Don’t be stupid
“The dollar is now the yardstick of cultural authority, and an organ like Time, which not long ago aspired to shape the national taste, now serves mainly to reflect it.”
Jonathan Franzen, “How to Be Alone”, 2002
Ainda vale a pena escrever sobre Trump. Desculpem os leitores que se enfadam, mas a vitória de Trump não é comparável a um mannequin challenge que passa de moda em 15 dias. Trump vai ser o próximo presidente dos EUA. A piada virou realidade. Não vou escrever sobre política. Mas gostaria de aproveitar este espaço para deixar a minha indignação com a estratégia de marketing que deu a vitória a um palhaço.
O próximo presidente dos EUA é alguém que representa pública e despudoradamente o contrário do que pensamos serem algumas das conquistas da humanidade. Tolerância e inclusão de género, raça, religião ou orientação sexual, bom senso, seriedade intelectual e responsabilidade no exercício do bem público, tudo mandado às urtigas. E temo que o objectivo dele não é fazer-nos rir.
No último mês, desde que Trump foi eleito, tenho-me convencido de que as suas posições são uma terrível e vencedora estratégia de marketing. Sabia desde o início que, quanto mais polémico fosse, mais probabilidades teria de ganhar. Terá aprendido essa lição no “e Apprentice”. Para ganhar as eleições, optou por espalhar o medo, a calúnia, a difamação e a intolerância. Tudo valores duvidosos, sempre nos ensinaram. E perguntámos: como é que alguém tão abjecto no que diz e nas posições que toma conseguiu chegar a presidente da primeira potência mundial?
A teoria de que ganhou uma opção anti-establishment não é explicação suficiente. Noam Chomski, mesmo que quisesse, nunca seria presidente dos EUA. Bernie Sanders era anti-establishment q.b. e não chegou nem a candidato democrata. A vitória de Trump é uma vitória do populismo mentiroso, como já tantos escreveram. Make America great again, o muro, o proteccionismo, a perseguição do Islão. Mas não fica por aí. Trump aplicou a estratégia do “quanto pior, melhor” e ganhou. O que todos assistimos foi à mais óbvia e deprimente consequência de uma sociedade do fumo, que temos deixado prosperar nos últimos anos. Durante anos vivemos a era dourada dos realities, do telelixo, da humilhação pública, do discurso de que os presidentes se vendem como sabonetes, do “oferecer aquilo que as pessoas querem ver”. Com ela veio a geração do acosso papparazzi, dos vídeos de bulling, dessa atracção sinistra pelo terror e pelo medo. Em paralelo, cresceu uma espécie de reacção narcísica amplificada pelas redes sociais, com a sua febre do selfie, a obsessão pelos views, likes e shares, essa determinação em ser famoso, e trabalhando só no que é preciso para isso: sacar uma emoção rápida, ser tolo, descerebrado. “Be stupid”, dizia a Diesel em 2010. Pois aí está. Be stupid. O que começou como uma campanha publicitária de contracultura irónica tornou-se num sinal dos tempos. Be Stupid levado à presidência dos EUA. Podia ser um episódio dos Simpsons, como chegou a ser em 2000. Mas é a realidade. Um logótipo feito de insultos, uma tagline vazia que apela ao medo, uma conta de Twitter como arma de arremesso, e eis que Trump consegue ser um sabonete diferente, fácil de partilhar e de se tornar famoso.
Muitos assistimos à ascensão do Big Brother encolhendo os ombros, com um misto de menosprezo e sobranceria, outros rindo da desgraça alheia. Mas a geração Big Brother tem consequências, e Trump deu-nos a maior delas. Ganhou a cultura da estupidez. No meio da indignação, quero dar o benefício da dúvida a Zizek. Segundo o sociólogo esloveno, é melhor ter um Trump para agitar as águas do que mais do mesmo com Hillary. Mas tenho medo. Sobretudo porque Trump nega as alterações climáticas e tenho medo que o planeta não nos dê muito mais tempo para tanta estupidez. No meio do lixo de Trump, oxalá esteja a semente de uma coisa boa. Oxalá venha uma maior consciência da nossa responsabilidade, no que fazemos, no que compramos e vendemos, no que partilhamos e no que apoiamos. Por favor, não sejamos estúpidos. Tentemos formar gosto e não apenas reflecti-lo. Todos temos essa responsabilidade, nem que seja no nosso mural do Facebook. Talvez assim a estupidez conquiste menos votos.
Texto: Susana Albuquerque
Directora criativa DDB Madrid
Artigo publicado na edição n.º 245, de Dezembro de 2016, da revista Marketeer.