El Corte Inglés: paz familiar e regresso às origens 10 anos depois de Isidoro Álvarez

Dez anos após a morte de Isidoro Álvarez, o predisente mais antigo do El Corte Inglés, a empresa pretende iniciar uma nova etapa de crescimento, depois de um período marcado, em grande parte, por convulsões. A nível empresarial com uma transformação crítica do sector da distribuição devido à irrupção do comércio electrónico, juntamente com uma necessidade urgente de renovação interna. Por outro lado, a nível accionista, com a entrada de novos investidores. No ponto de vista familiar, houve uma guerra de poder sem precedentes. Por último, uma pandemia que deixou o grupo com as suas primeiras perdas.

Actualmente, os números mostram que o El Corte Inglés é uma empresa com uma facturação praticamente igual à de há 10 anos, cerca de 14 500 milhões, mas com melhores indicadores de rentabilidade. Neste percurso, vendeu a filial informática, o negócio de óptica, uma participação maioritária na sua companhia de seguros e eliminou marcas como a Bricor, Opencor e outras que, como explicam fontes próximas do grupo, “não contribuíam para nada”.

Os efectivos, a 28 de Fevereiro de 2024, foram reduzidos em mais de 11.000 pessoas em 10 anos, após vários planos de despedimento com os quais o grupo contornou o acrónimo tabu: ERE.

Este contexto define a realidade e o futuro do grupo, que na sua última assembleia de accionistas aprovou a nomeação de um novo CEO, Gastón Bottazzini, encarregado de finalizar o novo plano estratégico até 2030.

Bottazzini começou a trabalhar em Janeiro como adjunto da presidente, Marta Álvarez, e a boa química entre ambos, segundo fontes consultadas, converteu-o no arquitecto do novo El Corte Inglés.

O plano estratégico será lançado no final deste ano e entrará em funcionamento a 1 de Março de 2025, com o início do novo exercício económico. E, segundo a imprensa espanhola, o plano, e na ausência de dados concretos, voltará a traçar uma aposta clara no crescimento depois de anos de recuo.

Será uma aposta em receitas, rentabilidade e presença física e até geográfica, com foco no negócio tradicional da distribuição, com um maior grau de digitalização. Tudo, com o apoio da agência de viagens, que no último ano duplicou as receitas para quase 2.000 milhões.

Um regresso ao essencial sustentado por um perfil financeiro melhorado, com a dívida nos níveis mais baixos dos últimos 15 anos, em cerca de 2.000 milhões, e depois de ter alcançado o cobiçado grau de investimento, que lhe permite aceder a novos financiamentos em condições mais vantajosas.

Os 10 anos decorridos desde a morte de Isidoro Álvarez coincidem com uma mudança de etapa. Após a morte de Álvarez, o conselho de administração nomeou o seu sobrinho, Dimas Gimeno, como presidente, com a tarefa de orientar o rumo de uma empresa sobre endividada e com um elevado risco de ficar para trás.

 

Crise económica

A questão mais premente era resolver o problema financeiro: em 2014, a dívida ascendia a 5.009 milhões de euros. Durante o mandato de Gimeno, em 2015, o El Corte Inglés lançou a sua primeira emissão de obrigações no valor de 600 milhões e, pela primeira vez, trouxe um accionista externo à família, o xeque Al Thani do Qatar, que adquiriu pouco mais de 10% do capital por 1.000 milhões.

Tudo isto enquanto tentava inverter a tendência de queda da actividade: entre 2007, ano recorde para o grupo, e 2013, último ano concluído por Isidoro Álvarez, as vendas tinham caído 20% e os lucros 75%.

Em 2016, o grupo levou a cabo o seu primeiro plano de despedimentos em massa, com 1400 saídas de trabalhadores com mais de 58 anos. Todas as fontes laborais consultadas concordam num diagnóstico: os serviços centrais sobredimensionados, com salários elevados e funções pouco claras

A guerra familiar

Um ponto-chave na trajectória do El Corte Inglés nos últimos anos ocorre em Outubro de 2017, quando o conselho de administração nomeia dois CEOs: Víctor del Pozo e Jesús Nuño de la Rosa, que assumem “poderes executivos”, retirando-os a Dimas Gimeno.

