Ensinar a máquina a comunicar com o consumidor

Por Mário Alcântara, manager da BuzzBeat

Cresci junto de bicharada. Em casa tinha coelhos, periquitos, gatos e até um peixe vermelho num pequeno aquário. Não tenho grande memória de como aprendi a identificá-los, mas recordo-me, por exemplo, de descobrir o que era um felino pelas vezes que a minha mãe dizia “não mexas no gato!”. E a somar ao meu processo de aprendizagem, umas arranhadelas extra contribuíram para descobrir rapidamente que aquela coisa felpuda de quatro patas, que ronronava e era fofinha, de vez em quando também se chateava e vingava no elo mais fraco à sua frente: eu. Através das múltiplas experiências e impulsos, na prática passei a identificar o animal e a chamar-lhe de gato.

E se tal como uma criança, quisermos ensinar uma máquina a reconhecer um animal? Entramos no admirável mundo da Inteligência Artificial (IA).

Entender como a IA funciona é simples. Trata-se de um sistema, que na prática é um programa informático assente numa estrutura de processamento tecnológico bastante rápido (actualmente, em cloud), que analisa um volume de informação significativa, combina esse conhecimento em diferentes caminhos e classifica-os. Por exemplo, quando eu entro numa loja online e enquanto consumidor apresento um perfil de consulta de conteúdos online e desenvolvo acções, estou a produzir dados. Estes dados, uma vez registados, consolidam informação sobre a origem da minha pesquisa, do caminho que percorri, das decisões que tomei, até chegar a uma conversão. Se esta cumpriu com os objectivos da marca, significa que pessoas com comportamentos semelhantes ao meu têm forte probabilidade de ter o mesmo resultado. A capacidade de personalização de conteúdos é assim feita a partir do perfil de aprendizagem que o sistema constrói de cada pessoa. Nada mais do que a máquina a aprender.

Regressemos ao gato. Um sistema de Inteligência Artificial vai aprender o que é um gato não por lhe indicarmos que um gato tem orelhas, pelo, dentes e garras afiadas, mas por uma infinidade de fotografias de gatos nas mais variadas posições e momentos que lhe permite combinar e aprender. Com este conhecimento saberá o que é um gato e reconhecerá qualquer fotografia que lhe seja apresentada. Aplicando este raciocínio às marcas, o mesmo acontece quando captam a dimensão de dados gerados pelos consumidores e identificam que o seu “gato” é o cliente que vão converter.

E de que forma é que isto pode  ter impacto na criatividade e comunicação das próprias marcas?

A publicidade atrai atenção ao invocar emoções no público-alvo, sendo que, no passado, prever o sucesso de uma campanha antes de ser lançada era quase impossível. A análise de dados da audiência era dispendiosa, árdua e, possivelmente, pouco fidedigna. No entanto, a IA facilita essa previsão e suporta uma melhor tomada de decisão, dado que é uma ferramenta que pode interagir com cada consumidor, enquanto simultaneamente grava e analisa o detalhe dessa mesma interação. A IA pode potencialmente conhecer a pegada digital de um consumidor. Até melhor do que ele.

O conteúdo gerado em tempo real e o que é aprendido pela máquina criam possibilidades de personalização que antes seriam totalmente impossíveis para as marcas. No passado, as agências criavam uma ideia singular que era considerada a mais atractiva para a maioria dos consumidores. Actualmente, recorrer à IA significa que uma ideia incrível pode agora ser apresentada com uma série de ideias e insights adicionais, cada uma ajustada para atender pessoalmente a cada consumidor que a marca pode alcançar.

Isto indica que, na prática, como marketeers temos de conseguir explicar à máquina as várias propostas de valor que terão de ser combinadas conforme as acções de cada consumidor, incluindo ideias criativas em tempo real, e, em simultâneo, aprender, medir e optimizar essas propostas até apresentar o modelo mais eficaz que converterá mais consumidores.

Esta é a nova realidade e vai mudar como as marcas vão comunicar nos próximos anos. Acredito que os resultados serão positivos para todos, pois a IA vem facilitar como acedemos a informação e bens, em meios cada vez mais intensos de conteúdo. Deixo apenas uma questão: será que a capacidade dos sistemas responderem às nossas necessidades mais imediatas não nos levará a perder todo um mundo fora da nossa pegada personalizada?

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