Entrevista ao country manager da Revolut: «Estamos a elevar o patamar de serviço»

Montar uma equipa local para fazer crescer o número de utilizadores e educar sobre o produto da Revolut são os grandes desafios lançados a Ricardo Macieira, country manager da empresa bancária digital em Portugal. A Revolut tem mais de sete milhões de clientes na Europa, sendo cerca de 300 mil deles em Portugal

Texto de Maria João Lima

Depois de cinco anos a liderar a Airbnb para Portugal, aos 35 anos Ricardo Macieira foi o escolhido para assumir o cargo de country manager da Revolut Portugal, uma alternativa digital à banca tradicional. Isto, poucas semanas antes de ter sido anunciado o investimento no segundo maior centro de suporte global da Revolut na Europa, que estará operacional em Matosinhos até ao final do ano e que até ao fim de 2020 dará emprego a cerca de 470 pessoas.

Numa conversa com o designer de formação Ricardo Macieira, conheça os planos da empresa que foi lançada em Julho de 2015 por Nik Storonsky e Vlad Yatsenko.

A oferta divide-se em três planos: Standard (0 euros/mês), Premium (7,99 euros/mês) e Metal (13,99 euros/mês).

 

O que lhe deu a experiência no Airbnb para ser a pessoa certa para a função de country manager na Revolut Portugal?

Há duas fases na vida das empresas: a fase de startup e a de scaleup. A startup é a primeira fase, com equipas pequenas, e depois chega a uma etapa em que, para ter âmbito mais global, tem de começar a escalar de forma acelerada de maneira a ser first to market e ter uma implementação forte. O que a minha experiência no Airbnb me deu foi precisamente nesse ponto. Entrei na Airbnb quando a empresa tinha cinco anos, a Revolut agora tem quatro e, portanto, é mais ou menos a mesma idade.

Passei pelo processo na Airbnb, que à escala nacional ainda não tinha o impacto que tem hoje. Nos primeiros meses na Airbnb não conseguia reuniões, porque ninguém sabia o que a empresa era.

À medida que a empresa foi crescendo e os processos se foram desenvolvendo, mudou. Foi uma escola fantástica e a maior parte das coisas que estou a implementar foram aprendidas lá. Creio que foi por isso que a Revolut viu potencial em mim. Apesar de não vir da área bancária – sou designer de formação… O mais importante em cada posição é o que é que posso aprender.

O fantástico na Revolut é que na maior parte das vezes não sou “the smartest person in the room”.

Que objectivos lhe foram traçados?

Estão divididos em várias áreas. O primeiro era montar uma equipa local para começarmos a tratar do crescimento de utilizadores em Portugal. Neste momento trazer utilizadores é o nosso grande foco. Junta-se- lhe o educar sobre o produto, sobre o que oferecemos.

Desde o início do ano crescemos 150% em Portugal. Estamos com 300 mil utilizadores [em meados de Outubro]. Estamos a trazer cerca de mil utilizadores novos por dia. Temos objectivos agressivos de ter cerca de meio milhão de utilizadores até ao início do próximo ano, passando de mil utilizadores novos por dia a dois mil novos por dia.

Mas não basta ter utilizadores. É preciso que eles, de facto, utilizem….

Com certeza. E parte do nosso desafio é localizar mais o produto, ou seja, perceber o que é que o público português quer e, depois, conectar com as nossas equipas em Londres a dar-lhes feedback para que possam continuar a melhorar o produto. Porque esse é o grande motor de crescimento da Revolut – a qualidade do produto. Nós atingimos três milhões de utilizadores sem qualquer marketing, basicamente através de word of mouth.

As pessoas usavam, davam-nos feedback, nós melhorávamos, eles apresentavam aos amigos. Foi um bocadinho por aí que o nosso trabalho foi feito. Temos muito esse product driven mindset, que é “o produto tem de ser bom e, se é bom, as pessoas vão aderir”. É muito por esse prisma que focamos o crescimento.

Sendo eu utilizadora da N26 [que não sou], como me convencem a migrar?

O que queremos com o produto é democratizar o acesso a produtos financeiros. Este é o nosso mantra e é por aí que trabalhamos o desenvolvimento do produto. Posso dar um exemplo muito claro. Há uns meses lançámos o Exchange cryptocurrency. O processo de compra de bitcoins no início era supercomplexo.