Embora o grupo apresente a decisão como uma forma de se alinhar “com as melhores práticas de governação empresarial”, torna-se evidente a lacuna na governação do grupo, que explode na Primavera seguinte com uma guerra aberta entre os herdeiros de Isidoro Álvarez, Marta e Cristina Álvarez, e o primo Dimas Gimeno.

Em 14 de junho de 2018, o conselho de administração demitiu-o e nomeou Jesús Nuño de la Rosa como seu sucessor, dando início a uma batalha legal que chegou a levar a tribunal o processo de adopção de Marta e Cristina Álvarez pelo seu pai Isidoro Álvarez.

O sangue não chegou ao rio e, como acontece nas melhores famílias, tudo se resolveu com dinheiro: Dimas Gimeno cumpriu a sua vontade de deixar a participação no El Corte Inglés, em troca de 145 milhões, e os processos judiciais foram retirados.

A paz familiar ficou completa com o regresso ao conselho de administração de Carlota Areces, representante da Corporación Ceslar, dona de 9% do grupo e que tinha sido expulsa em 2015.

Depois de Gimeno, seguiu-se o período de Jesús Nuño de la Rosa, o presidente mais curto da história do El Corte Inglés, embora com Víctor del Pozo como principal executivo do negócio de retalho. Nesses meses, o grupo acelerou a sua estratégia de venda de activos não estratégicos, um passo inevitável para reduzir o passivo.

Esta estratégia abrangeu desde empresas a activos imobiliários. No primeiro ponto, destacam-se a venda da Informática El Corte Inglés ao grupo francês Gfi, pela qual ganhou cerca de 300 milhões de euros, e a das Ópticas 2000 ao grupo Grandvision.

Também colocou nas mãos da PWC a venda de uma carteira de 95 imóveis pela qual esperava obter cerca de 2.000 milhões de euros. A falta de ofertas que correspondessem a esta ambição fez com que se orientasse para vendas selectivas, também de lojas, como as da Plaza Macià em Barcelona, Parquesur, La Vaguada e Princesa em Madrid, ou a Gran Vía em Bilbau.

Actualmente, o El Corte Inglés tem 17 grandes armazéns e oito centros Hipercor, menos do que há 10 anos. Em 2022, lançou a venda de uma nova carteira de imóveis, pela qual obteve cerca de 500 milhões de euros, e com a qual conseguiu evitar a venda de uma das suas jóias: a Torre Titania, em Madrid.

Isto foi feito sob o mandato de Marta Álvarez, que se tornou presidente do grupo em 2019. O seu período até hoje é marcado pela pandemia, que deixou as primeiras perdas na história da empresa com números vermelhos de quase 3.000 milhões, e pela aliança estratégica com a Mutua Madrileña.

Em Outubro de 2021, esta última tomou 8% do capital da empresa e adquiriu 50,01% da actividade seguradora do El Corte Inglés, numa operação avaliada em 1.105 milhões de euros.

O presidente executivo da Mutua, Ignacio Garralda, juntou-se, assim, a um conselho de administração que sofreu uma lenta mas progressiva renovação nos últimos 10 anos. Figuras históricas como Florencio Lasaga e Carlos Martínez Echevarría deixaram o órgão diretivo nesta última fase.

Desde a morte de Isidoro Álvarez, apenas um administrador não ligado à família se mantém no conselho de administração: o independente Manuel Pizarro.

A renovação chegou também à direcção de topo. Em Fevereiro de 2022, Víctor del Pozo saiu, mas Santiago Bau, director-geral corporativo, e José María Folache, director-geral de retalho, chegaram.

“Registou-se uma profissionalização importante. Saíram executivos que eram muito seniores e houve uma transformação”, afirmam fontes próximas da empresa. Como ficou patente após a última assembleia de accionistas, o círculo mais próximo de Álvarez é composto por Gastón Bottazini, José Ramón de Hoces e Javier Rodríguez-Árias.

Marta Álvarez, a presidente do El Corte Inglés, considera “insubstituível” a figura de Isidoro Álvarez, seu pai e histórico presidente do grupo de grandes armazéns durante 25 anos. «Isidoro Álvarez, o meu querido pai, foi uma figura insubstituível, que faz parte da história económica e empresarial do nosso país»”, afirma.

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