Entregar as tarefas rotineiras às máquinas e a criatividade aos humanos

Quando se fala em inteligência artificial, tem sempre que se falar em três componentes: dados, tecnologia e pessoas, defende Hugo Barroso, head of Business Intelligence da Fidelidade. O profissional lembra, na mesa redonda “Na Inteligência das Marcas” que decorreu na 20ª Conferência da Marketeer, que nos últimos anos a Fidelidade tem-se vindo a reforçar e capacitar nestes três vectores. «Em dados, tem tentado adquirir o máximo de informação dos clientes, com o máximo de qualidade possível; tem-se adaptado às novas tecnologias existentes; e tem feito um esforço enorme em capturar talentos e, de alguma forma, formar os seus quadros.» Um dos grandes focos em termos da utilização de IA tem sido a personalização, ou seja, técnicas de machine larning que utilizam para identificar quais são as ofertas mais adequadas a cada cliente em cada momento. Ao mesmo tempo a empresa tem apostado em temas de sentiment analysis para perceber a percepção dos clientes em relação à marca e em automação para tarefas repetitivas (seja em gestão de sinistros, reembolsos médicos), optimizando processos rotineiros.

Também na Galp se tem vindo a fazer o caminho de usar a IA ao serviço do negócio. «Agora o que nós vimos foi esta explosão mais ao serviço da criatividade ou ao serviço dos departamentos de marketing até porque as plataformas se tornaram mais user friendly», sublinha Filipa Appleton, directora de Marketing da Galp. E nesse sentido a marca começou também ela a dar baby steps, inicialmente internamente e, progressivamente, a tentar perceber como ir mais longe. Com o Midjourney começaram a avançar com temas mais complexos. E assim surgiu a campanha dos Summer Trainees.

«Foi feita literalmente a duas mãos. Passámos o briefing à nossa agência, que nos deu o conceito “Tira férias no Verão” e vai estagiar para a Galp. Gostámos imenso do conceito e começámos a ver execuções criativas. Mas as execuções não estavam a chegar lá. Perguntámos ao Midjourney como é que ele via o conceito», conta a profissional salientando que aí começavam as questões do talento e do recorrer a uma equipa que está a falar com um software. «Foi uma experiência incrível», garante.

Isto aconteceu porque a Galp tem uma equipa ágil e aberta a experimentar coisas novas. Filipa Appleton reconhece que nem todas as equipas o são, mas lembra que esta realidade existe e na Galp querem ver como tirar partido disso. Hugo Barroso é de opinião de que o conceito de flexibilidade a abertura às ideias e à tecnologia são, hoje, críticas a qualquer departamento de marketing. «Tem de haver abertura ao risco. Não há forma de dizer que vai correr bem e ser bem aceite. Não há best practices para ir ver…», acrescenta a responsável da Galp que salienta que, ainda assim, há que não ter medo de arriscar. Até porque, sublinha o profissional da Fidelidade, «nos falhanços também se aprende». E em todo este processo há que usar os dados: fazer, ver, medir, aprender com o que se mediu e voltar ao início.

À mesa – moderada por Mª João Vieira Pinto, directora de Redacção da Marketeer – não se acredita que este seja um risco para a criatividade. «As máquinas ajudam-nos em tudo que são tarefas rotineiras, optimização de campanhas e deixam mais espaço para a criatividade», diz Miguel Serrão, head of Digital do Havas Media Group. Criatividade é fazer o que ainda não foi feito. «Todos os modelos dependem de histórico e tipicamente só conseguimos prever o futuro com coisas que já aconteceram. Conseguimos traçar cenários mudando variáveis. Mas a máquina não consegue (ainda não se viu, pelo menos) ter ideias fora da caixa. O fora da caixa é deixado para os humanos. A máquina vai ser melhor do que nós a optimizar, mas novas abordagens têm de ser os humanos a criar.»

O humano é que consegue ter a percepção de “ainda não estamos lá”. A máquina recebe tarefas e entrega as tarefas feitas. E depois da tarefa entregue o humano é novamente necessário para dar continuidade, refinar ou finalizar. Até porque, lembra Hugo Barroso, «o humano interpreta os outputs, verifica se fazem sentido e transmite esses dados ou temas complexos para várias audiências». Para entender o porquê e explicar o porquê dos dados que a máquina entrega é necessária a intervenção humana bem como a resolução de como fazer uma coisa que nunca foi feita, salienta o responsável do Havas Media Group.

