Falar com a criança ajuda a superar o divórcio | Ultrapassar dificuldades e problemas

Maria Laureano | Pedopsiquiatra na Unidade Psiquiátrica Privada de Coimbra (http://uppc.pt/)

O divórcio é um período crítico na vida de uma família, em particular quando existem filhos. Nestas situações, factores de risco, como vivências traumáticas, podem comprometer as capacidades parentais e o desenvolvimento da criança.

Na verdade, quando um casal se constitui e decide ter filhos, fá-lo para a eternidade e em momento algum imagina que pode passar por uma provação tão grande como o divórcio. Mas quando a evidência de que a relação marital terminou, surgem períodos de elevada tensão emocional com sentimentos de tristeza, raiva, zanga e ambivalência em ambos os elementos do antigo casal.

Em paralelo, a forma como as crianças são afectadas por um divórcio, ou separação, ainda que sem os contornos legais de um divórcio, é uma questão de extrema importância para as famílias que passam por esse processo. Os pais que se divorciam estão frequentemente preocupados com o efeito que o divórcio terá nos seus filhos. Durante este período emocionalmente conturbado e difícil, os pais podem estar preocupados com os seus próprios problemas, mas continuam a ser as pessoas mais importantes na vida dos filhos.

Enquanto alguns pais podem encontrar-se devastados ou aliviados pelo divórcio, as crianças estão invariavelmente assustadas e confusas pela ameaça à sua segurança e pela incerteza do que significará, na prática, a separação dos pais. Alguns progenitores sentem-se de tal modo magoados ou desorganizados pelo divórcio, que podem recorrer à criança para obter conforto, ou convertê-la no único sentido da sua vida. Esta situação pode aumentar a pressão e o stress que a criança enfrenta. Para além disso, o divórcio pode ser mal interpretado pelas crianças, a menos que os pais lhes digam o que está a acontecer, de que forma elas estão envolvidas, e o que acontecerá à família.

Como podem as crianças ser afectadas pelo divórcio?

A resposta não é simples. O divórcio é quase sempre um evento que desencadeia elevados níveis de stress nas crianças. Por norma, os filhos não desejam que os pais se separem, e não são raras as vezes em que acreditam que causaram o conflito entre os pais. Muitas crianças assumem a responsabilidade de reunir os pais, o que lhes causa stress adicional.

Quais as alterações no comportamento dos filhos para as quais os pais devem estar alerta?

Os pais devem estar atentos aos sinais de angústia e ansiedade nos seus filhos. As crianças pequenas podem reagir ao divórcio de diversas formas, por exemplo,  tornando-se mais agressivas, não cooperantes ou retirando-se emocionalmente na relação com o outro. Por vezes observam-se comportamentos regressivos na criança, tais como voltar “a falar à bebé”, fazer xixi na cama, ter dificuldade em adormecer, tornando-se novamente mais dependente do adulto em tarefas para as quais já se tinha tornado autónoma.

As crianças mais velhas podem sentir sentimentos de profunda tristeza, zanga, perda e abandono. As funções biológicas podem estar alteradas, como o apetite e o sono (nomeadamente insónia e pesadelos com conteúdos relacionados com o medo de ficarem sozinhos). O rendimento escolar habitualmente diminui e os problemas de comportamento são comuns. Do ponto de vista social, nota-se um desinteresse pelas actividades e brincadeiras preferidas, assim como na vontade de estarem com os  amigos, mostrando-se socialmente apáticas.

Os adolescentes, por outro lado, podem manifestar o seu sofrimento emocional  através do aparecimento de alterações do comportamento alimentar, consumo de substâncias, ou comportamentos sexuais de risco. Também é frequente, em todas as idades, o surgimento de sintomas físicos, como dores de cabeça, de barriga, com a intenção de forçarem a que os pais se reúnam e os protejam.

Como adolescentes e adultos, os filhos que experienciaram um processo de divórcio podem ter problemas com os seus próprios relacionamentos afectivos e experimentar problemas com a auto-estima e a capacidade de se vincularem ao outro sem medo que estes os abandonem. Uma forma de os ajudar a integrar esta experiência é abordar as crenças e os pensamentos que as crianças têm, seja através da brincadeira e o lúdico, com as crianças mais pequenas, ou com as mais velhas, através de conversas descomprometidas, podendo usar como mote por exemplo um filme.

Os filhos podem adoecer com o divórcio dos pais? O que fazer?

