Inveja ou serendipidade?
M.ª João Vieira Pinto
Directora de Redacção Marketeer
Não é de hoje que oiço a expressão pequena inveja. A que mina o povo, as relações, quem se conhece bem ou assim-assim. A que faz querer mal ou desejar mais que o imaginado. A inveja alheia do que nem se sabe.
Diz que a pequena inveja é típica do português. Eu nunca fui muito dada a deixar-me demorar sobre isso. Pensava sobre o tema quando vinha à baila, muitas vezes em viagens de táxi (quando as plataformas de viagens ainda cá não tinham chegado). Mas depois seguia, também eu, a viagem.
Até que chegaram as redes. As sociais. As imagens. E as partilhas. E o que se mostra com gosto mas que merece, acreditem, essa tal inveja alheia.
Disseram-me, comentaram-me, voltaram a repetir. Eu sei que “sempre quisemos estar onde não estamos”. Só que essa é vontade de alma e paixão pela vida. Maldizer o que se vê e o que os outros fazem é bem diferente, diria. Além de que não leva a grande destino que não seja o da pequenez, do sofrimento gratuito, da repetição e falta de sentido.
Propósito foi das palavras mais ditas e repetidas no último ano. Saber viver a vida tem que ser propósito maior. A de cada um. Como se sabe, como se consegue, como se é feliz. Cada um consigo, sem estar a olhar para o lado ou a preocupar-se com a sombra.
Tudo isto vem ainda a propósito, lá está, dos mais recentes Prémios Marketeer. Claro que há sempre aplauso e crítica, maledicência e elogio, mas não seria um caminho maior ver o lado cheio do copo? Perceber que há gente e marcas de enorme valor por aqui? Perceber que continua a ser possível sonhar e criar? Perceber que, mesmo na escuridão da crise, há luz? Ou perceber, também, que contra tudo e todos a própria Marketeer continua a fazer acontecer, a dar palco a quem o merece e a estender páginas a muitos mais?
No lugar da inveja, prefiro serendipidade. Quando o acaso altera o rumo, a nossa vida, o mundo, de forma feliz, e o deixamos. Quando se dá a palma ao destino e se consente que o incrível aconteça. Quando se “vê pontes onde outros viam buracos”. É o caminho da construção e do ir mais além.
Não sei se a pequena inveja é do português, de outros ou do mundo. Agora, seja de quem for, que se dilua e permita que essa serendipidade se aninhe mais em nós!
Editorial publicado na revista Marketeer n.º 300 de Julho de 2021