Faltam marcas-manifesto
M.ª João Vieira Pinto
Directora de Redacção Marketeer
Desde o início deste ano e até meados de Fevereiro já morreram, em Portugal, nove mulheres vítimas de crimes de violência doméstica. Sim, já não é notícia, mesmo continuando a ser. O número circulou e voltou a circular, fez capas de jornais e serviu de tema a editoriais – como este.
Não há campanhas que desnudem mais que a dureza dos números. Isto, no ano 2019, num País que se diz mais moderno e que clama ser mais informado, evoluído e trendy, onde associações se mostram e comunicam, onde já se dá a cara.
Sou mulher, esta redacção é composta maioritariamente de mulheres e, este, é assunto que nos é caro.
Mas esta é, também, uma redacção que todos os dias se cruza com muitas e variadas campanhas de marcas, acções na rua e nas redes, comunicados e conferências, lançamentos e apresentações. Por isso, não podemos deixar de achar estranho quando, ao contrário de outros temas galvanizantes, o da violência doméstica tenha sido apenas e só trabalhado por uma marca. As Josefinas – que, sim, tem apenas e só modelos de sapatos para mulheres – apresentou-se com uma colecção de diferentes t-shirts, em parceria com a APAV e a agência Coming Soon, de Marcelo Lourenço e Pedro Bexiga. «Cada t-shirt conta a história de uma mulher vítima de violência doméstica e é um espelho das histórias de milhares de mulheres», dizia Maria Cunha, CEO da Josefinas.
Foi, de facto, caso raro. O que é estranho e, em particular, quando este tema, o da violência, não se escreve só no feminino.
Até que ponto é que as marcas podem, ou devem, passar ao lado? Se são elas que nos inspiram, que nos alimentam momentos dos dias, que nos fazem querer e ter vontade de ser igual… Se têm o poder de passar mensagens, erguer movimentos, conquistar seguidores e estenderem ideias e ideais! Se passam de geração em geração! Se são disputadas e comentadas, partilhadas… Se, elas ainda, são tantas vezes contraponto em movimentos menos trágicos! Até que ponto devem ser esse dito contraponto? Ter atitude e assumir real posição?
Talvez este não seja um assunto sexy. Mas poderá ser tema q.b. para fazer de uma marca mais banal uma verdadeira lovebrand. E ajudar, pelo meio, num propósito realmente sério. Nós, por cá, aplaudíamos!
Editorial publicado na revista Marketeer n.º 271 de Fevereiro de 2019.