Mais uma: editora da Caras e Visão não resiste ao mercado

Os primeiros sinais “da doença” aconteceram (como sempre acontecem) com os atrasos nos pagamentos dos salários aos trabalhadores e o incumprimento de outros pagamentos a colaborações essenciais para o funcionamento da editora. “Desde novembro do ano passado que os salários se encontram em atraso, os dos quadros, pois os colaboradores já sofriam atrasos. Nos últimos três meses, chegámos a um ponto insustentável, em que muitos de nós receberam ordenados mais de um mês depois. Neste momento, há diretores que ainda não foram pagos e ainda ninguém recebeu vencimentos de junho, subsídios de refeição de maio e junho e subsídio de férias,” lamenta uma jornalista de uma das publicações do grupo, que prefere manter-se anónima.

Agora, com um Pedido Especial e Revitalização (PER) em andamento, o Jornal de Negócios avança com um número: a TIN tem uma dívida total de 32,252 milhões de euros, 17 deles, ao Estado. “Olhando com seriedade e de forma empírica, questiono que futuro poderá haver para os títulos que compõem a TIN. A única solução que parece viável é a venda de títulos que representam grandes marcas no mercado. Essa medida pode trazer dinheiro à empresa, mas sobretudo poderá salvar revistas e, eventualmente, os seus trabalhadores,” conclui.

Esta história seria (quase) inacreditável se fosse isolada. Contudo, não é. Na realidade, a TIN não é a primeira editora a sofrer uma grave crise financeira.  Nos últimos anos, os principais grupos editoriais de Portugal têm vindo a sucumbir. Todos, com histórias incrivelmente semelhantes.

Em março de 2016, após 27 anos de publicações, saiu a última edição em papel do “Diário Económico”. As notícias ficaram para a edição “online” do jornal e para o canal de televisão. Porém, foi “sol de pouca dura”.  Em setembro e outubro do mesmo ano, respetivamente, encerraram. A proprietária do jornal, detida pelo grupo Ongoing, que já estava em Processo Especial de Revitalização (PER), pediu ao tribunal para converter o processo numa insolvência. E foi o que aconteceu. Todos os trabalhadores ficaram sem trabalho. Sem indemnizações ou créditos laborais.

3 de novembro de 2020. A Descobrir Press, uma empresa do grupo Impala, detentora de títulos de revistas como a Nova Gente, a Maria e a Tv7Dias faz um despedimento coletivo de 50 pessoas. Motivo: fracas vendas das publicações devido à pandemia. Nesta altura, e de acordo com um dos quatro PER a que a empresa foi submetida, somava uma dívida total de 42,5 milhões de euros. Os trabalhadores foram despedidos sem receberem os ordenados que na data do despedimento tinham em atraso, bem como os créditos laborais e a indemnizações pelos anos de trabalho. Uma ex-trabalhadora do grupo (que prefere o anonimato) que exercia um cargo de chefia recorda: “Tudo começou com o atraso dos salários. As desculpas sucediam-se. Havia de tudo. Nunca houve o mínimo de pudor ou respeito pelos trabalhadores que eram, inclusive, responsabilizados pela situação financeira desastrosa da empresa. Sempre nos foi pedido para “vestir a camisola”. O dinheiro não chegava, ou chegava atrasado, e o trabalho triplicou. Passaram quatro anos e está tudo na mesma. A impunidade reina. Não existem autoridades capazes de parar um flagelo destes. Foram mais de 50 pessoas para o desemprego, sem um único cêntimo. A empresa continuou a trabalhar. Ainda tenho esperança de receber o que me é devido, mas sei que levará tempo.” Dois anos após o despedimento coletivo a empresa abriu insolvência. Ainda assim, as revistas continuam a sair.

O caso mais mediático, e que talvez tenha suscitado maior interesse público, aconteceu há poucos meses, no final de 2023, na Global Media Group (GMG).

Comprada por 300 milhões em 2005, a empresa vendeu as sedes dos jornais, fez cinco despedimentos coletivos e conheceu vários acionistas até chegar a um dono misterioso e sem fundos para salários. Os incumprimentos com trabalhadores e colaboradores têm-se sucedido e a situação está longe de se resolver. Atualmente, mais de uma centena de colaboradores, fornecedores, jornalistas, fotógrafos, cronistas da GMG têm por receber o mês de abril, maio e junho e sem nenhuma garantia de que receberão. Uma colaboradora, que vive esta situação, desabafa: “Dizem que nos pagam após a venda. Há expectativa que o façam mas não há garantia nenhuma.” A esperança reside num novo negócio: a venda do Jornal de Notícias, da rádio TSF e do jornal O Jogo. Com contas para pagar, comida para comprar, para muitos trabalhadores com família e casas inteiras para sustentar é difícil continuar a trabalhar sem dinheiro.

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