Dos alinhamentos
De todos os fenómenos curiosos da indústria publicitária (e, diga-se em abono da verdade, se há coisa que não falta nesta indústria são fenómenos curiosos), o alinhamento internacional é, claramente, um dos mais interessantes.
Ou, em menos palavras, hoje gostaria de dizer uma ou duas coisas (vá, no máximo três) sobre as networks, as contas internacionais e aquilo que verdadeiramente andam a fazer umas com as outras.
Não que o alinhamento internacional de contas não faça sentido – teoricamente até faz.
O problema é que, na esmagadora maioria dos casos, não faz mesmo mais nada.
Excepto, é claro, garantir mais de 50% da facturação de boa parte das agências multinacionais a trabalhar em território nacional que, não fosse esse o caso, dificilmente poderiam pagar as contas ao final do mês.
Isso e evitar que – cruzes canhoto, isso é que não – as ditas agências sejam obrigadas a fazer bom trabalho para continuar a existir.
É claro que nem sempre é assim; há agências em que, pese embora boa parte da sua facturação seja garantida pelas contas de alinhamento internacional, fazem (muitíssimo) bom trabalho.
Só não costuma ser para as ditas contas de alinhamento internacional.
Nessas, nove em cada 10 casos a criatividade (ou mais concretamente a falta dela) é trabalhada directamente pela equipa comercial (júnior ou mesmo estagiária, de preferência, que é para não gastar recursos e optimizar a rentabilidade da coisa), que faz umas traduções de gosto e qualidade duvidosas em velocidade cruzeiro e as vai passando ao cliente até este se fartar e dizer que sim.
Até parece que estou a ver um daqueles anúncios de televisão dos anos 60, com um senhor com pinta de cliente e um ar satisfeito a olhar para a câmara e a dizer animado “Bom trabalho? Serviço? Acompanhamento estratégico? Para quê? O importante é estar alinhado. Faça como eu e alinhe-se você também. Vá hoje mesmo à sua agência multinacional mais próxima”.
Ridículo, não é? Precisamente.
É claro que a culpa não está (sempre) só de um lado.
Aqui há uns anos (mais uma vez não muitos, que eu ainda não tenho idade para isso), estava eu na BBDO quando um dos principais clientes da agência – um cliente para o qual a agência tinha criado alguns dos seus melhores trabalhos de sempre, e ainda por cima com resultados absolutamente notáveis – resolveu que estava a gastar muito dinheiro com a criatividade e produção e que, por conseguinte, fazia mais sentido alinhar-se internacionalmente.
A agência protestou, argumentou com o trabalho feito para a marca ao longo de quatro anos e apresentou com orgulho os resultados obtidos.
Mas nada feito.
O alinhamento falou mesmo mais alto.
O que, apesar de tudo, funcionou muito bem. Porque, assim, quando os resultados da campanha internacional não apareceram, Portugal estava alinhado com o resto da Europa e constatou tristemente que os seus resultados não apareceram também.
Mas esta é, provavelmente, a excepção. Porque por cada um destes clientes, que não percebem que gastar menos dinheiro e com isso obter menos resultados é, na verdade, gastar mais dinheiro (e, ainda por cima, mais mal gasto), há nove outros que tudo o que querem é ver a agência com a qual se viram obrigados a trabalhar a fazer aquilo que qualquer muito boa gente estaria a tentar fazer se estivesse no lugar dessa agência: bom trabalho.
“Não, não”, estarão nesta altura a dizer de forma inflamada os responsáveis das multinacionais que tiveram paciência para ler até aqui. “Apesar de tudo, isto é um bom negócio na medida em que permite a distribuição de custos de criação e produção pelas diversas operações”.
Ao que eu responderia com um politicamente correcto “claro que sim”.
E depois, assim só para chatear, acrescentaria em jeito de conclusão “a minha questão é para quem”.