Podem. A vulnerabilidade a doenças físicas e mentais pode originar-se na vivência traumática da perda de um ou ambos os pais através do divórcio. Com cuidado e atenção, no entanto, os pontos fortes de uma família podem ser mobilizados durante um divórcio, e as crianças podem ser ajudadas a lidar de forma construtiva com a resolução do conflito parental.

É essencial ter presente que a consistência do envolvimento emocional dos pais à  criança e a vinculação segura da criança aos pais são factores cruciais para o seu desenvolvimento psíquico e social, com repercussões ao longo de todo o seu ciclo de vida. Neste sentido, as crianças irão lidar melhor com o processo de separação se souberem que os pais permanecerão envolvidos com eles, mesmo que o casamento tenha terminado e estes não vivam juntos. As disputas prolongadas pela guarda dos filhos nos processos de regulação das responsabilidades parentais, ou a pressão sobre a criança para “escolher” com quem “prefere” viver, podem ser particularmente prejudiciais para o jovem, e podem aumentar os danos emocionais do divórcio na família. Os estudos mostram que as crianças melhoram quando os pais minimizam os conflitos e cooperam, atendendo ao maior benefício da criança.

Em casos particulares, a criança pode rejeitar o contacto com um dos pais. Isto pode acontecer sem motivo aparente, ou quando sentem a necessidade de tomar “um partido” como forma de apaziguar uma das figuras parentais e tentarem evitar o medo de abandono por parte de ambos. Em casos mais raros, esta rejeição pode ocorrer  pelo encorajamento de um dos pais, situação prejudicial e dolorosa, quer para a criança, quer para o pai rejeitado. Qualquer uma destas situações é acompanhada por elevados níveis de sofrimento emocional e risco de desenvolvimento de quadros patológicos.

Como podem os pais actuar e atenuar o impacto patológico do divórcio?

Se uma criança, no decorrer de um processo de divórcio, apresentar sinais de angústia, ansiedade, depressão, ou múltiplas queixas físicas inespecíficas sem causa clínica  evidente, os pais devem procurar um pedopsiquiatra para avaliação e orientação. Além disso, o pedopsiquiatra ou o psicólogo clínico poderão ajudar os pais a gerir, do ponto de vista emocional, o processo de divisão familiar inerente ao divórcio e a forma como a criança mentaliza e integra estas vivências. A psicoterapia assume nos quadros sintomáticos mais graves uma intervenção terapêutica mais eficaz, permitindo à criança exteriorizar emoções intensas e complexas, que a própria, por vezes, tem dificuldade em identificar e organizar no espaço mental. Porém, mesmo nos casos menos graves estas intervenções poderão ser úteis aos pais, ajudando-os a desenvolver estratégias que dêem suporte às suas competências parentais, facilitando as relações entre os pais e a criança, protegendo as crianças mais vulneráveis.

A Unidade Psiquiátrica Privada de Coimbra tem por missão contribuir para o bem-estar da população, através da oferta de cuidados de saúde, de actividades de formação e de investigação, na área da psiquiatria e saúde mental, de acordo com padrões de referência internacionais.

Conversar é essencial

Falar com as crianças sobre um divórcio é difícil e penoso para os pais, por vários motivos. Não existe uma forma ideal de iniciar com elas “a conversa”, pois os pais antecipam o aflorar de emoções intensas e sofrimento nos seus filhos. Ainda assim, existem algumas directrizes que podem ajudar a criança e os pais, das quais se destacam:

Optar por ter esta conversa num ambiente calmo e tranquilo, em conjunto com a outra figura parental (se possível) e nunca imediatamente antes de um dos pais sair de casa;

Evitar ter esta conversa antes da hora de ir para a cama. Particularmente para as crianças mais pequenas, lidar com estas informações dolorosas no período em que ficam sozinhas pode ser muito ansiogénico e perturbador, visto que a noite ainda representa um lugar onde os medos ganham forma;

Expor as coisas de forma clara, simples e directa. Deixar claro que não se trata de uma simples discussão e que o divórcio não é uma situação temporária;

Não partilhar mais informações do que as que a criança solicita. Deve-se sobretudo sublinhar que o divórcio não é culpa dela;

Ambos os pais devem explicar que também eles se sentem tristes e que a situação é difícil para todos;

Deixar claro à criança que ambos a amam muito, que nunca nada mudará isso, e que serão sempre os seus pais;

Por fim, é importante relembrar que as discórdias e falhas que neste período assombram os membros do casal não devem ser partilhadas com os mais novos.

Artigo publicado na revista Kids Marketeer nº3 de Março de 2018.

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