Dos Erros

tiagoviegasSendo certo que não faltam nesta indústria pessoas com o condão de me irritar o juízo (a irritação surge aqui, claramente, como um eufemismo para uma outra expressão que, pese embora não parecer bem escrevê-la nestas linhas, seria bastante mais adequada), poucas conseguem fazê-lo de forma tão completa (ou holística, como se diz agora) como aqueles que nunca erraram.

Primeiro, porque provavelmente é mentira: é impossível trabalhar nesta indústria e não passar a vida a errar. E depois porque se por acaso for verdade, tenho sérias dúvidas que essa pessoa alguma vez tenha feito um trabalho decente na vida.

A ver se me explico: tenho para mim que sou o que sou e valho o que valho para a minha agência e para os meus clientes pela quantidade imensa de vezes que errei.

E, senhores, se errei.

A quantidade de trabalho mau, desajustado, desadequado, com resultados comerciais mas sem valor para a marca, com valor para a marca mas sem resultados comerciais – e, o que é pior, sem uma coisa nem outra – que já fiz na vida chegaria para fazer um (mau) programa de televisão. Com duas temporadas inteiras. E um especial de Natal.

Mas de todas as vezes que errei – e aí está o valor do erro – aprendi alguma coisa. E esse nunca mais o cometi de novo.

Prefiro (e vou preferir sempre) ter ao meu lado alguém que tenha errado muito (e aprendido com isso) do que alguém que só tenha acertado (primeiro porque provavelmente é mentira e eu não gosto de mentirosos; depois, porque se não for mentira, foi muito provavelmente pura sorte).

E o mesmo se aplica (ou deveria aplicar) aos clientes. Por mais anos que passe a trabalhar, nunca vou conseguir perceber que mal faz entrar numa reunião e dizer sem rodeios a um cliente que a campanha que eu criei, propus e lhe vendi, pura e simplesmente não funcionou.

Em vez disso gastam-se reuniões inteiras (e a minha paciência) a tentar explicar aos senhores que também não se pode dizer que a campanha tenha corrido mal – apenas que, eventualmente, porventura, talvez quem sabe, se calhar, não correu propriamente… bem.

Chiça, penico, cruz credo, virgem santíssima. Assuma-se que ficou uma merda, perceba-se o porquê e compense-se da próxima vez.

Sim, eu sei. Há sempre o receio que, se assumirmos que a coisa não funcionou, o cliente diga que não quer pagar ou, pior ainda, se vá embora. Mas devo confessar-vos, da minha curta experiência, ainda está para chegar o dia em que tal acontecerá (aliás, bem pelo contrário).

Não há nada mais irritante que estar a olhar para uma coisa e ter alguém do outro lado a dizer que aquilo que estamos a ver não é bem assim.

Disse uma vez um tal de Bill Bernbach* que “a small admittance gains a large acceptance”. E não é que o senhor tinha razão**? Não há nada mais salutar para uma relação de parceria (palavra muito em voga, também, nos dias que correm) do que poder falar abertamente e sem medos do que correu mal.

Algo que não só é verdade para a relação entre agência e cliente, mas também para a relação das marcas com os consumidores. Ele há coisa mais refrescante que ver uma marca a assumir que tem, como todas, os seus defeitos? Mais que não seja, porque é um sinal de que estará a trabalhar para os resolver.

Mas são casos raros. Vivemos num mundo sem grandes erros, onde errar é errado. E, portanto, onde há medo de errar. Os criativos porque acham que serão despedidos. As agências porque acham que serão dispensadas. Os clientes porque acham que serão despromovidos. E assim por diante pela cadeia alimentar acima.

E assim vamos andando, contentes e seguros e medíocres.

Este texto, por exemplo. Se calhar foi um erro. Mas alguém tinha que o fazer.

* Para os mais desatentos, o senhor Bill Bernbach era o B em DDB, agência que hoje pertence ao grupo Omnicom.

** O senhor em causa, para os mais desatentos, costumava ter razão muitas vezes

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