Filipa Appleton faz notar que aquilo que a máquina nos entrega exige, cada vez mais, da nossa parte espírito crítico e análise. «Às vezes é muito fácil de perceber onde é que está o erro, onde é que está a falha e o humano é cada vez mais preciso de forma cada vez mais inteligente.»

Porém os profissionais sentados à mesa não acreditam que por se recorrer cada vez mais a máquinas se corra o risco de se caminhar para campanhas semelhantes. Miguel Serrão lembra que as marcas têm factores diferenciadores e, por isso, os inputs dados às máquinas são diferentes. «O papel do Homem é fazer a tal pesquisa e ir afinando», explica, salientando que as marcas se querem diferentes e que acredita que são os humanos que continuam a conseguir fazer diferenciação e posicionamentos diferentes usando a máquina para tarefas repetitivas, deixando os humanos livres para pensar no negócio, em personalização e na criação de personas de maneira a prever o futuro. «O ser humano cria abordagens que nunca foram usadas. Com máquinas optimizamos funções, mas precisamos de cérebros. Pessoas com cérebro terão sempre emprego.»

Esta é também uma oportunidade para aquilo que hoje tanto se fala que é o work life balance. As pessoas querem ter mais tempo para pensar ou para coisas que lhes deem prazer, até fora do escritório. «Se dermos à máquina o trabalho rotineiro, então o meu tempo e aquilo que eu poupo pode ser, de facto, utilizado para acrescentar valor, discutir com as equipas, passar mais tempo de qualidade ou até sair mais cedo e fazer outra coisa qualquer», salienta Filipa Appleton. E com isso ter trabalhos mais satisfatórios, acrescenta Hugo Barroso. «As tarefas mais rotineiras ficam para as máquinas e para inteligência artificial e nós ficamos com o trabalho de interpretação, os trabalhos mais criativos.» Na Fidelidade há um conjunto de tarefas muito rotineiras, massudas – como o reconhecimento de documentos e inserção de dados – que hoje já conseguiram passar para a máquina, libertando os humanos para tarefas de maior valor acrescentado e mais satisfatórias.

Com o tema da IA muito se tem falado de direitos legais que estão ou não a ser assegurados. Mas o head of Digital do Havas Media Group faz notar que mais do que as questões legais – que acredita serão fáceis de resolver – há questões éticas. «Aí temos muitas zonas cinzentas. A máquina não tem zonas cinzentas: ou posso ou não posso. E tudo o que é cinzento a máquina vai fazer. Aí é que acho que há maior de discussão.» Não será por acaso que nos EUA foi pedido que o desenvolvimento da inteligência artificial parasse durante 6 meses. «Estamos a andar depressa demais, ainda não pensamos em tudo isto.»

Miguel Serrão acredita que no que à IA diz respeito há que encará-la como um facilitador que permite maior rapidez aos humanos. «Não é o homem contra a máquina. É como é que o homem combina com a máquina.» E Filipa Appleton acrescenta: «Não é só o que acelera e optimiza, mas também o que enriquece em termos de experiência.» E termina com o exemplo da activação que a Galp teve no Web Summit no Rio de Janeiro. «O desafio da Galp é ser reconhecida enquanto marca e marca empregadora, porque lá não é uma marca comercial que esteja na rua. Usámos uma experiência de AI que consistia em questionar os visitantes como é que eles se viam no futuro. Pusemos os visitantes a verem-se no futuro a trabalhar na Galp, mas eles davam-nos indicações do que é que estavam a estudar. A AI devolvia-nos uma fotografia do visitante, mas num contexto profissional daqui a 10 anos, a trabalhar na Galp do futuro.» Um gift personalizado e que a pessoa levava para casa. «É esta personalização que nós já estamos habituados nos dados e que agora nos dá a riqueza da experiência das marcas.»

Certo é, para os participantes da mesa redonda, que todos vamos utilizar inteligência artificial no breve prazo. «O Chat GPT traz a grande vantagem do interface e da linguagem natural. Faço uma pergunta à máquina e ela devolve-me a resposta. É incontornável que todas as empresas vão ter inteligência artificial para ajudar nos próximos tempos», remata Miguel Serrão.

Texto de Maria João Lima

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