Tinha de se criar uma conta no trader, o processo demorava um mês até terem os dados todos validados, depois havia que fazer a transferência de dinheiro para poder comprar. A compra ficava guardada no trader, mas havia que guardar numa wallet, sendo necessário abrir uma conta para transferir as bitcoins, mas depois de estar na wallet não se fazia nada com aquilo. O que pensámos foi que havia uma oportunidade, e já que tínhamos o processo de identificação, decidimos inserir a possibilidade da pessoa poder comprar cripto. Posso comprar dois euros de bitcoins, ficam guardados de forma segura na Revolut e a qualquer momento posso converter para euros e usar normalmente.

Logo a seguir fizemos o mesmo, devido ao feedback dos nossos utilizadores, com o Commission-free stock trading. Foi lançado em Julho para os clientes que têm o pacote Metal e alargado em Setembro a todos os clientes Revolut, incluindo os Standard. Uma vez mais, tal como nas bit- coins, o cliente pode comprar fraccionais. O nosso mindset é esse e acho que este é que é o nosso diferencial.

Mas os concorrentes não têm?

Há aplicações que oferecem vários produtos, mas das que agreguem somos a mais forte. Há também a questão da community na Revolut. O facto de termos um crescimento orgânico muito forte vem dos nossos utilizadores. A comunidade é muito forte. Por exemplo, em Portugal foi criado um grupo de Facebook orgânico que não teve nada a ver connosco e que neste momento já tem mais de 15 mil membros. As pessoas trocam informações sobre a Revolut, mostram os cartões quando recebem, dizem onde usam e onde não usam… há muito o sentimento de comunidade e nós tentamos puxar por aí com a criação das RevRallys.

São pequenos eventos que abrimos em diversas cidades, tendo os interessados apenas de fazer o registo. No dia encontram-se connosco, onde apresentamos alguns produtos que vamos lançar, damos novidades, trocamos ideias, pedimos feedback. Gera algo muito interessante entre nós e a comunidade.

Em comparação com os operadores financeiros tradicionais, as pessoas evitam ir ao balcão. Connosco é o oposto: abrimos vagas que esgotam em poucas horas. Não vejo esta dinâmica em outros players.

O vosso foco é a melhoria dos produtos. O que é que há para melhorar?

Nunca vai estar tudo bem. Numa empresa como a nossa, nós nunca podemos estar satisfeitos. Vamos querer sempre mais e estar sempre a desenvolver o produto. Por isso é que o feedback da comunidade é muito importante, para sabermos quais é que são as verdadeiras necessidades. O foco é na democratização e em dar completo controlo aos utilizadores da sua vida financeira. Por isso é que a aplicação em termos de usabilidade dá o poder de conferir a qualquer altura as transacções, dados sobre onde está a gastar mais dinheiro…

A ideia é que o produto seja um living organism que vai melhorando e sendo adaptado. Nunca vamos estar satisfeitos e vai sempre haver alguma melhoria a adicionar.

No que respeita à compra e venda de acções, como é que os portugueses estão a reagir a esta oferta?

Em termos de feedback orgânico, é fantástico. Poder fazer trading sem nenhum custo é algo que interessa às pessoas. A partir do momento que chegamos ao Standard, ainda mais. Estamos no Top 10 de utilização do trading a nível europeu, quando ainda estávamos com o produto disponível só para Metal. Tesla, Amazon, Google e Microsoft eram asquatro mais procuradas também pelos portugueses, mas é uma tendência muito europeia.

O passado mostrou-nos que os portugueses não têm das melhores literacias financeiras e houve alguma informação que não passou para os consumidores. Aqui a informação é mais às claras?

O nosso mindset é dar o mais possível às pessoas o poder de decisão. As finanças são uma parte extremamente importante na vida das pessoas. É onde as pessoas mais têm de ter controlo e responsabilidade. O mindset é sermos o mais transparentes e fáceis de utilizar possível. Por isso é que nos produtos que oferecemos tudo o que é usabilidade é muito importante. A equipa de design é muito forte em termos de testar e reiterar.

