É preciso reconstruir a confiança entre as agências e os clientes

Apesar dos novos meios e ferramentas ao dispor das marcas e das agências criativas, continuam a existir anúncios mais focados nos benefícios, que apenas pretendem passar informação ao consumidor sobre um produto ou serviço – os chamados “anúncios a pastas de dentes”. E que acabam por afastar, ainda mais, um consumidor que é bombardeado com publicidade todos os dias, a toda a hora. E se, por vezes, a origem do problema está no anunciante, que anseia por resultados, as agências criativas não estão isentas de culpa. «Há uma falta de confiança. Passámos muitos anos a levar os clientes a pensarem que os resultados eram o nosso ofício. Isto é algo que temos que rever hoje em dia. Quando dizemos que temos uma ideia super criativa, eles questionam se essa ideia é boa para o negócio deles ou para o nosso. E este discurso tem de mudar», afirmou ontem Luciana Cani, senior VP e executive creative director da Leo Burnett Lapiz Chicago, durante o Lisbon Ad Festival.

A criativa brasileira, que até ao ano passado liderou a Leo Burnett Lisboa, foi uma das convidadas da segunda conferência do Lisbon International Advertising Festival (LIAF), subordinada ao tema “Até quando vamos continuar a ter anúncios a pastas de dentes com dentistas a falarem apenas sobre os benefícios?”. Os também brasileiros André Félix (VP e executive creative director da Nobox) e Paulo Areas (genereal creative director da Ogilvy & Mather Espanha) foram os outros convidados, numa conversa moderada pelo jornalista Sebastião Bugalho, e que decorreu na sede da Microsoft Portugal, no Parque das Nações, em Lisboa.

Para Paulo Areas, a melhor forma de convencer os clientes a afastarem-se deste tipo de publicidade e apostarem em ideias criativas disruptivas «é com resultados». «É preciso criar uma ligação emocional com o consumidor e medi-la. E isso ainda não é possível em televisão. Quando tivermos essa possibilidade, podemos mostrar ao cliente que criar envolvimento é muito melhor do que simplesmente dar informação», defendeu o responsável. «Risco é uma palavra proibida na publicidade, mas é o que pode diferenciar o cliente e a agência», acrescentou.

Para o director criativo da Ogilvy & Mather Espanha, «a confiança que se perdeu da parte dos clientes» está relacionada com o facto de, durante muito tempo, as agências terem estado focadas apenas nos seus interesses. «Vivemos num mundo egocêntrico onde pensamos que as pessoas vão ver e vão gostar de tudo o que fazemos. Estamos tão embrenhados neste mundo que não conseguimos aceitar uma simples verdade: as pessoas não gostam de publicidade! Gostam de ser entretidas, de se divertirem. E algures neste processo nós perdemo-nos, porque estamos perdidos no nosso próprio mundo», comentou.

Nesse sentido, acrescenta, é preciso que os criativos façam um esforço por «perceber o negócio do cliente», em vez de estarem preocupados apenas com a criatividade. Mas para isso é importante que as agências «tenham acesso a uma parte do negócio, que normalmente o cliente tenta esconder», frisou Luciana Cani.

De acordo com a ex-directora criativa da Leo Burnett Lisboa, o manancial tecnológico de que as marcas dispõem hoje para medir e monitorizar as campanhas pode também ser uma ameaça à criatividade, pois há a tendência para valorizar determinados indicadores que não atestam necessariamente a eficácia da campanha. «Hoje é possível, por exemplo, monitorizar o olhar do consumidor e se há dois ou três frames de um filme que ninguém vê, o cliente pede-nos para mudarmos alguma coisa. Isto é de loucos, é perigoso!», referiu a responsável da Leo Burnett, ressalvando que «em Portugal as marcas não fazem muita pesquisa deste género. É um problema com que me deparo mais nos EUA.»

A criativa sublinhou ainda que a relação entre a agência criativa e o cliente é hoje muito diferente do que era há uns anos. «Antes, as agências percebiam de comunicação de uma forma que o cliente não percebia, eram as experts. Hoje, a conversa está ao mesmo nível porque o cliente percebe muito de comunicação, de plataformas, e participa mais e de uma forma muito interessante no processo. E se algo de mal acontece, a culpa não deve ser só da agência», concluiu.

Conheça aqui a lista de vencedores nesta segunda edição do LIAF.

Texto de Daniel Almeida

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