relação ou fidelização. Podem ser facilmente substituídas por remuneração monetária, por exemplo, ficando o ónus do seu usufruto para cada pessoa, mas o caminho mais simples talvez não seja o melhor.

Um provável resultado seria a utilização da remuneração em viagens individuais, perdendo-se simultaneamente a oportunidade única de aproveitar estes momentos para uma consciencialização das pessoas para esta matéria, envolvendo-as também na compensação da pegada carbónica.

Isso parece-me ser um dos papéis dos marketeers e há muitas formas de o fazermos, como dar apoio ao comércio local e à economia circular, fomentar a utilização de materiais reutilizáveis, entre tantas outras. Para além disso, a sustentabilidade tem também inerentes as componentes económica e social e há muitos países para os quais o turismo tem relação directa com a empregabilidade ou mesmo sobrevivência económica e social de grande parte da população.

Equilíbrio parece-me assim ser uma peça-chave nesta equação onde a sensibilização de todos para a urgência de actuarmos em conjunto para uma longevidade sustentável é essencial. Numa recta onde há largos passos a dar, optar por soluções drásticas raramente é a melhor das opções. É preciso capacidade, ou arte, para envolver parceiros de negócio, fornecedores e clientes nesta jornada com acções concretas, com comunicação efectiva. E saber contagiar.

Os eventos ou os festivais são outros exemplos. As marcas não vão deixar de fazer eventos ou activações, as pessoas não vão deixar de ir aos festivais. Mas creio que a maioria de nós já reagirá negativamente se, num evento corporativo ou público, as preocupações ambientais não estiverem presentes, da mesma forma que aplaudirão a promoção de acções sociais concretas associadas, provavelmente aderindo às mesmas de forma proactiva.

Tem havido sensibilização nesta matéria e logo criação de valor. O caminho que temos de percorrer é ainda muito grande, mas há cada vez mais pessoas e marcas a abandonar o ponto de partida e, ainda que a ampulheta não seja nossa aliada, há que ter arte para acrescentar valor.

SOBRE A RENDIBILIDADE DOS NEGÓCIOS

O desafio que temos pela frente seguramente irá exigir mudanças acentuadas e condicionar até a concepção, comercialização e obviamente o marketing de produtos e serviços, porque não será suficiente assumir compromissos em matéria de sustentabilidade. Teremos que provar efectivamente o que estamos a fazer, pelo que garantir a rendibilidade dos negócios não se traduzirá apenas na demonstração de resultados financeiros positivos, mas na capacidade de obter boa classificação nos ratings ESG.

Na Fidelidade já estamos a fazer evoluir as nossas soluções para alcançar os objectivos e cumprir os compromissos ESG assumidos. A App Fidelidade Drive, por exemplo, é hoje peça-chave no novo ecossistema da mobilidade, tendo incorporado uma componente essencial de promoção da transição energética e a App MySavings evoluiu e já conta com uma opção que permite investir as poupanças em índices que seguem acções de empresas com rating ESG elevado.

Apesar destes e de muitos outros passos que estamos a dar, temos a certeza de que esta é de facto uma equação de difícil resolução, que pelo caminho teremos muitas dúvidas sobre a melhor actuação e que este é um desafio que tem de ser de todos, numa partilha diária e sinérgica.

Enquanto marketeer acredito que temos um papel essencial nesta jornada e que o Marketing também ele vai evoluir com os desafios ESG.

Conhecer cada cliente, por exemplo, implicará também saber qual o seu comportamento e as suas preocupações em termos de sustentabilidade.

O Marketing terá assim de ser a ciência que nos permitirá conhecer cada cliente na sua individualidade, a arte de criar e proporcionar experiências personalizadas, a magia de surpreender e emocionar, gerando rendibilidade para o negócio, mas contribuindo, proactivamente, para assegurar uma longevidade sustentável da sociedade.

Este artigo faz parte do Caderno Especial “Seguros”, publicado na edição de Maio (n.º 322) da Marketeer.

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