Por isso é que digo que o produto é um organismo vivo. Há coisas que podemos sempre ir afinando para que o processo seja cada vez mais fácil para o utilizador, tenha ele 18 anos ou 82, como temos aqui em Portugal.

O facto de os clientes terem de tirar fotografia do cartão de cidadão e a selfie não faz com que alguns recuem?

Não. De todo. A partir do momento em que inicia o processo, em geral completa-o. É um processo normal de se abrir uma conta. Se for abrir num banco tradicional é muito mais complexo. Portanto, não é um entrave para nós e além disso é uma obrigatoriedade que temos de fazer o processo de Know Your Customer.

Na banca tradicional, antes de haver toda esta big data e processos mais automatizados, o processo de onboarding era muito mais rígido e depois era muito mais difícil para eles fazerem o controlo das transacções que ocorriam. Não havia algoritmos que permitissem fazê-lo de forma automatizada. O que está a acontecer é que o processo continua a ser super-rígido na fase do onboarding, mas depois nós accionamos mais uma camada de segurança, em que sistemas de algoritmos com base de machine learning (validados por pessoas reais), se detectam um movimento que possa ser considerado fraude ou money learning, consegue-se em tempo real identificar e actuar.

Portanto, adiciona uma camada de segurança. O que se aplica também na utilização do cartão. Se o sistema detecta uma transacção que não é habitual naquele utilizador, antes de a transacção ser efectuada o utilizador recebe uma notificação para validar se é ele que a está a fazer. É muito por aí que o sistema financeiro está a ir.

Anunciaram a criação do segundo escritório na Europa, que vai ser em Matosinhos e vai responder a solicitações de várias partes do mundo. Como foi feita a escolha: já era suposto ser em Portugal e escolheram Matosinhos, ou Portugal concorria com outros países?

Eu não estava ainda, mas do que tenho falado com a equipa, havia outros potenciais locais. A AICEP deu um apoio fantástico. Assim que eles chegaram ao Porto e viram a localização, ficaram rendidos. Há vários outros países que oferecem zonas com candidatos. Para montar um escritório com aquele tamanho, tem de haver uma pool of people leaders para encher o escritório. Se calhar se fosse uma zona mais isolada ou um país onde não houvesse estes talentos, seria mais difícil estarmos dispostos a fazer o investimento. Existem alguns na Europa com este pool de talentos. Portugal consegue aliar o cenário perfeito, a qualidade de vida e o talento – por isso é que temos empresas como a Google e a Microsoft a montar escritórios de grande volume no País –, o que torna a venda muito fácil.

O nível salarial pesou na decisão?

Não é por aí, porque pagamos acima da média aos nossos colaboradores. Por mais competitivo que seja o salário numa zona, se não houver o pool de talento necessário para encher essas posições, não vale de nada. É uma conjunção de factores.

Que talento é esse que procuram?

Como há várias empresas tecnológicas a trabalhar nesta área, significa que há uma movimentação de pessoas superinteressantes, que vêm com experiência de outras empresas. O que vai ajudar-nos a conseguir escalar esforços. Por isso é que há centros como Dublin, onde há muitas empresas e as pessoas vão circulando e partilhando conhecimento. A ideia é essa. Há a facilidade da língua, porque Portugal está a anos-luz dos nossos concorrentes naturais, já que 90% das pessoas falam inglês. E depois Portugal é, neste momento, um país muito atractivo para talento estrangeiro. Até porque parte das posições que temos abertas são para diversas línguas.

No total entre Lisboa e Porto, esperam ter quantas pessoas?

Penso que no Porto estão com 70 e o objectivo até ao final do próximo ano é atingir as 470 a 500 pessoas. Vai depender do quão rápido se consegue fazer. Em Lisboa somos neste momento uma equipa de três pessoas no departamento de growth e estamos a contratar mais uma pessoa.

Qual o peso de Portugal no negócio?

Em termos de retail é o sétimo maior mercado. Em termos de business é o quinto maior. Podemos analisar pela vertente da penetração e acho que é aqui que Portugal se excede. Se formos comparar com Espanha, temos 300 mil utilizadores num país com 10 milhões de habitantes, em Espanha são 380 mil com 40 milhões de habitantes. A penetração no mercado português é muito maior.

Porquê?

O português é early adopter de tecnologias e a partir do momento que testa e que gosta do produto é-lhe fiel. Isso explica a adesão. O português é muito aberto a novas tecnologias, o que faz com que o crescimento seja quase orgânico. Porque também é quase uma questão de status usar o cartão e o amigo pergunta, gera conversação… e vamos crescendo.

E ao nível de transacções?

Estamos nos 600 milhões de volume de transacções neste último ano. Não sei os números dos outros países, mas acredito que Portugal seja um dos mais competitivos.

Quem é o cliente português?

Dos 18 aos 82 anos. A nossa idade média é 35 anos, na Europa é 33. O nosso switch spot está nos 28 anos (a idade onde temos maior penetração). Mas o produto quer ser tão democrático que qualquer pessoa vai ter interesse. Se é uma pessoa que quer ter transparência nas suas contas e que gosta de tecnologia, a Revolut é o produto perfeito. Viemos de uma base em que éramos muito marcados, como o cartão para viagens, usado por quem gosta de viajar.

Mas estamos a fazer um shift há algum tempo, que é passar a ser o day to day use card. Aí queremos ser o mais transversal possível, porque toda a gente precisa do seu cartão para usar para as suas compras. Ao nível de perfil, o Top 3 das cidades é Lisboa, Porto e Braga. O top de marchants, ou seja, onde os portugueses mais estão a gastar com Revolut, são marcas como Uber, Kapten e iTunes. Os portugueses já criaram mais de 40 mil Vaults, espécie de cofres para poupar dinheiro dentro do cartão para férias ou outras despesas. Já pouparam cerca de 10 milhões através da Revolut.

Como estão os players tradicionais da banca a reagir à vossa entrada e ao facto de terem 270 mil clientes?

O feedback tem sido bom. Não vemos os bancos tradicionais como concorrentes. Vemos como complementares. O nosso produto acaba por ser mais apelativo à nova geração. Todas as facilidades que o nosso produto tem, a questão da gestão dos pagamentos online, os sistemas de segurança… os utilizadores vêem tudo isso como a grande diferença. Para nós é mais fácil – que crescemos na nuvem – do que para outros players que estão nesta fase. Tiro o chapéu às empresas que estão a fazê-lo e vemos produtos muito interessantes a surgir no mercado, muitos reflexo do que nós estamos a fazer.

O Crédito Agrícola foi o mais recente…

Exacto. E quem ganha é o utilizador final. Se estamos a conseguir elevar o patamar de serviço de outras entidades, fantástico porque quem ganha são os clientes. Face aos players tradicionais, não é um processo fácil, porque muitas vezes são entidades centenárias que têm de fazer uma transição de processos de alguns anos para estes processos digitais. Nós temos a vida mais facilitada, porque nascemos no digital e de raiz já está pensado para uma forma mais adaptável de funcionar.

Já é possível uma pessoa ser cliente apenas da Revolut e não ter outro banco?

Em Portugal, ainda não a 100%, infelizmente. Ainda estamos na fase de analisar os pagamentos de serviços, nomeadamente da rede Multibanco. Mas a ideia é ser complementar. Se chegarmos a um ponto em que o cliente está satisfeito e quer trabalhar só connosco, fantástico. O nosso desafio localmente é tirar todos os blockers que impedem as pessoas de o fazer. E isso está a ser trabalhado.

De que forma o processo do Brexit está a afectar o negócio da Revolut?

Muito pouco. Assim que surgiram as questões, a nossa equipa foi muito proactiva a preparar essa mudança. É quase um não tópico na empresa. Achamos que as coisas estão tão bem preparadas, que não vai haver atrito para nós localmente.

Ambiciona um cargo internacional?

Vim da Airbnb onde havia essa possibilidade de seguir por um caminho que não passasse pelo mercado português. Mas a mim custa-me sair do País. A minha mulher é emigrante, veio do Rio de Janeiro, e sei o quão difícil é a vida de emigrante. Prezo muito a minha vida pessoal e a qualidade de vida. E não sei se mudar a minha família para fora de Portugal seria o mais benéfico. Portanto, vai depender. Não faço planos a longo prazo, mas se vier e fizer sentido na minha vida pessoal (que é o que prezo em primeiro lugar), irei considerar. Mas não estou activamente a ir atrás.

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